terça-feira, fevereiro 28, 2012

Your protector - Fleet Foxes


Conheci a banda por causa do nome, confesso. Mais ou menos a mesma coisa que aconteceu com o Firefox, que comecei a usar com o melhor argumento já usado para me convencer a usar algo: "tem raposa no nome, Tales, é a tua cara". Essa música tem me inspirado nos últimos dias, dando um ar de épico para os meus dias. Nesse período de dúvidas e questionamentos, uma canção para embalar o coração é sempre bem-vinda.

Caminhos e paragens

A gente nunca sabe o que vai acontecer se decidirmos parar, se resistirmos a mudanças ou se as abraçarmos. É bem verdade que podemos arriscar algumas previsões e também que em vários casos estaremos corretos em relação a elas. À medida em que a gente vai vivendo no mundo, em teoria também vamos aprendendo a lidar com ele e sua complexidade, levando cada vez mais elementos em consideração na busca pelos nossos objetivos de vida.

Eu fiz essa escolha quando saí de Porto Alegre. Algumas pessoas podem pensar que desisti da minha vida anterior, que abandonei pessoas queridas em busca de algum senso de egoísmo. Talvez a parte do egoísmo seja bem verdade, já que partir significa, antes de qualquer outra coisa, privar a si mesmo e aos outros de um tipo de experiência que até então era cotidiana. Meus amigos perderam a oportunidade de cruzar comigo no ônibus, de dançar em festas ao meu lado, de avançar a madrugada conversando sobre um filme ruim na televisão.

Agora, depois de dois anos, a pergunta que invariavelmente me acompanha é: valeu a pena? Foi uma boa troca? Essas questões devem nos seguir em todos os momentos, já que são elas que reverberarão em nossas escolhas futuras. Eu acho, sim, que valeu a pena sair de Porto Alegre e mudar para Goiânia. Vivi experiências incríveis e conheci pessoas maravilhosas, as quais eu jamais teria conhecido se não fosse por essa viagem. O tempo que pude dedicar a cada uma também foi muito importante, embora tenha significado uma direta redução do tempo que passei a dedicar a Porto Alegre.

O que está em jogo é sempre o que fazer com o nosso tempo, dentro das condições que temos ou não para escolher. Eu não tenho condições, ainda, para viver em duas cidades, mas já sei que uma só não é o bastante para me satisfazer. Ainda mais agora, vivendo há dois meses em Columbus, penso que nem duas serão suficientes para conter minha fome de mundo.

O que isso diz de mim e das pessoas que me circulam? Que eu não as considero importantes? É, é uma leitura mais que possível. Entretanto, o que a vida tem me mostrado é que as pessoas que realmente são valiosas para mim seguem comigo, mesmo distantes. Existem reencontros, existem momentos em que nos dedicamos uns aos outros novamente e celebramos o fato de compartilharmos o tempo que temos. Essa não é uma possibilidade aberta com a internet, amigos trocam cartas há séculos. O que a internet faz é facilitar e ampliar esse convívio.

Atualmente estou deparado com uma questão bem grande: continuar morando em Goiânia ou não? Sei que ainda tenho o que tirar da cidade, o que aprender com ela e também o que ensinar. Contudo, esses meses fora do Brasil estão me dizendo que também há muito para viver que eu nem imagino. Isso me excita profundamente. E entristece, pois esse jeito nômade de viver me segura de plantar raízes mais fundas. Ainda não sei se profundidade é necessariamente mais força, ou se é uma questão de aprender a criar raízes resistentes, embora não muito enterradas. Sei de amores incrivelmente intensos que aconteceram em poucos dias antes de se separarem. Sei de dores que persistiram por anos. Que persistem.

A única coisa que eu posso dizer é que estou aprendendo a viver no mundo, nesse jogo sem regras claras. Há algo de esperança nisso =)

Ignorância

Escrevi, na postagem anterior, que tenho problema com ignorantes. Ainda que seja verdade, essa é uma declaração que demanda mais pensamento crítico. O que significa ser ignorante? Dito de maneira bem simples,  somos ignorantes quando não sabemos de algo. Saber, conhecimento, aprendizagem... como adquirimos um novo conhecimento?



Quem acompanha as ideias de Paulo Freire duvida de uma educação bancária, na qual um sujeito sabedor deposita conhecimentos na cabeça (supostamente vazia) dos alunos. Esse modelo de educação presume uma série de coisas bem importantes sobre o que é ser um professor, um adulto, um ser humano. Se seguirmos a noção de que um aluno ainda não está pronto, pois precisa da instrução de um professor, então trata-se de uma pessoa num estado de vir a ser. Teríamos na mão, portanto, o papel da escola: construir o caráter e o conhecimento desses sujeitos que, após terem vivenciado o processo, estarão prontos.

Qual é o problema dessa ideia? Em primeiro lugar, não sabemos exatamente prontos para o quê. Em segundo, estamos diminuindo as experiências de sujeitos que ainda não tenham alcançado esse estágio que é, como qualquer outra coisa dentro da esfera humana, construído culturalmente por intermédio da linguagem. Um adulto não existe senão por conta de uma linguagem que nomeia e cria essa categoria. Ao circunscrever uma determinada parcela de sujeitos (por conta da idade), uma série de suposições caminham juntas: ideias de maturidade, desejos de liberdade financeira, entre tantas outras coisas.


Quem não acredita nisso, como fica? Eu assumo que o conhecimento é construído na interação, ou seja, nossas vivências nos moldam de variadas maneiras. Isso implica em aceitar que nós nunca estaremos prontos, pois sempre estamos em processo (enquanto vivos). Como exemplo, gosto muito de uma cena da história em quadrinhos Sandman, de Neil Gaiman, em que Morte, a irmã do Sonho, captura a vida de um bebê. Espantado, o bebê a questiona: "mas já? Era só isso que eu tinha para viver?", ao que ela responde: "sim, o tempo de uma vida".

