Darei um exemplo a fim de iluminar a questão. Hoje estava eu em casa e resolvi colocar roupa na máquina de lavar. Coloquei, liguei e ela ficou lá fazendo seus barulhos irritantes. Eu, obviamente, fui tratar de outros afazeres e, por isso, desliguei da minha atenção aquele ruído que nunca parava. Até que veio o silêncio, que alívio! Somente horas mais tarde me dei conta de que havia algo de errado. No caso, o silêncio, pois a casa deveria estar repleta de barulhos.
Contudo, eu só pude estranhar o silêncio porque sabia que houve ou deveria estar havendo ruído. Essa é a grande questão do conhecimento: a gente só percebe o que conhece, o que sabe que está ou pode estar lá.
Achei essa imagem no http://www.apseudociencia.com/2011/03/vamos-falar-de-coisa-seria.html |
Vou tentar outro exemplo, também da minha própria experiência. Recentemente fui assistir à defesa de mestrado de uma amiga na antropologia. Ela escreveu o texto no feminino e utiliza "escurecer" ao invés de "esclarecer", duas decisões linguísticas de ordem política. Em resumo, a língua é construída historicamente e carrega preconceitos e relações de poder, transparecendo e reforçando preconceitos. É o caso, por exemplo, da língua ser manifestamente machista, uma vez que um grupo composto por oito mulheres e um homem ainda deverá ser chamado de ELES, não de ELAS. A presença de um pênis é suficiente para anular invisibilizar qualquer feminino.
Depois da defesa da minha amiga, saí conversando com outros amigos justamente sobre esses usos políticos da linguagem e, em particular, os dois exemplos que citei. Disse que concordava com o uso do "elas" para grupos majoritariamente compostos por mulheres, mas que não via sentido para o uso de "escurecer" no lugar de "esclarecer". Nesse momento, meu amigo lançou a pergunta: não seria possível que eu não concordasse com o "escurecer" por falta de embasamento teórico? A razão pela qual eu consigo compreender e concordar com a troca do masculino pelo feminino é, justamente, eu saber das pressões e conflitos existentes nesse campo. Será que, por eu não ter interesse em estudar questões relacionadas a racismo, isso impacta negativamente na forma como eu enxergo movimentos sociais étnicos?
Aí, buscando imagens para essa postagem, cruzo com essa e, por curiosidade, resolvo olhar o site de onde ela veio.
Imagem encontrada em: http://materdei1.blogspot.com.br/2012/09/memes-catolicos-contra-revolucao-2-parte.html |
Confesso que me sinto enojado de colocar essa imagem na Raposa Antropomórfica. O mundo é o que a gente acredita que ele seja. Se a pessoa que fez essa imagem e que a compartilha defende que não é homofóbica, apenas não concorda com essa "baixaria", isso diz muito de como ela pode se relacionar com sujeitos que estejam envolvidos com essa "baixaria". Diz muito, também, sobre o quanto essas pessoas estão abertas ao diálogo, a ouvir e, principalmente, a considerar o outro como um ser humano.
Aí a pessoa diz que não é homofóbica. Claro, a gente sabe que essa é uma palavra pesada e que não é legal estar associado a ela. Contudo, a pessoa diz ter vergonha na cara - os viado não têm - e não concordar com "essa baixaria". Até que me provem o contrário, "essa baixaria" da foto é um bando de gente caminhando por uma avenida, dançando com músicas animadas e pedindo reconhecimento social. Se a ideia era reclamar de outras coisas - das quais estou ciente porque estudo -, então faltou apontá-las.
Isso me preocupa. Existem inúmeras coisas que eu não sei, mas que mesmo assim configuram a forma que eu me relaciono com o mundo. Aquilo que eu enxergo depende daquilo que eu sei, daquilo que eu acredito que é certo. Posso ver uma marcha de orgulho ou uma baixaria. A conclusão óbvia é que não importa o que realmente está ali, importa a maneira como o que está ali será interpretado. O que eu posso fazer sobre isso? Não sei. Quero ser o cara aberto e legal e dizer "vamos ouvir os outros", mas não quero ouvir quem venha me falar de violência e preconceito. Também não quero ouvir quem se dispõe a atacar, muito mais do que defender. Isso tudo muda o meu mundo, muda o que eu percebo, o que eu sei que está certo e o que eu sei que está errado. Mais que tudo, eu sei que saber não significa nada. Saber é acreditar.
No fim das contas, é só isso: saber é acreditar. Se eu sei que algo está faltando, é porque eu acredito que algo deveria estar ali. Seja o barulho de uma máquina de lavar, seja respeito às mulheres. O que me incomoda é que eu estava pronto para recusar o "escurecer" sem qualquer reflexão mais aprofundada simplesmente por achar que não está certo e ponto. Sem pensar sobre. Sem discutir. Sem nada.
Simplesmente por acreditar que a forma que eu entendo o mundo é a forma correta de se entender o mundo. Não é muita arrogância? Já falei disso por aqui antes, quando discuti o que é etnocentrismo. Não acho que tenha sido suficiente. A gente pensar uma vez na diversidade não nos torna defensores dela. O tal do pensamento crítico não é algo que se tem ou não, é algo que se pratica, que se vive. Aliás, me parece que é algo que devemos aprender o quanto antes: não somos, estamos.
Como, então, a gente sabe quando não sabe de algo?
Não sabe.
O que posso recomendar, no fim das contas, é que estejamos abertos a ouvir e a perceber coisas que até então não sabíamos que estavam lá. Se vamos concordar ou não, acreditar junto ou desacreditar, isso é o de menos. Ouvir, estar aberto a ser tocado, sentir-se humilde o bastante para não ser aquele que tem o domínio da verdade, esse sim é um exercício difícil, mas necessário para um mundo mais justo. A parte triste disso tudo é que as palavras desse blog só farão sentido para alguém que esteja disposto a ir atrás de um mundo mais justo.
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