segunda-feira, maio 06, 2013

Precisamos ter certeza de quem somos

Caro leitor, o título deste texto é uma mentira, mas também não é. Como ser é algo muito complicado, ter certeza é ainda mais difícil. Há quem possa entender que estou defendendo que tenhamos uma identidade fixa, sólida, bastante clara. Não é por aí.


Quem somos: em busca de uma identidade

O significado de identidade não é algo fácil de se definir. Na verdade, é até perigoso. A gente costuma definir identidade como a repetição ou permanência de algo que nos permite reconhecer esse algo. Digamos, eu bebo demais, eu sou um alcoólatra. Eu nasci no Brasil, sou brasileiro. Fiz um curso de jornalismo ao longo de quatro anos e seis meses, sou um jornalista. Escrevo textos, sou escritor. Tenho pênis, sou homem. Transo com homens, sou gay.

Com exagerada frequência, porém, nós atalhamos a compreensão das coisas através desses nomes ou conceitos. Eles resumem características nossas e nós acreditamos que podemos pensar as outras coisas da mesma forma. Assim, criamos um modelo padrão do que deve ser um homem (ou escritor, jornalista etc) e isso acaba nos cegando para percebermos variações possíveis. Ao mesmo tempo, quando aplicamos essas etiquetas de identidade ("sou jornalista", "sou escritor"...) a nós mesmos (ou aos outros), estabelecemos exigências de comportamento em torno destas etiquetas. Criamos expectativas.

Como somos: escapando das identidades

A noção de identidade não explica a maneira como nós somos e agimos. Na verdade, toda explicação acerca da realidade estará sempre um passo afastada da realidade e, portanto, jamais será capaz de explicá-la. Será, no máximo, um recorte de um determinado espaço e momento desta realidade. Quando eu digo que sou gay, isso automaticamente gera uma impressão de que essa etiqueta me define como sujeito através de toda minha vida: nasci ou me tornei gay, ajo de tal e tal jeito porque penso como um gay e assim por diante. A realidade não funciona dessa forma.

A realidade funciona como funciona, simples assim. Ela é. Ela está. Quando tentamos explicar, não podemos esquecer que aquilo que explicamos é somente isso, somente uma explicação, não um acesso direto à realidade. Se eu como uma maçã deliciosa e depois conto a alguém sobre o delicioso sabor da maçã que comi, esse outro alguém jamais saberá o que eu experimentei: ele não tem as minhas papilas gustativas, ele não estava no lugar em que eu estava quando mordi a maçã, ele não tem as minhas lembranças de maçãs anteriores etc. Tudo o que essa pessoa tem é o meu relato, palavras que ele pode associar com as próprias lembranças do que são maçãs. Ele pode até mesmo não gostar de maçãs. A minha experiência é inacessível para outras pessoas.
- Sempre me perguntei por que você decidiu ser um cachorro.
- Fui enganado pela descrição do emprego.

Então somos um apanhado de incertezas?

Bem, eu não seria tão dramático, mas essa é a verdade. Nós somos o que somos quando somos e ponto final. Através da linguagem construímos uma noção de continuidade para quem nós somos e isso é muito útil, do contrário estaríamos perdidos. Embora extremamente eficiente para muitas coisas, ela é bastante falha em reproduzir, explicar e, principalmente, condensar a realidade.

Justamente para não ficarmos perdidos é que precisamos ter certezas. Certezas de quem somos, do que queremos, do que fazemos. O risco não é acreditar em algo piamente, mas sim em acreditar nesse algo para sempre. Parece-me que um bom jeito de viver nossas vidas é ter algumas certezas e uma pilha de dúvidas. À medida em que nossas dúvidas vão se desfazendo (tornando-se respostas ou novas dúvidas), nós podemos trocar as nossas certezas por outras.

Para concluir, um exemplo: neste momento eu tenho certeza que desejo escrever e publicar. É a partir dessa noção que estou gerenciando a minha vida. Se eu tentasse abraçar tudo de importante na vida ao mesmo tempo, ficaria imensamente perdido, afogado entre sensações e demandas de lados diferentes. Família, amigos, outros amigos, ainda outros amigos, cursos, trabalhos, tudo parece importante, tudo requer a minha atenção o tempo inteiro. Eu sou apenas uma raposa, não consigo lidar com tudo junto ao mesmo tempo. É preciso definir prioridades, estabelecer quais desejos vêm primeiro, quem eu sou neste momento para enfrentar tais e tais questões. Amanhã eu posso ser outro, posso querer algo diferente, posso até mesmo desfazer aquilo que fiz anteriormente. Ser não significa ser para sempre.

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