Eu não estou negando que biologicamente sujeitos de 20 anos sejam, em média, mais desenvolvidos em termos de ligações neurais e outras composições do nosso hardware do que crianças de onze anos. Da mesma forma, saber que um sujeito estará com um aparato intelectual melhor afiado dentro de oito anos não anula as experiências vividas na infância. Pelo contrário, muitas das nossas escolhas são informadas por esse aparato em construção/desenvolvimento e vão influenciar seriamente nosso futuro. Aliás, esse é o mesmo argumento utilizado tanto por quem deseja "proteger a inocência das crianças" quanto por quem acredita que deve informar e oferecer chances de aprendizagens na vida. Por onde eu coloquei as aspas já fica clara a minha posição, não é?

O que isso tudo tem a ver com ignorância?
Ora, se não entendemos o conhecimento como algo que pode ser conquistado, absorvido ou adquirido, então precisamos refletir sobre o que ele é. Eu entendo conhecimento como uma posição frente a algo, um significado que tiramos de algo em particular. Isso implica não apenas que essa posição pode mudar, e frequentemente o fará, mas também que duas pessoas diferentes provavelmente terão duas posições e farão dois significados distintos sobre uma mesma situação.

Portanto, ignorância não é ausência de conhecimento, mas sim um resultado da forma como conhecemos as coisas. Se eu penso que homossexuais são pecadores que vão arder no inferno e não merecem nem o mais básico dos direitos (viver), então eu provavelmente estou ignorando outros entendimentos sobre a mesma questão (o que são homossexuais e ao que eles têm direito?). Nossos conhecimentos são como respostas que damos às perguntas. Da mesma forma que nossas respostas na faculdade tendem a ser mais complexas do que as que oferecemos no colégio, é de se esperar que, conforme vivemos, ganhemos mais recursos para (re)pensar as mesmas questões e rever nossas posições.

Não é fácil duvidar de si mesmo. Não é simples detectar quais são as perguntas a partir das quais nos posicionamos e, muito menos, aceitar que podemos estar errados. Frequentemente estamos. Não acredito que haja alguma posição que não ignore a existência de pelo menos alguns sujeitos. E, para encerrar com a verdade, não sei nem se eu quero que exista.

O que é ter pensamento crítico?

Sexta-feira participei de um evento que se propunha a discutir as relações entre acadêmicos e ativistas, enquanto hoje assisti a um filme e depois a uma breve discussão sobre o modo como as mulheres são representadas na mídia. São esses instantes que reforçam em mim o desejo de estar em um meio intelectual onde pessoas discutem ideias e posicionamentos. Curiosamente, ambos os eventos tentaram lidar com a separação que frequentemente existe entre universidade, de um lado, e o "mundo lá fora". Essa é uma questão que tenho tentado enfrentar pelo viés da Educação desde que me certifiquei de que não me tornaria um jornalista, apesar do treinamento para tanto.

O que eu acredito que a universidade pode servir aos sujeitos que passam por ela é mais do que o aparato técnico para cumprir uma função. Pelo menos no Brasil, no geral cursos de graduação têm uma função clara: habilitar para algum tipo de profissão. Durante o curso de jornalismo, poucas foram as oportunidades para realmente sentar e pensar sobre a mídia, o papel da internet na sociedade contemporânea, a forma como a publicidade informa e (re)constrói identidades, entre tantas outras coisas que deveriam ser pensadas por futuros comunicadores. Por outro lado, aprendi a entrevistar, refinei minhas habilidades de escrita, ganhei noções de fotografia etc. Ainda que tudo isso possa me ajudar a pensar melhor, esse não foi o objetivo da maioria das minhas aulas.

O que é pensar melhor? No evento de sexta-feira falamos em pensamento crítico, o que não é exatamente muito fácil de explicar. Eu entendo essa ideia como uma técnica intelectual, uma ferramenta que nos convida a explorar o conhecimento através de perguntas e de dúvidas. Em resumo, seria uma tentativa de compreender "o que está por trás", ou "de onde vem" um determinado saber. Se nós concordamos que vivemos em um mundo com diferentes posições digladiando-se entre si para alcançar o status de verdade, então uma postura (e uma tática) que nos convide a buscar como essas verdades são construídas parece cair como uma luva.


Esse convite ao pensamento crítico é feito pela cultura visual, que nos ensina sobre o caráter social e político das imagens e dos significados que construímos com e a partir delas. Eu não preciso explicar essa imagem, tampouco seria capaz. Eu poderia fornecer informações contextuais sobre sua existência, tentar explicar quem é esse deus que ama quem dá com alegria, tecer referências sobre o coração como símbolo de amor, ou da figura desenhada como sendo um personagem cultural bastante conhecido em nossa cultura ocidental. Ainda assim, todas essas informações estariam vindo de um ponto de vista específico que se dedicou a perceber algumas coisas, que deixou de notar outras e que tomou decisões na hora de escrever este texto e compartilhar ideias.

Se pensarmos nos muitos níveis de significado que uma mesma imagem pode alcançar, começamos a arranhar a complexidade do que nos circunda. Nós humanos recentemente na história passamos de uma postura centrada em figuras mitológicas para pensarmos a nós mesmos como o centro de tudo o que há. Isso é particularmente um problema quando esse nós é especificamente branco, heterossexual, homem, superior à mulher, cristão e de classe média. Se for monogâmico e casado com dois filhos e um cachorro, ainda melhor. Essa categoria que atende pelo supostamente universal nós é muito mais restritiva e condensada do que plural, não atendendo nem descrevendo uma larga fatia da humanidade. Em nossa arrogância e pressa de dominar o mundo, construímos conceitos e ideias para explicar o que há no mundo, porém não percebemos que eles são incompletos. 

