domingo, junho 03, 2012

Como ensinar sobre sexualidades?

Essa é uma pergunta que tem me marcado e perseguido. O que é importante que as pessoas saibam sobre sexualidade? Como compartilhar esses conhecimentos? De que maneira confrontar as ignorâncias que permeiam o tema?

Desde o ano passado, já ofereci quatro cursos de extensão online sobre sexualidades na educação e ainda não resolvi esta questão. Não acho que haja uma resposta única ou permanente, não seria tão fácil. Minhas primeiras tentativas foram marcadas pela crença em um lugar comum entre eu e os estudantes: a busca pela justiça social, pela construção e proteção de ambientes seguros para livre expressão e experiência de comportamentos e desejos afetivos e sexuais. Alguns exemplos nestes cursos, porém, me serviram para perceber que os interesses nem sempre são os mesmos. Em diversas ocasiões, o interesse dos professores é o de manter a posição privilegiada que a sua alegada normalidade lhes confere. O benefício da dita normalidade é um que é difícil de explicar e fazer ver, pois ele não acrescenta nada, apenas não subtrai. Enquanto o anormal não pode coisas, o sujeito considerado normal simplesmente pode desde sempre, é um direito humano, de nascença.

Tirinha do artista Laerte
Daí vem a história do banheiro e de quem pode ou não usá-lo sem ser questionado. Esse é o problema dos privilégios invisíveis: o homem entra no banheiro masculino porque ele nasceu com pênis e nunca se diferenciou significativamente ou publicamente daquilo que é considerado normal. Uma mulher nascida presa num corpo masculino e que, por isso, traveste-se, ela não, ela precisa dar explicações sobre as razões pelas quais o seu corpo está frequentando um espaço errado. Como aprendi em um dos cursos que ministrei, ela precisa dar explicações não pelo desconforto que ela sente, mas pelo desgosto e descompasso que os normais sentem.

Aí eu penso que o grande segredo de um curso sobre sexualidade seria atacar a ideia de normalidade. Faz sentido, especialmente se considerarmos discursos religiosos que, por exemplo, defendem alguns como mais sagrados que outros e, muitas vezes, justificam discursos de ódio contra sujeitos que não pertençam a esses povos considerados puros e santos. Ainda puxando a experiência dos cursos em que ensinei, uma aluna questionou a discussão sobre homossexualidade trazendo o trecho da bíblia cristã (Levíticus, acho que 22:18) que menciona que um homem que deitar com outro homem será uma abominação. Alguns parágrafos para frente, o mesmo livro que prega a harmonia e a paz manda matar esses homens. O argumento contra essa questão é relativamente mais fácil que o dos gêneros: se tantos outros trechos do Levíticus foram revogados, ignorados e repensados, como o de apedrejar as crianças que não obedecem, o de não tocar em mulheres durante a menstruação ou o de não misturar tecidos diferentes numa mesma roupa, então por que deveríamos nos prender a atacar homossexuais? Até onde eu entendo, isso tem nome. Aliás, tem vários. A gente pode chamar de ignorância, ou de cretinice, ou de leitura seletiva. A gente escolhe o que serve melhor aos nossos propósitos e finge que o resto não é importante. O que me deixa triste, nisso, é que as pessoas escolham se agarrar àquilo que prega que outros sujeitos devem ser considerados menos importantes, menos humanos.

Achei essa imagem no: http://polemicas.info/homossexualidade/  
O problema da ignorância é que ela não é uma simples falta de conhecimento, mas sim um resultado da maneira como a gente conhece as coisas. Então não adianta eu tentar mostrar que existem outras formas de viver os afetos e prazeres, que gêneros são mais do que dois ou que corpos não são tão limitados como somos ensinados na escola. Aquilo que sabemos está intimamente ligados com aquilo que acreditamos, e nossas crenças são alvo de um imenso investimento emocional. O que sabemos organiza o modo como lidamos com o mundo, como o percebemos, como decidimos o nosso papel nele e, também, o dos outros.

O ensinar sobre sexualidade nunca vem em um contexto vazio de significados anteriores. Desde crianças nós somos enchidos de posições normalizantes, somos levados a acreditar que existem apenas algumas poucas maneiras corretas de existir. Cada vez mais eu sinto que o que eu quero ensinar são informações, mas o que precisaria ser mudado são valores.

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