Há alguns meses uma amiga estava me ensinando a desfiar um frango. Ela falou algo sobre deixá-lo mergulhado na água fervendo e depois tirá-lo e desfiá-lo com a ajuda de um garfo. O que ela não esperava era a minha pergunta: eu espero a água secar?
Pausa para explicar o processo todo: a água esquenta com o frango dentro e transfere calor pra ele. Esse calor vai deixando ele mais solto e, é óbvio, quente. Conforme a água vai secando, o frango vai absorvendo mais calor diretamente da panela e logo começa a queimar. Sem água, o frango absorve todo o calor e o resultado é uma panela preta e um frango intragável.
Outra pausa, agora para explicar o que eu estou acostumado a cozinhar. Depois de dourar alguns temperos (cebola, alho etc.) no óleo por uns segundos, coloco uma carne ainda crua no fogo e mexo um pouquinho. Sem demora a carne solta água, eu baixo o fogo e espero até que a água seque para a carne efetivamente pegar gosto e ficar pronta. Depois que a água secou, mexo aqui e ali e ela geralmente está no ponto desejado, macia e saborosa.
De volta ao frango.
O que deveria ter passado pela minha cabeça: que o frango ficaria esturricado sem água. Eu saberia disso se tivesse mentalmente avaliado todo o processo, mas não. Nosso cérebro trabalha com hábitos de pensamento, então uma resposta que se provou funcional no passado será repetida no futuro. Se para fazer carne eu sempre preciso esperar a água secar, eu nem por um segundo pensei que com o frango seria diferente.
Isso, meus leitores, é a base do preconceito. Nós estamos tão acostumados a ver/fazer carne em tudo, que quando a vida nos oferece algo diferente nós aplicamos a mesma ideia (e ela não funciona ou tem resultados desastrosos). Vamos pensar por um segundo que a carne é um relacionamento heterossexual e o frango, homossexual. Acostumados com uma sociedade que só enxerga e pensa a partir de relações entre pessoas de sexo diferente, eu vou lá e ensino o meu filho a deixar a água secar, a ir atrás de mulheres, a agir como machinho (o que não existe, já sabemos) etc., tudo isso sem perceber que, como frango, ele precisa se envolver em outros processos de cozimento que são diferentes entre si. Isso tudo pensando apenas em carne e frango.
E se eu acrescentar peixes, saladas e outras infinitas possibilidades de alimentos? Cada uma delas tem as suas regras e os seus funcionamentos. Tratá-las todas como carne só porque estamos habituados a isso não vai produzir alimentos muito saborosos... tampouco uma vivência muito nutritiva.
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