domingo, setembro 29, 2013

Sobre ter coragem, parte 2

Quando escrevi sobre ter coragem para enfrentar o mundo, esqueci de mencionar uma coisa muito importante. Eu acho sim que muita gente nasce com uma espécie de dom para tomar as rédeas de vida e sair galopando, enquanto outras se encolhem para não serem pisoteadas. Contudo, não somos feitos somente do que vem de fábrica: aprendemos muito pelo caminho.


No começo desse caminho temos pelo menos duas instituições importantíssimas: a família e a escola. Isso para nem entrarmos na discussão sobre igrejas, mídia, vizinhos etc.

Lembro que, quando criança, aprendi muito sobre como eu não deveria ser, as coisas que deveria não fazer. Vou aqui citar o Mario Quintana, li hoje uma entrevista dele que fala por mim:
Como eu era o caçula, todos me observavam, me aconselhavam, me dirigiam. Havia um mundaréu de coisas que não se podia dizer, que não se podia fazer.
Parece que meu irmão foi o teste enquanto a minha vida era pra valer: todos os equívocos e medos surgidos pela existência dele foram repensados e reorganizados para que eu não repetisse qualquer ponta de decepção. Aprendi criança que não poderia falar alto, chamar atenção, fazer traquinagens nem nada. Sempre fui muito consciente dos limites e muito hábil a colocá-los na vida real, deixando apenas à imaginação a louca tarefa de se transgredir.

Já no colégio, provavelmente por esse silêncio que aprendi a cultivar frente a autoridades, fui vítima fácil de bullying. Eu era pequeno, meiguinho e frágil, uma combinação perfeita para aqueles que não tinham tantas reservas em torturar as existências alheias. Se a escola é o espaço de treinamento para a vida em sociedade, estava muito claro desde o início que o meu papel era o de baixar a cabeça e sofrer calado.

Aos poucos, porém, a gente vai aprendendo. É nesse lento aprender que tenho procurado caminhos que sejam meus no processo de ser quem sou. Conforme "me assumo", vou tomando coragem de manter esses espaços e essas experiências. Sou raposa, gay, escritor, amigo, professor, namorado. Hoje só consigo me posicionar em cada um desses nomes porque sei que eles não são o suficiente para me resumir, algo que eu gostaria de ter aprendido ainda criança.

É muito por isso que ensino e escrevo: para que talvez as palavras que sopro cheguem ao ouvido de alguém e façam a diferença que um dia fizeram por mim. "É possível".

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