quarta-feira, fevereiro 15, 2012

O lenhador + Pedofilia

A descrição do filme no IMDB é sucinta: "A child molester returns to his hometown after 12 years in prison and attempts to start a new life", ou, em bom português, "um molestador de crianças retorna para sua cidade natal depois de doze anos preso e tenta começar uma nova vida". A premissa é simples, bem como a proposta. O que achei interessante foi a perspectiva da história, que é contada a partir dos passos do próprio pedófilo. Nós o acompanhamos em um novo emprego, em um novo relacionamento, nas suas consultas com o psicólogo e nas visitas que ele recebe de um inspetor de polícia que não acredita em reabilitação.

A história caminha de forma lenta, algumas vezes até cansativa. Os dias de Walter, personagem principal, não têm nada que escapem de uma rotina que ele mesmo estabeleceu. Aos poucos uma personagem sacode esse ritmo e abre espaço para que conheçamos o passado de Walter: ele foi preso por doze anos por abusar de meninas. O longo período que ele passa na janela de seu apartamento, em frente a um jardim de infância, começa a fazer sentido para o espectador. Aí ele conhece uma menina e eu não vou contar o resto do filme.


Esse filme é ótimo: levanta questões sobre pedofilia, relacionamentos familiares, preconceito e relações humanas. Como professor de sexualidade, fico imaginando discussões que são possíveis a partir dele e que temas podem ser trazidos para debate. Entretanto, é necessário pensar anteriormente onde se espera discutir essas questões. Essa história não é para pessoas imaturas ou incapazes de se desprender dos próprios valores para discutir diferentes pontos de vista.

Eu entendo que não é possível se aproximar de algo a partir de uma posição puramente teórica, já que nós sempre carregamos nosso histórico, nosso contexto e nossas emoções na forma como observamos algo. Entretanto, o convite feito pelo filme dificilmente pode ser aproveitado se nos deixarmos cegar por nossas convicções e crenças. Sim, eu acho errado um homem de trinta e tantos anos abusar sexualmente de uma garota de doze. Não, isso não me impede de olhar o filme e estar disposto a discutir as dificuldades vividas por um sujeito que tenha esse tipo de desejo.

Estou, junto com uma amiga, oferecendo um curso sobre sexualidade na educação a distância em artes visuais. Um dos recursos que estamos utilizando para debater é a seguinte notícia:


O que nós tentamos conversar, com essa matéria, é a questão da idade e como entendemos e construímos percepções sobre sexualidade infantil, juvenil e adulta. No caso, dois meninos (18 e 13 anos) foram pegos se beijando pela gerente de um cinema em São Paulo, a polícia foi chamada e o mais velho corre(u) o risco de ser preso por alguns anos. Eles se correspondiam pela internet havia aproximadamente um ano e então marcaram o encontro para se conhecerem.

As reações à notícia foram diversas: algumas sobre o perigo das novas tecnologias, outras sobre a falta de preocupação e responsabilidade dos pais frente aos filhos etc. A nossa intenção, como professores, era questionar o que se pensa a respeito da infância e como nós construímos uma fragilidade e falta de capacidade de escolha/personalidade sobre os jovens. Ouvi repetidas vezes o argumento de que os jovens não estão prontos para tomar decisões. Será verdade? Não sei. Tenho certeza que para o jovem em questão, ele está "formado" o suficiente para tomar decisões e escolher que caminhos deseja tomar.

O que nós, educadores, podemos pensar e fazer a partir disso? Duvidar do que significa "estar pronto para tomar decisões" pode ser um primeiro passo. Como estudante de cultura visual e de teoria queer, entendo que a linguagem tem um papel importante não só em explicar, mas também em condicionar as explicações possíveis. Quando associamos pureza e inocência à infância, nós estamos roubando dos sujeitos inseridos nessa categoria a possibilidade de não serem puros e inocentes (o que quer que esses dois adjetivos signifiquem). E alguns não são. Outros não querem ser.

Além disso, nossos papéis sociais são construídos culturalmente e têm uma história que responde especialmente a questões políticas. Que subjetividades estão sendo ignoradas e que modos de ser estão sendo privilegiados com a forma como entendemos as identidades e as leis?

Para finalizar, uma pergunta que está me martelando hoje: como lidar com o sentimento de que nossos esforços como professores não é suficiente para atingir os estudantes? Certo, eu não defendo uma educação bancária (mais sobre esse termo de Paulo Freire aqui!), o que significa que eu não entendo que professores tenham o poder de inserir conteúdos em seus alunos. De um lado, o cara que sabe e transmite o conhecimento aos pobres aluninhos, que ainda não estão "prontos", ainda não foram ensinados, não tiveram o saber depositado em seus cérebros através dos esforços e artesanias do professor. Ainda assim, dói perceber que nossos esforços em construir um espaço de aprendizagem não estão sendo aproveitados. Existe resposta pra isso?

2 comentários:

Vivian disse...

Excelente post!

"Quando associamos pureza e inocência à infância, nós estamos roubando dos sujeitos inseridos nessa categoria a possibilidade de não serem puros e inocentes (o que quer que esses dois adjetivos signifiquem). E alguns não são. Outros não querem ser."

Essa tua frase resume tudo. Nós somos tomados pelos preconceitos até mesmo quando nos referimos as crianças e sua "bondade inata", visão que provavelmente representa o modo como gostaríamos como as crianças fossem mais do que elas são de fato.

O papel do educador e da sociedade - pois o indivíduo é construído por todos ao seu redor - é trazer a noção de que as coisas podem ser o que elas são de fato antes de ter suas imagens elaboradas em nossos pensamentos.

Parece bem interessante o filme, do ponto de vista de um indivíduo considerado inadequado para a sociedade... no mínimo uma abordagem inusitada, vou assistir.

Beijos!

Ycktus disse...

Sou professor de ciências/biologia e gosto de me identificar como um professor facilitador do conhecimento já que tenho uma extrema facilidade em abordar os assuntos em qualquer nível de dificuldade e por experiência posso te dizer que se não houver uma conexão - essa social ou por vontade do conhecimento ou fazer essa ligação com a contextualização no/do aluno; não há como fazer o aluno participante do processo de ensino/aprendizado. Sim ainda seremos frustrados longo quiçá médio prazo, mas descobriremos essa fórmula/solução.

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