Escrevi, na postagem anterior, que tenho problema com ignorantes. Ainda que seja verdade, essa é uma declaração que demanda mais pensamento crítico. O que significa ser ignorante? Dito de maneira bem simples, somos ignorantes quando não sabemos de algo. Saber, conhecimento, aprendizagem... como adquirimos um novo conhecimento?
Quem acompanha as ideias de Paulo Freire duvida de uma educação bancária, na qual um sujeito sabedor deposita conhecimentos na cabeça (supostamente vazia) dos alunos. Esse modelo de educação presume uma série de coisas bem importantes sobre o que é ser um professor, um adulto, um ser humano. Se seguirmos a noção de que um aluno ainda não está pronto, pois precisa da instrução de um professor, então trata-se de uma pessoa num estado de vir a ser. Teríamos na mão, portanto, o papel da escola: construir o caráter e o conhecimento desses sujeitos que, após terem vivenciado o processo, estarão prontos.
Qual é o problema dessa ideia? Em primeiro lugar, não sabemos exatamente prontos para o quê. Em segundo, estamos diminuindo as experiências de sujeitos que ainda não tenham alcançado esse estágio que é, como qualquer outra coisa dentro da esfera humana, construído culturalmente por intermédio da linguagem. Um adulto não existe senão por conta de uma linguagem que nomeia e cria essa categoria. Ao circunscrever uma determinada parcela de sujeitos (por conta da idade), uma série de suposições caminham juntas: ideias de maturidade, desejos de liberdade financeira, entre tantas outras coisas.
Quem não acredita nisso, como fica? Eu assumo que o conhecimento é construído na interação, ou seja, nossas vivências nos moldam de variadas maneiras. Isso implica em aceitar que nós nunca estaremos prontos, pois sempre estamos em processo (enquanto vivos). Como exemplo, gosto muito de uma cena da história em quadrinhos Sandman, de Neil Gaiman, em que Morte, a irmã do Sonho, captura a vida de um bebê. Espantado, o bebê a questiona: "mas já? Era só isso que eu tinha para viver?", ao que ela responde: "sim, o tempo de uma vida".
Eu não estou negando que biologicamente sujeitos de 20 anos sejam, em média, mais desenvolvidos em termos de ligações neurais e outras composições do nosso hardware do que crianças de onze anos. Da mesma forma, saber que um sujeito estará com um aparato intelectual melhor afiado dentro de oito anos não anula as experiências vividas na infância. Pelo contrário, muitas das nossas escolhas são informadas por esse aparato em construção/desenvolvimento e vão influenciar seriamente nosso futuro. Aliás, esse é o mesmo argumento utilizado tanto por quem deseja "proteger a inocência das crianças" quanto por quem acredita que deve informar e oferecer chances de aprendizagens na vida. Por onde eu coloquei as aspas já fica clara a minha posição, não é?
O que isso tudo tem a ver com ignorância?
Ora, se não entendemos o conhecimento como algo que pode ser conquistado, absorvido ou adquirido, então precisamos refletir sobre o que ele é. Eu entendo conhecimento como uma posição frente a algo, um significado que tiramos de algo em particular. Isso implica não apenas que essa posição pode mudar, e frequentemente o fará, mas também que duas pessoas diferentes provavelmente terão duas posições e farão dois significados distintos sobre uma mesma situação.
Portanto, ignorância não é ausência de conhecimento, mas sim um resultado da forma como conhecemos as coisas. Se eu penso que homossexuais são pecadores que vão arder no inferno e não merecem nem o mais básico dos direitos (viver), então eu provavelmente estou ignorando outros entendimentos sobre a mesma questão (o que são homossexuais e ao que eles têm direito?). Nossos conhecimentos são como respostas que damos às perguntas. Da mesma forma que nossas respostas na faculdade tendem a ser mais complexas do que as que oferecemos no colégio, é de se esperar que, conforme vivemos, ganhemos mais recursos para (re)pensar as mesmas questões e rever nossas posições.
Não é fácil duvidar de si mesmo. Não é simples detectar quais são as perguntas a partir das quais nos posicionamos e, muito menos, aceitar que podemos estar errados. Frequentemente estamos. Não acredito que haja alguma posição que não ignore a existência de pelo menos alguns sujeitos. E, para encerrar com a verdade, não sei nem se eu quero que exista.
Um comentário:
então somos todos ignorantes ao assumir uma posição? hmmm
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