Aconteceu durante um evento do programa de pós-graduação em Arte e Cultura Visual. Eu havia submetido um trabalho para apresentação e, selecionado, deveria apresentá-lo ontem. Perfeito, eu já tinha a apresentação ajeitada desde minha última participação em evento acadêmico, ano passado (em minha defesa, o público era completamente diferente, então ninguém foi obrigado a me assistir falando as mesmas coisas duas vezes). Até aí tudo bem, separei minhas coisas, levei o arquivo da minha apresentação na pendrive e no e-mail, cheguei lá e sem dificuldades instalei o arquivo para quando chegasse a minha vez. Quatro pessoas apresentariam na minha frente.
Antes da primeira apresentação começar, a sala foi enchendo. Fiquei maravilhado com a qualidade do público, mestres e doutores e pós-doutores, todos do mais alto gabarito. Um deles, em particular, acordou dentro de mim esse monstrinho feito de medo e inconsistência de raciocínio. Fim das três apresentações, discussões, intervalo. Todo mundo saiu da sala. Dentro de meia hora seria a minha vez. Quando voltamos da interrupção menos da metade das pessoas retornou. Aqui uma crítica, embora eu enxergue o sentido: os três primeiros apresentantes eram professores gabaritados de altas instituições, enquanto os três restantes eram um mestrando e dois recém-mestres. Tudo bem, tudo bem, ainda não temos esse prestígio todo.
Durante metade da apresentação, tudo bem. Sala com algumas pessoas, mas ninguém para me deixar particularmente nervoso. Até que ele voltou, trazendo consigo não apenas a presença, mas também os medos e assuntos não resolvidos. Por horas durante o intervalo de quinze minutos imaginei conversas e respostas e perguntas e até mesmo tiradas altamente intelectuais que pudessem acontecer entre nós, mas o que transcorreu entre nós foi o silêncio. Levantei, apresentei o meu trabalho, e não sei se por cortesia ou desinteresse, meu monstrinho partiu logo após a minha fala.
Anos atrás, quando eu praticava aikido, uma arte marcial que prima pela harmonia e pela defesa, não pelo ataque, conheci um praticante faixa preta que era extremamente agressivo, ao menos para os meus padrões de raposa delicada. Eu não gostava dele, mas ao mesmo tempo nutria certa admiração. Eu tinha medo dele, na verdade. Encontrá-lo no tatame e treinar com ele eram suplícios para mim e, abruptamente, se tornaram motivos para desistir da arte marcial que eu já treinava havia três anos. Pensar nele por muito tempo significou despertar raivas e frustrações. Raiva de alguém que é completamente diferente do que eu gostaria que fosse, frustração por ter sido desafiado além dos meus limites e obrigado a enxergar esses contornos mais do que bem definidos. Hoje tenho certeza que o que me ofendeu e fez fugir não foi a agressão – controlada –, mas a percepção do meu próprio limite.
Tudo isso voltou ontem ao cruzar com alguém que teve o mesmo efeito de admiração e medo. Por bastante tempo troquei a admiração por raiva como justificativa ideológica para tocar a vida sem me aperceber dos limites que foram expostos feito ferida aberta. Tudo isso passava pela minha cabeça ontem depois das apresentações, depois dos encontros forçados, porém não dialogados. Não havia muito o que dizer além de oi e tudo bem, nem para mim nem para ele. Ou eles, pois se deixarmos esses medos e desconfortos se multiplicam fácil.
Você não pode se livrar de seus medos, mas pode aprender a viver com eles. - Mais chá? |
A vida, porém, essa velha ousada, não ia me deixar em paz. Cruzamo-nos no banheiro, só eu e ele, na porta, de modo que precisamos parar frente um ao outro. Foi o suficiente para uma pergunta e para a minha tão alardeada inteligência fugir correndo para algum lugar inalcançável. Respondi qualquer besteira que minutos depois não fazia sentido nem mesmo para mim. Fui embora com o peso de um encontro marcado pela minha inabilidade de resolver meus próprios medos.
Se aprendi alguma coisa ontem, foi que enterrar medos não os resolve. Eles continuam lá esperando uma fresta pela qual possam passar. E passam, ah como passam.
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