domingo, abril 29, 2012

A verdade

A gente teima em acreditar que, por trás de tudo, há uma resposta. Uma só, única, verdadeira, solitária. Todo o resto é mentira, é erro, não pode fazer sentido. Com o tempo e a experiência, começamos a entender que existem sete bilhões de verdades, de pontos de vista, de entendimentos acerca do que se deve e do que não deve fazer sentido. Aí a gente percebe que, no fim das contas, nossas certezas são uma formiguinha no meio de uma floresta.

Para muitos talvez seja esquisito entender isso, mas as pessoas mudam. Algumas cansam de sentir, outras desejam não mais tolerar, outras ainda um dia resolvem que algo não lhes faz mais sentido. No meu caso, acordei para o fato de que não estava sendo sincero sequer comigo, ainda que meus motivos fossem minimamente altruístas. Cheguei à conclusão de que alimentar aos outros não é o suficiente se eu não estiver alimentado, e que sair do meu próprio caminho para dar as mãos a outras pessoas não é senão um erro caso eu não acredite estar fazendo a coisa certa. E eu não estava.

Eu sei que não há texto que eu possa escrever que venha a explicar isso, tornar claro o meu ponto de vista. Esse é o grande problema: quando não acreditamos que pode haver outro ponto de vista, que mais alguém além de nós pode estar certo, não há como compartilhar.


Por isso fui embora.

quinta-feira, abril 26, 2012

Tres mil millones de latidos - Jorge Drexler



Estoy aquí de paso,
Yo soy un pasajero,
No quiero llevarme nada,
Ni usar el mundo de cenicero.
Estoy aquí sin nombre,
Y sin saber mi paradero.
Me han dado alojamiento en el más antigüo
De los viveros.
Si quisiera regresar,
Ya no sabría hacia dónde,
Pregunto al jardinero,
Y el jardinero no me responde.
Hay gente que es de un lugar,
No es mi caso.
Yo estoy aquí, de paso.
El mar moverá la luna,
O la luna a las mareas.
Se nace lo que se es
O se será aquello lo que se crea.
Yo estoy aqui perplejo,
No soy mas que todo oídos
Me quedo con mucha suerte
Tres mil millones de mis latidos
Si quisiera regresar
Ya no sabría hacia cuándo
El mismo jardinero debe estarselo preguntando.
Hay gente que es de un lugar
No es mi caso.
Yo estoy aquí
Yo estoy aquí, de paso.
Yo estoy aquí, de paso.

A quem agradecer

Ontem escrevi os agradecimentos da minha dissertação. A lista é longa das pessoas que influenciaram minha vida e minhas emoções nesses dois últimos anos. Gente que me ensinou como ser e, também, o que evitar em termos de hábitos e pensamentos. Ainda assim, é difícil reduzir a algumas frases (ou páginas) o impacto que criaturas causam umas nas outras. A linguagem pode ser uma conquista fantástica, mas ela ainda encontra limitações que talvez nunca sejam superadas, tadinha.

Aí lembrei que queria fazer uma lista de arrependimentos, coisas que se eu pudesse, voltaria ao passado e alteraria. Não consegui, pois já há algum tempo eu decidi que não viveria baseado nas minhas decepções e sim nos momentos felizes que as experiências me proporcionassem. Algumas vezes é realmente difícil e tenho ganas de odiar, de querer mal, de me afastar. Por outras, tenho a ciência de reconhecer que as minhas decepções moldaram meu caráter e continuam me construindo. Aquele dia em que não impedi que meu amigo apanhasse? Aquela noite em que fiquei com medo de dizer sim à divertida proposta de uma menina? Aquele momento em que transformei uma experiência linda em um prêmio? Tudo isso eu ainda mudaria e gostaria de continuar aprendendo com essas coisas. A lista é maior, claro.

