Cada um de nós tem um corpo diferente, pratica atos de modos distintos, se relaciona afetivamente com outros sujeitos e objetos, deseja, sente, busca, vive eventos diversos. Corpos, práticas, afetos, desejos: tudo isso é sexualidade. Ainda assim, ainda que reconheçamos que estamos cercados por ela, nós a ignoramos. Falar sobre ela é tabu. Pensar a respeito, apenas para os íntimos, num ambiente privado, se possível em segredo. Corpos desejantes e práticas afetivas na escola? Isso é possível?
David de Michelangelo, ou um corpo exposto publicamente desde 1504. |
Sexualidade é cultural. Vou tentar traçar um paralelo, me valendo de um exemplo que li em um artigo de Gayle Rubin, entre sexualidade e culinária. A fome que sentimos é biológica, todos sabemos que o estômago ronca e a gente precisa saciar a tal da vontade. Ah, sexo é a mesma coisa. Sim. Contudo, a fome que sentimos não dita de que forma nós vamos saciá-la, e como bem sabemos existem culinárias para inúmeros gostos. Por que com sexualidade tem que ser diferente?
"Ah, eu escolho entre comida vegetariana ou um belo churrasco, então aquele viado pode virar homem de verdade". Aí começam a aparecer os problemas que caracterizam o campo da sexualidade e sugerem a necessidade de professores informados e interessados em estudar a respeito e construir posições seguras para que seus estudantes se desenvolvam sadiamente (e isso não inclui apenas prevenção). Uma coisa é gênero, outra é desejo. Como assim? Desde antes de nascermos, nossos pais já sabem nosso sexo, já compraram roupas pra gente, separaram brinquedos e começaram a fazer planos para o que seremos quando crescer. Se viemos ao mundo com um pinto, somos meninos. Se viemos ao mundo sem um pinto, somos meninas. Com isso, uma infinita série de expectativas começa a se desvelar: meninos devem ser fortes e líderes, meninas precisam ser carinhosas e cuidadosas. A forma como as expectativas em torno dos comportamentos de alguém são definidas por conta da pessoa ser de um determinado sexo é o que chamamos de gênero. Quando pensamos na mulher como objeto de desejo a ser veiculada em revistas e vendida para o consumo masculino, temos questões de gênero aparecendo. Aliás, é importante notar que não é qualquer mulher que pode estar na capa da Playboy, já nos ilustrando uma questão de corpo e de beleza, também construtos sociais historicamente elaborados.
Falar que algo é cultural e politicamente construído não significa que pode ser mudado facilmente. São anos, séculos, algumas vezes milênios de práticas sendo repetidas e naturalizadas, ou seja, consideradas tão normais que se tornam invisíveis. É o caso do desejo heterossexual, tão cotidianamente considerado normal que sequer é pensado. É o caso da opressão contra as mulheres. É também o caso de normas de beleza que ignoram outras pessoas. É o caso de preconceitos raciais.
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