Nós somos aquilo que fazemos repetidamente, que nos acostumamos a fazer. Essas repetições e permanências ditam como nós mesmos e as outras pessoas nos enxergam. A pessoa que sempre fala em público é a extrovertida, a que se veste toda chique é a perua, a que reclama é a chata. Quase sempre essas leituras resumidas que fazemos são incompatíveis com o que as pessoas pensam de si, pois acreditam-se muito mais complexas do que estão sendo definidas. E é verdade, elas são, porém é mais fácil enxergar aquilo que se repete. Quando uma pessoa usualmente tímida reage expressivamente, nós vemos ali uma exceção, ao invés de compreender aquele movimento como parte da personalidade dela. Nós cristalizamos os movimentos para registrá-los mais rapidamente.
Acostumados que estamos com essas cristalizações, buscamos sempre as repetições. Elas dão sentido às nossas existências, sendo nada mais que hábitos de sentir, de agir e de pensar. Se queremos ser diferentes do que somos, necessitamos abandonar quem éramos. Contudo, esse não é um movimento fácil. Para muitas pessoas, parece absurdamente impossível, tão acostumadas que estão a se agarrarem a tudo que parece sólido em suas vidas.
Ocorre que as pessoas que resistem à mudança estão se agarrando a ilusões. Como a tradição budista nos conta, a mudança é a constante da vida: nada será o mesmo para sempre. Quem vive morre, quem sofre alegra, quem sorri um dia murcha. Quando nós entendemos a vida em blocos de pensamentos e comportamentos rígidos, esquecemos a fluidez de suas transformações e possibilidades. Estabelecemos nossas relações baseados em formas e contornos bastante duros, de modo que encaixes são dificultados.
Quando o sólido começa a ruir, levando consigo nossas certezas, nós abraçamos o desespero. O mundo parece perder o sentido porque todo o sentido que dávamos a ele era duro, fixo e único. Impermeável. Os exemplos são infinitos: o emprego dos sonhos que não realiza mais, o namorado que de repente parece tão diferente do que era, a jovem que abandona uma carreira aparentemente promissora e frustra a família. Somos tão fixados e sólidos que acreditamos até mesmo que o futuro deveria seguir as regras de nossos hábitos de solidificação. Como sabemos, o futuro tem a mania de ser molengo, esguio e intocável, características que não combinam nem encaixam com nossos pensamentos em bloco.
Entender a vida como movimento sempre em fluxo, portanto, é uma maneira de nos protegermos dessas decepções que nascem de nosso próprio desejo de que as coisas fossem diferentes. Quando entendemos e aceitamos que a vida é o que é e não o que queremos que ela seja, começamos a seguir seu ritmo ao invés de tentar represar suas potencialidades. Afinal de contas, mesmo a maior represa pode se romper ou transbordar. Não se trata, portanto, de entender por que mudar. A mudança ocorrerá de qualquer forma, a pergunta é: como lidamos com ela?
O que está em jogo é uma mudança de paradigma, de maneira de entender o mundo. O sólido do conhecimento ocidental clássico já não é suficiente para explicar o mundo. Há muito que escapa. Como alternativa, podemos entender a existência como fluxo, como movimento e interação constantes. Nossos hábitos de sentir, de agir e de pensar podem ser transformados conforme o ritmo das mudanças.
A exceção representada pelo grito do tímido é tão parte dele quanto as recorrências do silêncio. Jamais seremos capazes de verdadeiramente entendermos uns aos outros se não percebermos que tudo faz parte e se relaciona. Da mesma forma, não podemos definir o que significa ser humano baseados apenas naquilo que nos parece normal, constante, repetido ou costumeiro. A diferença também faz parte. Precisamos mudar nosso pensamento de uma matriz que entenda as coisas como uma ou outra para um olhar que nos facilite observar uma e outra em interação.
Para isso, infelizmente, não há fórmulas.
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