Como nós pensamos através da linguagem, chegamos ao ponto de pensar que ela vem antes do mundo e não o contrário. O que é uma bobagem, óbvio. Ainda assim, quando dizemos mulher, estamos pensando naquela coisa óbvia e autoevidente que tem um órgão sexual pra dentro e que pode engravidar. Pois é, exatamente disso que eu falo: nós naturalizamos esses conceitos ao ponto deles parecerem que vêm antes da realidade. Quando falamos em mulher, todos entendemos mais ou menos a mesma coisa. Não é? Não, não é. Façamos um exercício de pensamento crítico, sim?

Quando falamos em mulher, todos entendemos mais ou menos a mesma coisa.
Falamos, entendemos. Nós, primeira pessoa do plural. Quem somos nós? É uma estratégia comum de quando estamos falando algo (como nessa frase que estou escrevendo) utilizarmos o nós para se referir ao coletivo de pessoas com o qual compartilhamos a mesma posição. Isso significa no mínimo duas coisas: 1) estou falando por outras pessoas, assumindo que temos, de fato, a mesma forma de entender um determinado assunto; 2) se nós pensamos assim, como eles pensam? Quem são eles? Quem eles pensam que são? 
Então aqui já temos um problema, pois o número de pessoas com as quais me identifico intelectualmente não é muito grande. O meu nós, portanto, não é tão abrangente. Da mesma forma, tenho certeza que muitos nós que existem por aí também não falam por mim. Na melhor das hipóteses, algumas poucas pessoas podem de fato falar por mim. Entretanto, verdade seja dita, deixem que eu fale por mim, muito obrigado!

Mulher, mais ou menos a mesma coisa. A primeira vez que alguém me puxou a orelha sobre isso foi nas páginas de Problemas de gênero, livro de Judith Butler publicado há cerca de 19 anos. Ela faz uma pergunta simples: qual é o sujeito do feminismo? Existe uma mulher que sintetize essa luta? Todas as mulheres vivem pelos mesmos ideias, sofrem as mesmas amarguras, combatem os mesmos desafios? Ou será que, assim como o nós, também estaríamos silenciando a voz de outros sujeitos que não participem do nosso clubinho? Será que, ao me referir à mulher, não estou ignorando, digamos, mulheres africanas, índias, negras, transexuais... A lista vai longe.

Nós gostamos de discursos universalizantes. Essa minha frase é um perfeito exemplo disso, já que estou falando por todos os seres humanos. Acho razoavelmente que tenhamos objetivos universais, ao menos em termos de alguns parâmetros sobre os quais possamos agir e pensar. Aquela coisa básica: não matar, não esfaquear o vizinho etc. Ainda assim, esquecemos que esses discursos englobam uma variedade potencialmente infinita de ideias e pontos de vista e as condensa em uma única posição, uma única forma de perceber a realidade.


O que decorre dessa mania dos discursos que falam por todos é que passamos a acreditar que algumas verdades são mais verdades que outras. Essa é a base da ciência: investigar objetivamente a realidade, abraçar sua complexidade incompreensível e mastigá-la em pedacinhos absorvíveis de conhecimento. Preciso mesmo dizer que esse projeto modernista faliu? Não só nós fomos incapazes de explicar o mundo até hoje, como cometemos atrocidades culturais em nome de uma perspectiva pouco ética. Como qualquer estudante de jornalismo aprende no primeiro semestre de aulas: não existe essa tal de objetividade. Alguém, em algum momento, está fazendo escolhas sobre o que dizer, o que pesquisar, o que é digno de ser investigado, o que é óbvio, o que é natural, o que não é. 

Isso é verdade para basicamente todas as áreas (olha o discurso universal aí de novo): ninguém pode falar por todos. Quanto antes aprendermos isso e nos munirmos de ferramentas e táticas para perceber as maneiras como apagamos as existências dos outros, melhor. Quanto antes entendermos que nossas certezas só duram até que uma dúvida surja, melhor. Quanto antes essas dúvidas aparecerem, melhor.

Eu ousaria dizer que se o teu mundo faz sentido completamente, alguém ou alguma coisa provavelmente está sendo deixada de lado, ignorada, esquecida, apagada etc. E eu posso viver com isso, posso mesmo. Contanto, é claro, que tu me diga que sabe disse e que, ao invés de ignorante, é egoísta. Se for os dois, aí eu não perdoo.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Na vida real é diferente

Minha tia adora novelas. Creio que ela reluta em perder qualquer capítulo das três ou quatro novelas que passam diariamente. De vez em quando, desgosta de alguma e não se sente obrigada a assisti-la, mas acaba acompanhando mesmo assim.

Eu fui criado principalmente pela minha tia, já que minha mãe trabalhava o dia inteiro (e algumas noites) e meu pai já tinha outra casa. Quando eu era mais novo e alguma coisa "grande" acontecia nas novelas, ela prontamente me explicava que a morte do personagem não era de verdade. Bem, a do personagem era, mas aquilo era só fantasia e, portanto, o ator ainda estava vivo e bem.

Até cinco minutos atrás eu nunca havia parado para pensar no pequeno poder que isso concedia à minha tia. Ela tinha nas mãos o que a cada dia se tornava mais raro: a chance de me ensinar alguma coisa e de mostrar que, apesar de amar aquelas histórias, ela não era enganada por elas.

Em dezembro, minha mãe foi me visitar em Goiânia e trouxe-me, com ela, uma carta da minha tia. Quando soube que minha mãe iria ao meu encontro, ela correu para escrever, reescrever, rearranjar as palavras e letras e ideias e sentimentos. Pediu para minha mãe corrigir e queria que fosse uma carta perfeita, tentando refazê-la a todo instante.

Quando eu era mais novo, mas não novo o bastante para ainda precisar que me dissessem que apenas os personagens em histórias morriam e não os respectivos atores, minha tia se correspondia através de cartas com a sua tia (minha tia-avó). Ela escrevia e pedia para que eu revisasse a escrita, as vírgulas etc. Naquele ponto, eu já estava na quarta série e, portanto, ao final do ano teria experimentado toda a educação formal a qual minha tia teve acesso na vida.