Entretanto, é a proposta que tenho me feito: aprender com meus erros e, também, com os acertos. Eu posso resmungar, me chatear, odiar o mundo e me fechar. É uma reação normal e que já experimentei inúmeras vezes. Ou eu posso me forçar a enfrentar o que sinto e, com isso, aprender o que e como eu quero sentir futuramente. Sempre recordo de uma frase que li por aí, que diz algo como "não podemos controlar o que sentimos, apenas o que fazemos com isso". Foi pensando nisso que eu decidi enterrar uma vida de ódios e irritações e abraçar uma de amizades e sorrisos. Para mim tem funcionado, e preciso certamente agradecer à vida por me proporcionar essa chance.

quarta-feira, abril 25, 2012

Meu livro de budismo

Comecei a ler por esses dias um livro para leigos sobre o budismo. Bem bom, super recomendável, uma leitura fácil e gostosa. A missão do budismo? Acabar com o sofrimento humano. A proposta? Fazê-lo através do desapego. Enquanto leio, percebo que os ideais budistas fazem muito mais sentido do que eu imaginava, pois eu vinha compreendendo a noção de desapego de forma literal demais. Em resumo, não se trata de se desprender de prazeres, felicidades e sentimentos, mas sim de não se deixar prender por eles, saber que toda tristeza e toda felicidade vai passar, pois a mudança é uma constante, quiçá a única.

quinta-feira, abril 19, 2012

Raposa gramatical

Eis que comprei uma gramática. Ainda não sei dela fazer uso, mas a levanto, folheio e leio, deliciado. Acabei de aprender sobre os casos da vírgula. Ela é assim, meio promíscua, se coloca em tudo quanto é lugar, menos quando alguém precisa explicar algo realmente importante. A explicação que não pode faltar é sem vírgulas. É chamada de restritiva, pois limita o sentido possível. A outra, aquela que usa vírgulas, que nem faz tanta falta, é explicativa e, por isso, está ali de passagem, entrecruzada por vírgulas que lhe tiram o poder.

Ai! Tantas delícias me esperam nas redescobertas dessa língua que tanto gosto. Será que finalmente me lembrarei com sorrisos daquela época acinzentada das aulas no fim de tarde? Ou a análise sintática continuará sendo uma canseira? Tantas respostas, tantas possibilidades!

quarta-feira, abril 18, 2012

Entendi o porquê

Entendi, finalmente, o que há nos teus olhos que me encanta e apaixona: o reflexo de mim mesmo, a possibilidade de ser eu mesmo contigo, de não me prender, de não me amarrar, de não precisar pensar duas vezes qual seria a frase que não provocaria uma discussão.Isso não é amor, mas é um baita caminho para que eu possa amar.

O desafio do eu

Conversando hoje com meu amigo, chegamos à conclusão de que o convite para sermos tantas coisas - amigo, filho, trabalhador, profissional, estudante etc - nos confunde e nos corta em pedaços cada dia mais difíceis de conciliar. E isso, junto com a necessidade que construímos (ou que é construída sobre nós) de sermos aceitos pelo olhar do outro, nos desarticula e perturba.

Temos uma sociedade que nos pede que não sejamos atores de todos os nossos desejos. Faz sentido. Aliás, talvez seja mais complicado que isso. Creio que somos requisitados a fazer o que quisermos, mas precisamos enfrentar também o fato de que aprendemos desde cedo que isso não é possível sem consequências (e o que é?) e que o mundo foi enquadrado em regras.

Há um jeito de sermos simplesmente nós mesmos? O tempo inteiro? Com nossos amigos, com nossos inimigos, com nossos amores, colegas, trabalhos? Não sei. Gostaria de tentar. Vamos?

terça-feira, abril 17, 2012

Dêem as mãos

Sabe do que eu lembrei hoje? Daquela noite em que eu quis estar do teu lado quando as pessoas deram as mãos para os seus amores. Uma daquelas memórias esquisitas que se infiltram no nosso jantar, entre uma pitada de sal e outra, e chacoalham aquilo que já deveria estar estável. Passado algum tempo, eu decidi acreditar que as coisas estão como deveriam ser, mas é meio desagradável que eu não sinta isso. Eu queria que elas fossem diferentes, que eu pudesse usar o telefone, que isso não fosse estranho.

Mas é estranho e só vai deixar de ser quando eu não tiver mais por quê ligar.

domingo, abril 15, 2012

Discordâncias

Quando a gente passa algum tempo na vida, começa a perceber que há algo de fundamental nas relações construídas entre seres humanos: o fato de que nem sempre as pessoas vão concordar. Não estou necessariamente falando de ódios e de brigas, mas de pontos de vista que, sendo opostos, desafiam as pessoas a encontrarem maneiras de interagir umas com as outras.

