A gente chega ao mundo pelado, só sabendo o que se sabe por ser bicho. Chora, olha, grita, agarrar o seio da mãe. Ninguém nasce jogando xadrez, calculando a hipotenusa ou discutindo filosofia pós-estruturalista, nem conhecendo as coisas que realmente importam. Ou que a gente acha que importam. Elas mudam tanto que talvez até o fato de mudarem mude e elas amanhã ainda sejam as mesmas.
Eu não lembro direito como eram as coisas em família. Quando penso em colégio, já recordo que a minha já havia deixado de ser, propriamente, família. Não de verdade, eu sei, mas de uma forma diferente da que eu desejaria. Sei que minha mãe desejaria diferente, também, como tantas vezes conversamos. Somos amigos, eu e ela, daquele tipo de amizade que vem e fica. Com o passar do tempo fui entendendo algumas das escolhas que ela fez. Não concordo com várias delas, mas umas faço iguais, outras se não fossem feitas não me teria colocado no mundo. Sou fruto de um acidente, o segundo filho não planejado. Cinco anos depois do meu irmão, eu fui o sinal de que era o momento de fechar a fábrica. Cirurgicamente.
A escola foi um período confuso. Antes do Ensino Médio eu tinha pessoas que me defendiam, que me resguardavam de um mundo cruel que queria rir de mim. Não só queria, conseguia. Gargalhava, por vezes. Ainda assim, aqui e ali fui aprendendo alguma coisa, mais de ouvir falar do que de realmente saber fazer. Quando minha colega me perguntou, na sétima série, se eu já podia ter filhos, eu sabia qual era a resposta correta, mas não saberia de fato como. Ela bem sabia, tanto que teve o dela alguns meses depois.
Sempre tenho a sensação de que as coisas estão mudando justo quando estava chegando na melhor parte. Pensei isso quando mudei de colégio, de universidade, de moradia. Talvez eu estivesse certo em todas essas vezes. Eu não estava preparado pra enfrentar o Ensino Médio onde escolhi, mas passei por ele e, como troféu, o currículo e o ingresso na universidade federal.
Li hoje de noite dois relatos de vidas confusas, encerramentos abruptos e dificuldades de se entender caminhos que por vezes não levam a nada além de outras estradas. Estou ainda afetado pelas leituras, então creio que posso ser desculpado pelo texto confuso de hoje. Estou meio assim, muito aqui, mas também muito lá no que já fui um dia. Vontade forte de voltar e consertar ou, no mínimo, fazer as pazes com o que vivi.
Um comentário:
Não tá nada confuso, pelo contrário, muito claro. A gente tá sempre entre o que já fomos e o que ainda queremos ser. Quanto mais a gente "quer ser" (que é o teu caso), mais a gente revisita o passado. Consertá-lo? Impossível. Fazer as pazes é também um pouco isto: ver o lado bom (sempre tem um, em TUDO).
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