Eu nunca tive o hábito de escrever cartas, mas entendo o investimento emocional que existe nesse hábito, nessa troca, nessa relação. O tempo alocado à escrita se soma à materialidade que falta a um e-mail. A instantaneidade de se saber lembrado naquele momento não substitui a comovente sensação de tocar um papel que foi tocado pela tinta de outra pessoa.

Agora vivo longe da minha família há dois anos. As oportunidades da minha tia me ensinar alguma coisa escassearam, mas ainda assim algo tão simples como uma cartinha escrita em um pequeno pedaço de papel consegue somar na minha vida. Ainda bem!

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Diários

Fiz a mim mesmo a proposta de escrever diariamente aqui na Raposa Antropomórfica ao longo de 2012. Parece-me óbvio que essa é uma proposta difícil de cumprir e que, aliás, já falhei. Tentarei, para fins de sanidade mental, terminar o ano com no mínimo 365 postagens publicadas. Isso me dará um pouco mais de segurança para transitar e escapar da obrigação de escrever todos os dias.

Em contrapartida, eu tenho um diário de papel. É meu terceiro, já. Nele também não escrevo todos os dias, mas sempre que algum pensamento me atravessa ou algo me impressiona, registro. Comecei a colar coisas nessa terceira versão, também, inspirado pelas aulas que tenho assistido no Departamento de Arte Educação da Ohio State University. É um jeito interessante de manter as coisas preciosas por perto. Aguardo o momento de voltar ao Brasil e ter um acesso razoavelmente facilitado a impressoras coloridas, de modo a imprimir mais coisas e rechear meu caderno de coisas legais.

Já imaginei a possibilidade de transcrever meus cadernos em outros formatos, talvez inclusive publicar aqui no blog algumas das reflexões contidas neles. Seria realmente um projeto longo, quiçá inacabável. Como os diários de papel e também as postagens estão sempre crescendo, seria mesmo um projeto duradouro. Ainda assim, não sei se o farei. A cabeça fervilha de ideias, mas sei que frequentemente não tenho persistência para continuar com elas sozinho. Sem apoio externo, sem colaboração de outras pessoas, sem estímulo, nada meu vai adiante. Essa é a grande verdade sobre porque eu parei de escrever quando entrei na faculdade: frente a tanta gente escrevendo direito, não encontrei ninguém que realmente continuasse a depositar fé na minha habilidade linguística, o que hoje acho uma pena, mas que só reforça o valor que de ações significativas.

Continuarei, portanto, meu projeto de 365 postagens em 2012 ao mesmo tempo em que persisto na manutenção de diários de papel recheados de cores, desenhos, escritas e colagens. Acho importante que nos engajemos em projetos que acreditemos, que tenham valor para a gente além do resultado imediato. Creio que, no fim das contas, é o que nos sustenta a continuar fazendo seja lá o que for que fazemos.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Ética fluida

Tenho pensado no que constituiria um mundo perfeito, ignorando que as imperfeições são as características mais marcantes dos seres humanos. Gastei horas imaginando um sentido moral que abarcasse a todos os sujeitos, que funcionasse como universal, esquecendo que nossas tentativas de generalização cometem mais atrocidades e apagamentos do que ajudam a compreender o mundo em toda a sua complexidade.

Essas reflexões se tornam ainda mais presentes quando preciso me degladiar com sentidos éticos diferentes dos meus. É o caso, por exemplo, do curso que tenho ministrado ao longo do mês, em que prevalesce entre alguns estudantes a noção de que sexualidade é algo que deve ser controlado, ao invés de vivido, e que a virgindade é algo a se guardar como um tesouro. Ainda que eu compreenda que algumas pessoas possam acreditar e defender esse entendimento ao ponto de serem felizes, o que acontece quando essas crenças são impostas sobre os outros?

Por outro lado, eu realmente acho que meu ponto de vista é melhor. Acho mesmo, sem falsa modéstia. Isso complica a parte em que eu digo que devemos respeitar aos outros, pois eu acho que esses outros estão perpetuando maldades e limitações que mais ferem do que auxiliam. Estão resguardando informações, acreditando em mitos e reproduzindo-os como armas contra outras pessoas. Ignorância é uma benção, sim, mas só porque ela te impede de rever a si mesmo.

Existe algum jeito de caçar verdades, sendo que elas não são absolutas?
Tantas questões envolvidas em simplesmente estar no mundo...

domingo, fevereiro 19, 2012

Enquanto isso, no bar

Ontem de noite fui a um bar para o aniversário de um amigo da minha colega de casa. Depois, fomos a um outro bar, um bar gay (pelo que entendi, esse bar gosta de outros bares do mesmo sexo), onde encontramos alguns outros amigos dessa minha amiga. Ao contrário do que aconteceu no primeiro bar, em que o máximo de atenção que eu havia recebido durou alguns minutos, neste eu tive companhia pra conversar e fazer piadas por tanto tempo quanto a noite durou.

Aí existem algumas coisas a considerar. Em primeiro lugar, por que eu e o grupo de mulheres tatuadas apreciadoras de música não conseguimos nos relacionar? Ou melhor, por que não nos relacionamos naquele momento específico? Imagino algumas respostas para isso, mas não deixo de somar minha inabilidade em me comunicar dentro de ambientes barulhentos, uma vez que eles prejudicam minha audição e eu não consigo compreender o que as pessoas estão dizendo. Acontece em português, mas é ainda pior quando não se trata da minha língua materna. É sempre difícil entender precisamente o motivo das coisas não serem, então nem vou dedicar muito esforço nessa tarefa. Elas estavam na festa de aniversário de um amigo, se conheciam e gostavam de coisas semelhantes. Pra que arriscar perder tempo com alguém desconhecido? A gente faz esse tipo de escolha o tempo inteiro, não há porque se culpar.