Hoje encaminhei para uma amiga um texto seu comentado. Gosto de pensar que já temos uma relação íntima o suficiente para me permitir ser direto e até mesmo incisivo nas recomendações e perguntas que fiz a ela ao longo da escrita, mas depois de enviar o texto de volta, fiquei pensando sobre isso. Será que eu não deveria respeitar o seu tempo e disposição, que talvez lidariam melhor com críticas mais amenas ou, no mínimo, menos diretivas? O que acontece se chegarmos ao ponto em que eu acredito que algo está ruim, errado ou questionável, mas ela não? Se em um certo momento esse tipo de discordância se colocar em nosso caminho como uma barreira intransponível?

Sei que parece tempestade em copo d'água, mas estou tentando ampliar a problemática. Já devo haver comentado antes sobre como pessoas divergem e, algumas vezes, essas divergências levam-nas a terem posições e direções completamente diferentes na vida. O melhor exemplo que posso trazer é o fato de eu já não me considerar um party animal, uma criatura que precisa festar incansavelmente. Programas mais caseiros têm me servido e acolhido muito bem, ainda que eu aceite uma boate aqui e outra ali para realimentar o ego e cansar as pernas na pista de dança. O que ocorre com uma amizade que foi embasada nessa experiência em comum, ou seja, nas festas compartilhadas? O que ocorre quando um dos amigos abandona essa posição, mas o outro permanece? Em um mundo ideal, o formoso sentimento de amizade e pertencimento não desapareceria e os amores seriam eternos. Na vida, podemos nos esforçar para encontrar pontes que ainda não tenham sido derrubadas, mas muitas delas serão pequenas e frágeis demais para sustentar uma relação, para alimentar um sentimento que exige chão firme e resistente.

Assistindo a Being Erica, vi um episódio em que a orientadora de mestrado dela questiona a razão dela haver escolhido o curso. Eu tenho essa resposta, assim como atualmente tenho respostas para tudo o que estou fazendo. É isso que me faz sentir bem, dormir direito à noite e sorrir nos momentos de tranquilidade. Quando penso nos meus amigos e nas pessoas que mantenho perto de mim, o que me conforta são as pontes que permanecem firmes enquanto eu, essa ilha ou navio, transito pelo oceano. A mudança é inevitável, e têm permanecido comigo aqueles e aquelas que também abraçam a transformação.

Talvez essa seja uma solução para as discordâncias: utilizar outras pontes para que o sentimentos possam continuar a irem e virem. A gente não precisa concordar em tudo. Por ora, basta saber que afetos podem ser transmitidos por outras pontes, mesmo que algumas caiam durante as constantes mudanças que as vidas causam. E quando todas as pontes caírem? Bem, então é hora de migrar e estabelecer novos portos.

Nudismo

Hoje de manhã eu saí do banho e me dei conta que meus vizinhos têm vista para o meu quarto. Como eu estava me secando, a toalha e eu dançávamos num movimento que, para qualquer que me ache atraente, pareceria atraente também. Desnecessário dizer que, de um fósforo, fiz um um incêndio. Dois dias atrás eu estava pensando sobre praias de nudismo e como eu realmente gostaria de ir numa, algo que até há alguns anos era simplesmente impensável. Somente depois de me tornar um ser sexual que eu comecei a quebrar o medo de que meu corpo fosse observado livremente por outras pessoas. Ainda não estou totalmente livre, mas é algo que tenho trabalhado mentalmente e, algumas vezes, colocado em prática. Na piscina, por exemplo, eu já não fico todo me escondendo atrás da toalha entre sair do vestiário e entrar na piscina. Ou entre tomar banho e me vestir na frente da janela.

Ou não vestir, porque enfim, eu estou em casa e faço dela minha pequena praia de nudismo.

sexta-feira, abril 13, 2012

O fim do luto

Tenho me comportado feito um zumbi desde que voltei dos Estados Unidos, com a incômoda sensação de que uma temporada havia terminado, mas que nenhuma outra começara. Agora algo mudou: com passagens compradas para Porto Alegre, meu espírito inundou-se de motivação e eu decidi acabar com essa palhaçada de ficar postergando as coisas que eu tenho que fazer e viver.

