terça-feira, agosto 20, 2013

Teoria queer (parte 2)

Essa é a segunda parte da série de três textos sobre a teoria queer. O primeiro pode ser encontrado aqui e o terceiro será lançado amanhã. Não é minha intenção esgotar (seria pretensioso demais!) a teoria queer, mas sim apresentar alguns pontos introdutórios para quem se interessar.

Um sujeito nasce já inserido numa trama de expectativas e normatizações que estabelecerão um campo de confronto entre ser normal ou desviante em uma infinidade de critérios, e creio que é menos importante saber a origem de seus desejos do que pensar a respeito dos efeitos que eles têm sobre essa trama e, principalmente, dos esforços engendrados para conter esse alegado desvio; não podemos esquecer que a própria existência do desvio permite perceber que os fios dessa trama não só são instáveis, como também são impostos e insuficientes.

Como um professor que trata sobre (homo)sexualidades, tenho enfrentado o desafio constante de projetar propostas de ensino e ambientes de aprendizagem que sejam ao mesmo tempo eficazes no objetivo de compartilhar saberes e amplos o bastante para que não se reduzam a um ponto de vista particular e reducionista. Não posso ignorar, contudo, que essa é uma escolha que já exclui temas e interpretações que poderiam ser abordados em cursos cujos fins fossem outros e que minha afiliação à cultura visual e teoria queer me coloca em uma posição diferente do que a assumida por sujeitos que não compartilham desses embasamentos. É particularmente difícil não considerar outras posturas equivocadas ou incorretas, mas se trata de um desafio que acredito ser fundamental para o tipo de educação que antevejo, ou seja, uma forma de aprendizagem que não se aceite opressiva e que se permita duvidar de si própria ou ouvir a vozes que anunciem posições diferentes.

Uma das abordagens mais comuns que tenho observado no tratamento da homossexualidade em contextos escolares é a tentativa de incluir esses sujeitos e suas práticas no círculo da normalidade. A busca por inclusão reitera uma noção que deve ser analisada mais detidamente: a da aceitação do diferente. Essa postura relaciona-se com a ideia de uma generosidade por parte dos normais, que estão se predispondo a permitir que os anormais tenham espaço legitimado, assim como com a crença de que o grupo excluído necessita de maior autoestima, podendo buscar aumentá-la através de representações positivas de sua existência (BRITZMAN, 1995). Britzman questiona, ainda, a validade de uma política de tolerância, marcada pela apresentação e representação das minorias, que em teoria seria legitimada pela ideia de que as pessoas se identificariam com os modelos propostos. Não somente, essa perspectiva alimenta a noção de que os sujeitos normalizados reconheceriam as diferenças e as aceitariam: “mas como, exatamente, deve acontecer a identificação com um outro se somos requeridos apenas a tolerar e, portanto, confirmar nós mesmos como generosos?” (BRITZMAN, 1995, p. 159). A postura de enxergar o outro como um inferior que precisa de ajuda pode, portanto, encaminhar as tentativas de inclusão para um mero emparelhamento com as representações de heterossexuais.


Se a homossexualidade é compreendida como um desvio em relação à norma da heterossexualidade, então a representação positiva dessa identidade estaria na repressão de características que pudessem se configurar como destoantes da expectativa de um comportamento considerado adequado. Isso inclui relações não monogâmicas, práticas sexuais como submissão e sadomasoquismo, seguindo o axioma da hierarquização discutido por Rubin (1993b) e apresentando um limite bastante claro à noção de tolerância: ela pode existir, contanto que seja apenas até certo ponto. Só ganham acesso à inclusão aqueles que se assemelham com a norma heterossexual monogâmica, o que justifica as lutas que atualmente ocorrem em torno da legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mas também explica o silêncio que existe em torno de sujeitos transexuais e a conivência pública com violências físicas e morais contra indivíduos cujas ações dificultam que sejam imediatamente posicionados em algum critério inteligível e comparável à norma. “Seja gay, mas não pareça uma mulherzinha” e “Não tenho problema com homossexuais, contanto que não deem em cima de mim” são declarações que exemplificam essa postura de inclusão limitada.

Ao indicar tais contradições que resultam da ideia de inclusão, não estou posicionando-me contra iniciativas que tenham esse objetivo. Representações positivas de sujeitos marginalizados são bem-vindas, pois os inserem em espaços que usualmente não ocupam ou não são vistos ocupando. Porém, creio com Silva (2000) que “antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença, é preciso explicar como ela é ativamente produzida” (p. 100). Entender como são produzidas as diferenças que dão contorno para as identidades e em que medida elas são estabelecidas ou alteradas discursivamente é uma preocupação que deve ser levada em conta. Contudo, não se pode esquecer o papel dos indivíduos que negociam com essas instituições e também com os demais sujeitos articulando suas próprias experiências com os enquadramentos sugeridos, requisitados ou impostos. Essas relações envolvem o modo como se percebem e identificam, mas também como são identificados e o que, no trânsito entre esses muitos entendimentos, resulta na forma de ação.

Na terceira parte desta série tratarei de alguns técnicas sugeridas por Deborah Britzman para uma abordagem queer.

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