O bar gay. Jogamos sinuca, fizemos piadas, conversamos sobre sexo e posicionamentos morais, carreiras, cursos de universidade etc. "Ah, é óbvio que é porque vocês são gays". É? "Ah, é porque eles estavam dando em cima de ti". É? Esses são argumentos usualmente lançados contra mim para justificar a eterna promiscuidade homomasculina. Entretanto, eu gostaria de propor uma alternativa. Apenas para considerarmos rapidamente, sim?

E se a noite foi divertida porque tinha pessoas com disposições semelhantes às minhas em fazer o tipo de piada que eu faço, em discutir o tipo de assunto que eu discuto, inclusive em entender o tipo de atração que eu sinto? Continuo defendendo diversidade e que as pessoas não fechem em guetos, mas oi, eu me senti seguro o bastante para esquecer que sou o visitante de fora, sinal de que havia outras coisas nas quais me concentrar. Acho que relações humanas são muito disso: se sentir seguro onde está pisando, conhecer as regras e os funcionamentos dos ambientes etc. Eu estava realmente sentindo falta de me sentir seguro em algum lugar.

Rola também o argumento de que, como um cara que tem namorado, eu não deveria me expor a riscos. Que estar lá e ouvir alguém dizer que transaria comigo em um beco é um desrespeito ao meu namorado. Eu discordo. Eu realmente discordo. Se a pessoa se sentiu confortável o bastante consigo mesma para dizer o que pensava e respeitar o que eu penso a respeito disso, não vejo problema nenhum. Se essa mesma pessoa tentasse alguma coisa depois que eu respondi "não tenho problemas em transar em becos ou aleatoriamente com qualquer pessoa, mas eu tenho namorado e respeito minha escolha de relacionamento", aí sim rolaria um problema e passaria a ser um desrespeito. Comigo, não com outra pessoa. Da mesma forma, a decisão de o que fazer em relação a isso seria minha, não de outra pessoa, e alguém tomar meu partido sem permissão seria tão ofensivo quanto. Por quê? Porque estaria silenciosamente dizendo que eu não dou conta de lidar com as situações e que talvez sequer confia em mim para fazer as escolhas certas.

Entretanto, como fui notado, reconhecido e respeitado, tive uma noite agradável, incluindo até um casal que estava na loja de pizzas e com o qual comecei a conversar aleatoriamente. Coisa de gente bêbada. Realmente espero que eles não me odeiem por haver me intrometido na vida deles, mas hey, eles poderiam simplesmente me ignorar. Não é como se outras pessoas não o tivessem feito nessa mesma noite.

=)

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

A dificuldade de ser ético

Eu e minha amiga conversávamos hoje sobre relacionamentos - nosso assunto favorito - e ela mencionou um livro de algum psicólogo por aí que, como sempre, falava de estratégias e mentalidades que casais encontram, passam, sofrem e vivem para se casar, namorar, transar e atrair. Casais heterossexuais. Daí pra frente começamos a discutir sobre as implicações do livro e da insistência em fingir que outros tipos de relacionamento não existem. Falei que não compraria o livro. Ela disse que o livro falava dos interesses dela e não dos meus, o que explicaria eu não quisesse comprar. Eu disse que, na verdade, eu não entendia sequer como ela poderia comprar o livro, uma vez que ele apoiava (silenciosamente, como acontece com a heterossexualidade compulsória, podemos ver um ótimo exemplo aqui) uma ideologia com a qual eu não consigo concordar. Ao fim da conversa, minha amiga estava já concordando comigo, havendo compreendido que eu não estava irritado com o livro não ser direcionado para mim, mas sim com o fato de um pretenso manual genérico sobre sexualidade fingir que minhas experiências não são válidas o suficientes para serem levadas em consideração.

Aí eu, é claro, fiquei pensando nisso durante o resto do dia.


Eu acredito que as pessoas devem ser abertas e reconhecerem a existência das outras, mas na primeira oportunidade estou aqui esbravejando contra a possibilidade da minha amiga sustentar as ideias (limitadas) de uma psicóloga heterossexista. Ou melhor, que eu estou presumindo que seja heterossexista, nem li o livro, apenas uma resenha. Claro, é uma batalha interminável: nosso tempo é limitado e temos que gerenciá-lo de forma a dar privilégio para as coisas que nos interessam, então esse é um motivo suficiente para que eu não leia o tal do livro. Daí a espernear contra ele e querer que ele nunca seja lido, queimá-lo se eu tivesse o poder? Onde fica meu discurso de pluralidade?

Essa é a volta do parafuso de qualquer pessoa que defenda liberdades. A defesa deve parar quando chega ao ponto de pessoas que são contrárias às suas ideias? Nesse caso, não seriam essas liberdades bem pouco... livres? Somente algumas permitidas? Se for, qual a diferença entre mim, que digo defender as liberdades que lutem contra opressão, e algum fascistinha que resolva me matar por eu preferir meninos a meninas? É o fato de que eu não o mataria? Ei, não vá fazendo suposições sobre mim.

Eu realmente não sei qual é a diferença, nem sequer se existe uma. Como provavelmente todo mundo, eu acredito que minha posição no mundo é mais acertada que a das pessoas que me contrariam. Talvez uma distinção seja o fato de eu não considerar esses sujeitos como menos que humanos, como criaturas desprezíveis... embora nem sempre eu consiga.

Eu não acredito em violência, mas ela não precisa da minha fé para existir. Eu sei que não é um caminho que eu utilizaria para construir o mundo que quero viver (e que meus amados vivam). Da mesma forma, não acho que uma educação libertária é suficiente para proteger a humanidade de sujeitos com intenções malignas. Tem gente ruim por aí. Tem gente que pode querer invadir o meu espaço (físico e moral) para me ferir. O que acontece se for impossível conviver?

Uma ação significativa

Quem me acompanha na Raposa Antropomórfica pode pensar que minha vida escolar foi apenas lágrimas, mas isso não é verdade! Hoje na faculdade nos reunimos em duplas e trios (na realidade, eu estava sobrando, como estudante que não faz parte oficial do curso e, portanto, simplesmente me acoplei a uma dupla já formada) para discutir os projetos que cada estudante construiu. O propósito da disciplina é que cada pessoa a termine com uma proposta pronta direcionada a algum órgão real, requisitando financiamento para uma performance artística, uma apresentação, um evento etc. Eu, como visitante cujos interesses estão em língua portuguesa, me abstive de participar ativamente do processo e, portanto, estou apenas comentando.