Eu experimentei, ano passado, viver como o canceriano, ignorando as pitadas de raposa que constroem o meu ser. Agora é hora de voltar à raposa!


segunda-feira, abril 09, 2012

Reencontro

Neste fim de semana reencontrei uma pessoa muito querida, que há alguns meses me acolheu em sua casa durante uma noite de necessidade. Ela esteve em Goiânia visitando nossas amizades em comum e eu, obviamente, não perdi a oportunidade de vê-la e abraçá-la. De alguma forma, conhecê-la foi uma espécie de preparação para a viagem que eu estava por fazer, pois me serviu para pensar nas maneiras como eu me comporto frente aos acontecimentos que a vida oferece.

Saímos juntos, nós e nossas amigas. Nos divertimos, rimos das pessoas, caçoamos de nós mesmos, bebemos coisas estranhas (tesão, diabo verde, sexo na praia, cozumel, caipirinha, cerveja, smirnoff ice) e dançamos com algum entusiasmo. Ao fim da noite, um sanduíche completou a aventura.

Ao fim da experiência, o ego aquecido e a sensação gostosa de saber que vale a pena estar aberto a fazer novas amizades.

quinta-feira, abril 05, 2012

A resposta certa

Revisitando algumas escolhas passadas, comecei a tentar localizar o que, exatamente, me motivou a sair de Porto Alegre rumo a Goiânia. Foi o medo de lidar com a vida gaúcha? Foi o desejo de respirar novos ares? A vontade de crescer intelectualmente? Profissionalmente? Estar cansado da rotina porto alegrense? Eu tenho uma boa resposta pra isso, mas ainda quero guardá-la por mais algumas linhas.

Hoje na empresa eu fiz um cálculo referente a um relatório que todos os funcionários preenchem. Cada um participa de uma etapa diferente, é claro, mas é a soma de todas elas que faz o produto ir para a frente. Realizando algumas operações, cheguei à conclusão de que cada etapa concluída - cada uma, em teoria, por um grupo de profissionais diferente - resultaria em aproximadamente 0,03% do objetivo concluído. Evidentemente, o fato de uma empresa ter um objetivo delineado e quantificado facilitou esse cálculo. Não seria possível dar a mesma resposta numérica a uma questão de ordem qualitativa, uma vez que valores e qualidades são difíceis de quantificar e justamente por isso têm sido considerados, ao menos em termos de pesquisa, distintos de categorias quantificáveis, estatísticas.

Enquanto eu pensava sobre esses números e apresentava à minha chefe o fato de que a produção geral da empresa estava girando em torno de 2% ao dia, bem como as variações que o crescimento desse número há de sofrer em função das operações qualitativas, dei-me conta do quão confortável eu me senti com essa quantificação palpável. Em termos estatísticos, a resposta está ali, clara e coerente. Se seguirmos na mesma taxa de produtividade, alcançamos a meta em 100% / 2% dias. A tendência é que a taxa diária sofra variações conforme as tarefas se alternem e os tipos de envolvimento profissional também. Tudo muito claro, tudo muito matemático.

Não há uma fórmula matemática que responda o porquê de eu haver saído de Porto Alegre. Da mesma forma, não existe uma quantificação possível entre medo, coragem, loucura etc. Eu senti que era isso que deveria fazer e julguei que o correto seria seguir meus sentimentos. Não foi fácil e continua não sendo, pois essa pequena decisão alterou fundamentalmente todos os processos da minha vida. Minha casa, minha família, meus amigos, as pessoas pelas quais eu poderia me apaixonar, tudo isso se transformou no instante em que eu tomei a decisão de sair de Porto Alegre.

A vida, como essa coisa louca que é, não me deixa saber se esse meu dia é 0,03% da minha vida, da minha felicidade, da minha sanidade, ou se mais ou se menos. Na vida e nas nossas escolhas qualitativas, a gente não enxerga o todo, portanto não pode se abstrair e decidir o que é mais coerente. A gente pode sentir, a gente pode calcular, a gente pode supor, mas termina por aí. Após dois anos, considerando o que eu vivi em Goiânia, eu suponho que estive certo: Porto Alegre dificilmente me ofereceria o mesmo tipo de experiências e, pelo menos hoje, isso é suficiente para que eu acredite que fiz a escolha certa.

