Medusa, por Caravaggio. |
Não foi qualquer olhar o que me chamou a atenção. Foi de um grupo de homens que, presumo, são heterossexuais. Também acho que são uns idiotas, mas escrever isso talvez diminua a minha reflexão. O incômodo não surgiu apenas por termos sido olhados, meu namorado e eu, mas pelas risadas e apontadas de cabeça que ocorreram como reação à nossa passagem. Para o trio de caras encorpados, nós éramos motivo de piada.
Qual a graça? Não sei, na verdade. Entendo aqui o riso como um exercício de poder. Ele riram porque podiam rir, da mesma forma que eu e meu namorado olhamos para o chão e apertamos o passo. Se eles decidissem, poderiam facilmente nos esmagar. Não, sério, eram grandes mesmo. De onde vem esse poder? Não é só da força física, mas também do poder cultural investido neles pela normalidade. Eles são normais, são heterossexuais em uma sociedade que reconhece viadinhos como algo à parte.
Quando eles riram, todos que viram isso entenderam do quê estavam rindo. Um casal de rapazes passando de mãos dadas é algo risível. Se eu risse deles, por outro lado, ninguém entenderia. Não é inteligível rir de um grupo de caras heterossexuais/machos comendo seu sanduíche, enquanto é perfeitamente aceitável rir do casalzinho gay que vem passando. Por quê, eu pergunto?
Esse texto possui uma continuação: O olhar heterossexual 2.
Esse texto possui uma continuação: O olhar heterossexual 2.
8 comentários:
Ahh, o olhar heterossexual... qual casal gay nunca passou por isso, né?? Aqui em BH, onde eu moro, é incomum ser tão olhado e ridicularizado assim. Incomum, porém não impossível, lógico. Mas gays e lésbicas aqui não são "guetizados", estamos em todos os ambientes, em todos os bairros, e com uma liberdade que, incrivelmente, nunca vi em outra cidade no Brasil. Então eu e minha esposa andamos relativamente à vontade aqui, assim como outros casais também. Beijos, afagos, andar de mãos dadas ou abraçad@s é relativamente comum.
Porém, quando saímos daqui, é que percebemos as situações inusitadas. Esquecemos que estamos em um lugar diferente e agimos igual, óbvio, pela força do hábito e por querermos agir assim. No RJ, onde fomos passear ano passado, não escapamos dos olhares em lugar nenhum. Risadinhas, não ouvimos nem presenciamos. Mas olhares questionadores, inquisidores, aos montes. Achei incrível e fique muito (mal) impressionada com o moralismo do carioca, o povo que sai nu e vestido de mulher no carnaval. Mas um amigo gay de lá me explicou que lá nós temos nossos espaços... Ou seja, não podemos ocupar todos. Triste isso.
Triste por vc e seu namorado tb, que mereciam poder lanchar em paz, sem olhares, risadas ou o medo do pior.
Bah, essa coisa do "temos nossos espaços, não podemos ocupar todos" é realmente muito triste. Eu costumo considerar Goiânia uma cidade bem evoluída nesse sentido, mas parte disso vem de eu circular só nos ambientes acadêmicos, mais culturais ou mais "amigosos" (casas de amigos hehe). Vez ou outra, porém, eu sou lembrado como as coisas "no mundo real" funcionam e isso me deixa ao mesmo tempo triste e indignado.
Será BH uma opção mais feliz? =)
Pelo menos ninguém jogou pedras em vocês...
Se BH é mais feliz eu não sei. Mas que é mais perto, ah isso eu te garanto!
Estamos à passos curtos no que se diz respeito a tolerância - sim pois ainda será necessário os passos mais primitivos antes de um respeito/compreensão de fato;
Olha, de todos os lugares que já conheci (e conheço 7 capitais, mas não conheço Goiânia) é onde me sinto mais à vontade em ser eu mesma. :) Isso não quer dizer que aqui não há homofobia, há, e muita! Mas acho que há uma tolerância maior, não sei... Não sei se é respeito ou só um "não me importo com você". Mas me sinto bem aqui, e isso que importa. :)
Olha, até agora o lugar que me senti mais seguro, pensando em capitais, foi o Rio Turístico. Aquela parte da praia, sol, mar e gente de sunga. Depois disso, foi aqui em Goiânia. São Paulo não conta porque eu estava lá durante a Parada Gay.
Bem, de toda forma, BH agora está na minha lista de lugares a visitar! ^^
Acabei de compartilhar o link do raposa com uma colega, e tantantan... "Ele é gay?!" foi a primeira pergunta dela depois de ter dado uma olhada. Assim, não entendi a pergunta, sério. Prova disso foi minha resposta: "Sim, por quê? Ele é gay, eu sou bi, você é hétero. Que que tem?" Infelizmente ainda é assim, ser hétero foi naturalizado.
As pessoas gostam de (tentar) entender as outras com o mínimo de informação possível. Ela provavelmente supõe uma série de informações sobre mim simplesmente pela parte do "gay".
Infelizmente foi naturalizado [2].
Postar um comentário