Minhas duas colegas tinham projetos legais: uma delas intentava a realização de um curso de verão para crianças carentes, buscando oferecer treinamento em música (canto) e dança como forma de superar as condições sociais precárias em que vivem; a outra planejava uma exposição fotográfica orientada pelo tema do abuso sexual e a forma como as pessoas que o sofreram são frequentemente taxadas de culpadas pelo mal que lhes foi feito. Ambas estão requisitando dinheiro para pagar pessoas, locais e equipamentos em projetos que oferecem uma determinada quantia periodicamente para estimular e auxiliar esse tipo de iniciativa.

Fiquei feliz de perceber que as duas estão interessadas em fazer algo que acrescente não apenas às suas bagagens artísticas/profissionais, mas também influencie positivamente na vida de outras pessoas que, pelos seus relatos, vivenciam situações de exclusão, invisibilidade ou marginalidade. São duas estudantes interessadas em fazer algo por alguém.

Em outra disciplina, ainda nesta semana, discutimos a respeito de "qual foi a coisa mais significativa que um professor já fez para você?". Um dos comentários foi sobre um professor de matemática que, ao longo de um ou dois meses, acompanhou uma aluna em seu escritório por cerca de duas horas todos os dias após as aulas, a fim de que ela compreendesse uma matéria à qual teve um acesso deficiente nos anos anteriores. Um professor disposto a fazer algo por alguém.

Seguindo essa linha de raciocínio, que a esta altura já deve estar claro que admiro, lembrei-me de uma professora no colégio. Em meio ao Ensino Médio e a dificuldade que ele significava na minha vida, lá estava uma professora que não apenas de interessou e dispôs a ler uma história que eu havia escrito, como me deu retorno. Ela revisou o texto todo, fez comentários e me incentivou a continuar escrevendo. Na época, pensei que ela demorou muito para me devolver o "meu livro", mas hoje compreendo que o tipo de serviço que ela estava fazendo não é fácil, tampouco barato, e ainda assim ele me fez de graça. Como professora, ela enxergou talvez não um potencial para um grande escritor, mas para letras que poderiam construir caminho para uma vida mais feliz.

Ando relapso com a literatura e a missão de escrever diariamente para o blog é uma tentativa de reverter esse quadro. Até o fim do ano, planejo escrever ficções novamente. No meio de tudo isso, não consigo nem quero esquecer essa pessoa que, em uma ação significativa, se marcou tão forte na minha vida que até hoje, exista destino ou apenas uma coincidência risonha, tornei-me amigo de sua amiga e também de seu filho.

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Bullying

Eu era um estudante relativamente bom no Ensino Fundamental. Em comparação com os demais, provavelmente o melhor da série. Pode parecer algo bobo, com certeza eu acho uma bobagem, hoje, mas para mim servia de estímulo para lidar com uma realidade que, de outra forma, não era particularmente amistosa.

Acordei hoje lembrando de uma aula, acho que da sexta ou sétima série, em que um colega estava me provocando, me chamando de mulherzinha e coisas do gênero. Aliás, literalmente de gênero: ser mulher é uma ofensa para um homem, pois acreditamos que ser homem é superior a ser mulher. Irritado com aquela provocação no meio da aula, perguntei m voz alta: "tu acha que é mais homem do que eu?" e toda a sala ovacionou minha reação. Até o meu bully me cumprimentou.

Avancemos uns anos na vida. O local agora é outro, no meu colégio do Ensino Médio. Primeiro dia de aula do segundo ano, entro atrasado na sala e um dos colegas fala suspirado: "gay". Eu não respondo, a professora não responde, alguns riem e a coisa fica por isso. No Ensino Médio eu não era mais o garoto inteligente, tampouco protegido por alguns colegas ou respeitado quando enfrentava alguma opressão. Aliás, eu não enfrentava mais nada.

Existem poucas coisas boas que eu considero que posso tirar do Ensino Médio. Tenho certeza que eu não estava socialmente maduro o suficiente para ser colocado naquele ambiente que eu mesmo escolhi, da mesma forma que só comecei a viver a faculdade de uma forma que considero apropriada já no terceiro ou quarto ano. Tenho medo de olhar alguma tabela que explique sobre espectros de autismo, pois acho que eu entraria facilmente nessa classificação em épocas anteriores da vida.

Aliás, talvez entre ainda hoje.
Heh... Fazia tempo que eu não sentia medo de descobrir algo sobre mim mesmo. "Descobrir". Eu havia terminado o post, mas voltei para acrescentar esse trecho: o nome que damos às coisas muitas vezes ganha tanto poder e é tão naturalizado que se considera que vem antes das próprias coisas que nomeiam. Isso é um engano: a palavra "autista" condensa uma série de características que são enquadradas nesse termo. Não é o contrário. Uma pessoa não é autista e por isso age de certas formas... ela age assim e assado e, por isso, passa a ser chamada de autista. Ou, pelo menos, é assim que deveria ser. Então quando a gente descobre algo sobre nós mesmos, alguma característica ou pertencimento, não estamos apontando algo que estava ali "na nossa natureza" desde sempre (como ser homossexual), mas sim uma etiqueta que nos ajuda a resumir e condensar uma série de características.

Agora, se essa é uma estratégia útil ou se ela só gera mais preconceito, é uma discussão para outro momento.

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Revisitando

Hoje estive vasculhando os arquivos da Raposa Antropomórfica, passando inclusive pela época em que havia "^^" no nome do blog. Caí em 2007, um período em que eu vivia diferentes desejos e que minhas possibilidades eram tão outras. Como é engraçado perceber que, cinco anos depois, sou já tão outro, mas ainda tão o mesmo.