Eu odeio ser repetitivo e algo óbvio, mas não há resposta certa.
Aliás, há: a que eu acabei de escrever. Fora isso, são apenas palavras, números, probabilidades.

quarta-feira, abril 04, 2012

A escolha certa

Acabei de pensar que queria ir embora de Goiânia. Assim, do nada. Vontade de conhecer o mundo? Desejo de comer a vida de colher grande?

Não.

Medo de lidar com o que eu preciso aprender. Apenas comecei a arranhar a mudança que provavelmente será a mais difícil que já iniciei e já me sinto desesperado com o peso dela. Basta mudar, sair, e tudo muda. A distância resolve qualquer problema, qualquer sentimento, qualquer medo. Se não der certo, muda de novo.

"A escolha certa nem sempre termina em final feliz".
Como eu odeio saber que isso é verdade.

segunda-feira, abril 02, 2012

Nadando na chuva

Só eu acho poética a ideia de voltar a nadar justo no dia em que está caindo o céu em Goiânia? O lado ruim de terem consertado a minha rua é que agora não posso mais fazer a piadinha de que estou treinando natação para que nos dias de chuva eu consiga atravessar a rua...

E eu queria tanto ir numa loja antes de nadar. Que sem graça, seu São Pedro, jogar água de ladinho assim numa hora dessas.

Cada lugar - Nenhum de Nós


Juro que estou tentando, falta só resolver uma pontinha que, infelizmente, está bem nas minhas mãos. A gente pode posar de maduro o quanto quiser, mas quando cruza com alguém na rua e o coração ainda bate mais forte mesmo depois de tanto tempo, bem, isso diz muito, né? Acho que isso explica muito das minhas escolhas por sujeitos e situações em que eu geralmente sou o mais maduro envolvido, ou no mínimo que eu estou no controle das regras.

Eu queria dizer que é culpa tua, que é tudo culpa tua, que eu fiz as escolhas que fiz porque estava triste. É verdade, eu estava, muitas vezes ainda me encontro e depois te encontro e descubro que minhas razões estão corretas. Ainda assim, eu que procurei um lado mais fácil, não tu. Tu fez o certo. Eu, pra variar, não.

Desculpa, mas preciso te enterrar.
Eu quero meu coração de volta.

domingo, abril 01, 2012

Democracia, o interesse da maioria

Eu recebo por e-mail atualizações do Google sobre algumas palavras-chave que entram em seus sistemas todas as semanas. Uma delas é sexualidade, o que me levou a uma notícia sobre um novo curso de extensão patrocinado pelo Ministério da Educação. Como eu mesmo ministro cursos de extensão sobre o tema, sempre leio a respeito de outras iniciativas para comparar ideias, métodos e possibilidades de aplicação. Ainda quero acreditar que a educação é um caminho de mudanças possíveis. Até que li os comentários. Vou escolher um ou outro e comentar algumas coisas por aqui, como um exercício de reflexão...
Não tem nada melhor pra fazer com o dinheiro público? Que tal mais estrutura nas escolas públicas? Ou que tal intruir os 'homos' a não provocarem a sociedade com atitudes desrespeitosas, além de não se comportarem como hetrofóbicos?
Tenho que concordar que, em uma sociedade ideal, as pessoas não precisariam de cursos de formação voltados ao respeito às diferenças. Nesta mesma sociedade, porém, jovens não cometeriam suicídio por terem suas compreensões de vida proibidas ou provocadas e condenadas como imorais e errôneas. Ainda nesse nosso mundo utópico, as escolas seriam espaços de reflexão e aprendizagem, ao invés de campos de transformação de crianças em adultos enlatados.

Além disso, o que, exatamente, significa "não provocar a sociedade"? Essa frase dá a entender que existe uma única sociedade, ou um tipo de conceito em particular que é o correto, talvez alguma virtude universal ou um modelo de civilização que responda às necessidades humanas mais elevadas. Bem, na última vez que fui procurar, de fato existia, mas quem corresponde a ela não somos nós, provincianos brasileiros, mas sim os brancos europeus de classe média heterossexuais monogâmicos cristãos. Desde que voltei dos Estados Unidos, passei a encarar minha própria arrogância com alguma desconfiança. Não, eu não acho eles melhores do que nós, tampouco me acho melhor do que algum outro país. A questão aqui é que no geral o Brasil não existe para os estadunidenses, e quando existe a noção é floresta e índio. Não preciso nem citar outros países que nós consideramos inferiores, né?
Só pra ilustrar, no domingo à noite pelas 20h vi duas meninas se agarrando e se beijando, sentadas EM FRENTE à uma igreja. Não sou religioso, mas pra quem é, isso só pode ser uma atitude provocativa. Isso não é respeito, o que eles tanto querem. Se quiserem ser respeitados, respeitem primeiro.
Aí um beijo vira desrespeito. "Isso não é respeito, o que eles tanto querem". Eles. Nós. Acho que já escrevi anteriormente sobre isso. Rá, escrevi mesmo: aqui sobre pensamento crítico e aqui sobre ignorância. Resumindo, quando separamos nós e eles, o nós vira o modelo de correção e o eles se torna o exemplo daquilo que está errado. Só para manter o exemplo anterior, há uns 500 anos atrás, nós éramos os eles da Europa. Para quem ainda não entendeu o recado, ainda somos.

E o tal do respeito, como fica? O que é respeitar uma igreja? Se fosse um casal heterossexual (sim, eu sei, é uma pergunta batida, mas ela precisa ser feita), seria um desrespeito ou uma demonstração de afeto e carinho frente à instituição da monogamia e do amor? Na relação entre público e privado, o que entendemos como normal é que tem direito de estar em público. Homem e mulher, dois filhos, um cachorro. O casal de lésbicas com uma gata em casa não pode. Aliás, pode, desde que "fiquem na delas" e respeitem quem não quer olhar.
Agora é moda ser colorido...por isso os ânimos exaltados de alguns quando falam qualquer coisa contra o movimento do arco-íris. É bom lembrar que é ano de eleição, e os coloridos tb votam...além de proporcionar uma excelente propaganda para políticos inescrupulosos e hipócritas demagogos.
Um dos discursos percebidos na minha dissertação de mestrado diz respeito ao paradoxo visibilidade x tabu que a sexualidade enfrenta. Atualmente, as informações circulam com facilidade e as pessoas conseguem se conectar em lugares e tempos distantes de maneiras que não poderiam há vinte anos atrás. A tecnologia nos permite localizar e alcançar sujeitos com os quais compartilhamos características de uma forma que nos seria muito mais difícil em outras épocas. Essa crescente visibilidade (que também não é recente, mas vem sempre com um gostinho de "ah, isso é novo") assusta e dá a entender que agora virou moda "ser colorido".
Antes de tudo, sou contra qualquer discriminação e a favor da diversidade, desde que seja construtiva. Mas a discussão nos comentários é injusta. Homossexuais não sofrem mais do que pobres, negros, índios e pessoas com necessidades especias. E mais, eles tem opções...os outros não. O que parece que existe atualmente é uma tendência de querer impor seu modo de vida sem se importar com o restante da população. Acho isso errado. 
Existe um tipo de discriminação que é tiro e queda: a invisível. A gente acredita tão firmemente que não tem preconceitos que, veja só, chegamos até a acreditar. Se não estivermos abertos a rever nossas próprias posições, a probabilidade é de estarmos ignorando e excluindo uma quantidade incrível de vivências e experiências que sequer consideramos. E, como acontece com tudo o que a gente não sabe, a gente não sente que não sabe, ou que sabe de outra forma.

"Homossexuais não sofrem mais do que pobres, negros, índios e pessoas com necessidades especiais". Essa é um pouco delicada de responder. Acho que um bom ponto para começar é: esses grupos são homogêneos? Dá pra dizer que todo pobre tem as mesmas experiências? Todo negro? Todo viado? Todo deficiente? Ou será que esse é um erro lógico?