As coisas que eu queria para mim, ah, muitas já foram realizadas. Moro sozinho, tenho trabalhos, faço mestrado. Ainda não tenho um carro, rádio ou gravador digital, é verdade, mas minhas necessidades mudaram. Será que precisarei de novo, será que quererei novamente ou ainda?

Aí eu penso sobre as pessoas que estão na vida, que permanecem nela. Algumas conversas e confissões curiosas de tempos que passaram, mas coisas que seguem ainda hoje batendo junto comigo.

Para embalar essa postagem, meu cantor favorito: Jorge Drexler!


O lenhador + Pedofilia

A descrição do filme no IMDB é sucinta: "A child molester returns to his hometown after 12 years in prison and attempts to start a new life", ou, em bom português, "um molestador de crianças retorna para sua cidade natal depois de doze anos preso e tenta começar uma nova vida". A premissa é simples, bem como a proposta. O que achei interessante foi a perspectiva da história, que é contada a partir dos passos do próprio pedófilo. Nós o acompanhamos em um novo emprego, em um novo relacionamento, nas suas consultas com o psicólogo e nas visitas que ele recebe de um inspetor de polícia que não acredita em reabilitação.

A história caminha de forma lenta, algumas vezes até cansativa. Os dias de Walter, personagem principal, não têm nada que escapem de uma rotina que ele mesmo estabeleceu. Aos poucos uma personagem sacode esse ritmo e abre espaço para que conheçamos o passado de Walter: ele foi preso por doze anos por abusar de meninas. O longo período que ele passa na janela de seu apartamento, em frente a um jardim de infância, começa a fazer sentido para o espectador. Aí ele conhece uma menina e eu não vou contar o resto do filme.


Esse filme é ótimo: levanta questões sobre pedofilia, relacionamentos familiares, preconceito e relações humanas. Como professor de sexualidade, fico imaginando discussões que são possíveis a partir dele e que temas podem ser trazidos para debate. Entretanto, é necessário pensar anteriormente onde se espera discutir essas questões. Essa história não é para pessoas imaturas ou incapazes de se desprender dos próprios valores para discutir diferentes pontos de vista.

Eu entendo que não é possível se aproximar de algo a partir de uma posição puramente teórica, já que nós sempre carregamos nosso histórico, nosso contexto e nossas emoções na forma como observamos algo. Entretanto, o convite feito pelo filme dificilmente pode ser aproveitado se nos deixarmos cegar por nossas convicções e crenças. Sim, eu acho errado um homem de trinta e tantos anos abusar sexualmente de uma garota de doze. Não, isso não me impede de olhar o filme e estar disposto a discutir as dificuldades vividas por um sujeito que tenha esse tipo de desejo.

Estou, junto com uma amiga, oferecendo um curso sobre sexualidade na educação a distância em artes visuais. Um dos recursos que estamos utilizando para debater é a seguinte notícia:


O que nós tentamos conversar, com essa matéria, é a questão da idade e como entendemos e construímos percepções sobre sexualidade infantil, juvenil e adulta. No caso, dois meninos (18 e 13 anos) foram pegos se beijando pela gerente de um cinema em São Paulo, a polícia foi chamada e o mais velho corre(u) o risco de ser preso por alguns anos. Eles se correspondiam pela internet havia aproximadamente um ano e então marcaram o encontro para se conhecerem.

As reações à notícia foram diversas: algumas sobre o perigo das novas tecnologias, outras sobre a falta de preocupação e responsabilidade dos pais frente aos filhos etc. A nossa intenção, como professores, era questionar o que se pensa a respeito da infância e como nós construímos uma fragilidade e falta de capacidade de escolha/personalidade sobre os jovens. Ouvi repetidas vezes o argumento de que os jovens não estão prontos para tomar decisões. Será verdade? Não sei. Tenho certeza que para o jovem em questão, ele está "formado" o suficiente para tomar decisões e escolher que caminhos deseja tomar.

O que nós, educadores, podemos pensar e fazer a partir disso? Duvidar do que significa "estar pronto para tomar decisões" pode ser um primeiro passo. Como estudante de cultura visual e de teoria queer, entendo que a linguagem tem um papel importante não só em explicar, mas também em condicionar as explicações possíveis. Quando associamos pureza e inocência à infância, nós estamos roubando dos sujeitos inseridos nessa categoria a possibilidade de não serem puros e inocentes (o que quer que esses dois adjetivos signifiquem). E alguns não são. Outros não querem ser.

Além disso, nossos papéis sociais são construídos culturalmente e têm uma história que responde especialmente a questões políticas. Que subjetividades estão sendo ignoradas e que modos de ser estão sendo privilegiados com a forma como entendemos as identidades e as leis?

Para finalizar, uma pergunta que está me martelando hoje: como lidar com o sentimento de que nossos esforços como professores não é suficiente para atingir os estudantes? Certo, eu não defendo uma educação bancária (mais sobre esse termo de Paulo Freire aqui!), o que significa que eu não entendo que professores tenham o poder de inserir conteúdos em seus alunos. De um lado, o cara que sabe e transmite o conhecimento aos pobres aluninhos, que ainda não estão "prontos", ainda não foram ensinados, não tiveram o saber depositado em seus cérebros através dos esforços e artesanias do professor. Ainda assim, dói perceber que nossos esforços em construir um espaço de aprendizagem não estão sendo aproveitados. Existe resposta pra isso?

terça-feira, fevereiro 14, 2012

O tempo do profissional

Eu tenho dificuldade para cobrar trabalhos. Sei que é uma coisa boba, especialmente se eu pretendo ser um profissional bem sucedido ou, ao menos, não morto de fome. Ainda assim, é algo que me ataca e me morde toda vez que preciso cobrar por um serviço. Tenho trabalhado como revisor freelancer, basicamente oferecendo correção ortográfica e normatização de artigos, monografias e agora dissertações. Antes de estabelecer um preço, pesquisei alguns valores na internet e cheguei a um que considero válido pelo meu tempo e que, ainda assim, é menor do que a média de mercado. Na verdade, é menor do que qualquer preço que encontrei na internet. Ainda assim, é mais do que eu pagaria pelo mesmo serviço.