"E mais, eles têm opções... os outros não". Não sei de que opções estamos falando. Quando um bando de machista me cerca e me espanca com uma lâmpada, ou interfere no meu relacionamento, ou me cerca e bate de novo, que opções eu tenho? Quando eu não posso falar sobre meu fim de semana com meu namorado na escola em que eu ensino, pois homossexualidade "é um tema particular", mas meus colegas heterossexuais falam do passeio com as esposas, que opções eu tenho frente a esse silenciamento? Eu não quero comparar as opressões sofridas por homossexuais e as enfrentadas por negros, pobres, deficientes etc., até porque não as considero necessariamente separadas.

Aí entra a minha parte favorita da resposta, motivo do título desse texto: "o que parece que existe atualmente é uma tendência de querer impor seu modo de vida sem se importar com o restante da população". Meu querido, tentarei ser o mais direto possível: isso não é atual, é algo que a gente chama de heterossexualidade compulsória, ou presunção de heterossexualidade, ou ainda heteronormatividade. É o que acontece quando a gente equivale a ideia de normalidade com a de ser atraído pelo outro sexo. É o que acontece quando tu pode casar, mas eu (o restante da população) não. É o que acontece quando a tua igreja considera desrespeito que eu beije meu namorado na frente dela, mas a minha não. É o que acontece quando eu não acho legal que tu venha me bater só porque, sei lá, tu está de saco cheio da vida e não tem nada melhor pra fazer com os teus dias. É o que acontece quando crianças são levadas para acampamentos para terem seus comportamentos adequados à "norma".

A maior sacanagem política que existe é dizer que democracia é o melhor jeito de tratar a vida social, quando na verdade ela responde à maioria e atropela as minorias.

Swedish Hearts - The Acid House Kings


Ao longo dos anos eu me agarro em algumas músicas que, ao meu ver, explicam ou ilustram meu jeitinho de viver. Essa é uma das que eu mais retorno, pois sempre acabo me convencendo de que as suas palavras são pertinentes a como eu ajo e como eu penso.

Don't be fooled by looks,
I'm not that sweet
Behind manners and smiles,
intentions are all the worst kind

Don't be fooled by dreams,
I'm not that sweet
I got habits and needs,

Dont give me time
Love pass me by
The feeling I can't relate 'til I want to hate you

Don't mind if I be unkind
You should know by now
I want to be on my own

Every second around here
That's when you throw your life away
I'm not kidding when I say
You got to leave this someday 

Eu gosto de pensar em mim mesmo como malvadinho. Ajuda a justificar algumas escolhas. Eu também frequentemente me imagino um bom samaritano, aquele que sai do próprio caminho para ajudar. Eu não tenho que ser um ou outro, que a situação vai construir como as pessoas vão me ler e isso é a única coisa que há. Ainda assim, a vontade de ser um só é sempre tão forte nesse nosso mundinho que pede que não mudemos e que sejamos indivíduos, impossíveis de dividir. Como a gente faz pra decidir quem a gente é?

Pra que servem os amigos?

Acabei de receber um puxão de orelhas de dois amigos. Nossas relações começaram no mestrado, em que nos aproximamos e reunimos para resolver pendengas que tínhamos em comum. Formamos um grupo de estudos, bebemos juntos diversas noites e chorávamos nossas mágoas nos ombros uns dos outros. Então hoje vieram pegar um livro emprestado e me repreenderam pela minha apatia frente à dissertação. "Termina logo", disseram, "eu dou uma lida nas partes que estão sendo mais complicadas". Acho que é o que eu estava precisando ouvir para continuar meu trabalho.

Os amigos que eu fiz fora do mestrado não discutem comigo teorias acadêmicas; quando o fazem, são teorias que geralmente não estão conectadas com o meu trabalho. Com esse grupo, porém, posso falar do que faço, do que passo tantas horas pensando etc. Nós compartilhamos um tipo de angústia e paixão que outras pessoas ao meu redor (ainda) não compreendem. Mais importante de tudo: nós nos empurramos para frente, estimulamos a continuar, acendemos luzes em lugares escuros.

Penso que, dentre tantas outras funções, as amizades devem servir para nos dar força. Não sei se alguma relação entre amigos pode funcionar sem esse "empurrar", sem essa energia compartilhada que dá vontade de viver. Será que existe alguém que poderia afirmar que é feliz ao prescindir de amigos?
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