Porém... eu não pagaria por isso simplesmente porque eu sei fazer. Quando paro e reflito sobre o que constitui o valor que eu cobro pela minha revisão, não posso esquecer que não estou colocando ali apenas as horas que gastarei para editar um texto em particular. Esse é um cálculo relativamente fácil de fazer. Outros fatores também entram em jogo: minha formação como jornalista, meu treinamento em uma editora não comercial, o cargo de coordenação e ensino de estagiários de criação, editoração e revisão em uma gráfica, bem como os caminhos que já percorri como um editor gráfico e, obviamente, os trabalhos anteriores como revisor freelancer.

Em 2012, planejo me estabelecer profissionalmente como um editor freelance. Tenho ciência de que ainda estou distante milhas de oferecer um serviço perfeito, mas veja só, pelo menos meu preço é camarada! Ou, digamos, mais camarada do que o de outros trabalhadores por aí que talvez sejam mais competentes que eu, ou quem sabe apenas mais ousados.

Valentines =)


segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Transformações

Que estamos em um jogo sem regras definidas, isso já é um bocado claro. Aquela velha "qual o sentido da vida?" não tem sentido de perguntar, o que é uma cáustica ironia. Tem funcionado, para mim, pensar qual é o sentido que queremos dar para a nossa vida, especialmente quando isso envolve algum senso de coletivo e de compartilhamento. A gente não precisa estar atrás das mesmas coisas, mas se respeitar e se ajudar no caminho são ações que me parecem bem encaminhadas.

Neste momento estou irritado porque uma pessoa cuja prioridade deveria ser compartilhar momentos felizes comigo não só não me entende, como também não manifesta desejo de entender. Essa não é uma novidade na vida: as pessoas se agarram às maneiras como enxergam o mundo e não desejam sair desses lugares seguros. Sair deles as obrigaria a rearranjar tudo o que percebem e, inclusive, como percebem a si mesmas. Não é por nada que eu também estou resistindo a aceitar outras visões - que hoje considero inadequadas para mim.

Fico pensando em que tipo de ação pode motivar essa mudança. Se eu tiver que arriscar, arrisco que só mudamos quando em frente a algo que não conseguimos lidar ou compreender, algo que nos empurre para fora do nosso centro com tanta força que, ao voltar, nós já não paramos no mesmo lugar. Talvez isso aconteça na forma de uma flor que nos chame a atenção, de uma relação anônima numa praia noturna, ou durante a leitura de um livro de receitas. Não sei. Gostaria de ter em mãos a fórmula do "evento transformador".

Creio que tem a ver com prioridades. O que é mais importante, persistir vendo as coisas como eu vejo ou reavaliar meu ponto de vista? O que eu ganho em cada lugar, o que eu perco em cada lugar? Realmente acredito que nosso inconsciente deve processar essas questões o tempo inteiro e decidir o que e como a gente aprende e deixa de aprender. Claro, quando se trata de duas pessoas, as questões valem para ambas e, nesse caso, a possibilidade de que para as duas a mudança não seja a escolha só pode resultar em conflito.

O que a gente faz quando lida com esse tipo de conflito?
O que a gente faz quando vê o mundo de uma maneira tão radicalmente diferente do outro que nossa posição ofende e/ou é ofendida o tempo inteiro?

Eu acredito que vale a pena compartilhar o meu ponto de vista, pois vejo coisas realmente bonitas daqui de onde me posiciono no mundo. É parte das razões pelas quais quero ser professor, para poder compartilhar essas pequenas maravilhas que me fazem sorrir, para que cada pessoa consiga encontrar esses pequenos eventos que lhes fazem sorridentes.

Se a vida é uma viagem, a gente pode caminhar juntos ou nos distanciar (a minha imagem mental de como a vida poderia ser representada é um pouco mais complexa que isso, mas vamos fingir que é uma estrada, senão minha metáfora se perde). Eu estou disposto a sair um pouco do meu caminho, verdade, mas não espere que eu vá para o lado oposto do qual tenho trilhado.

sábado, fevereiro 11, 2012

Naruto


Eu cometi um erro: mesmo sabendo da minha incrível facilidade em me distrair e em procrastinar, eu resolvi ler o primeiro capítulo de Naruto. Vinha fugindo das aventuras do garoto brigão ninja há anos, mas acabei dando boas risadas em alguns momentos e me empolgando com histórias que vão crescendo em complexidade. Eu estava realmente com saudades de ler mangás. O lado ruim disso é que, como todo vício, largar agora está quase impossível e eu realmente preciso fazer outras coisas com as minhas horas. Ai, ai...


Momentos de aprendizagem

Estou ministrando um curso na educação a distância com uma amiga. Algum tempo atrás, estava ensinando inglês para duas amigas, pensando sobre a dificuldade dos concursos públicos federais para professor universitário e, particularmente, sobre modos de ser professor.

No curso de extensão que estamos oferecendo, eu e minha amiga optamos por abrir momentos de debate a partir de imagens, textos, músicas etc. Não estamos dizendo "vejam, quando falamos de sexualidade, é isso e isso que queremos dizer". Os estudantes querem respostas claras e precisas acerca de como devem reagir a situações específicas. Alguns reagem frustrados com a nossa aparente falta de preocupação em oferecê-las. Em meio a tudo isso, fico me questionando se realmente é por aí, se funciona mesmo estar em voltar deles e ir comentando os seus comentários, cutucando as suas falas etc.

Pensei, por um momento, que estivesse simplesmente largando-os para nadar e saindo de perto. Não é verdade. Nós os jogamos no oceano, é verdade, mas estamos tentando apontar onde a água é mais rasa, onde as ondas batem forte, de que maneiras podem bater os braços. Essa coisa de ensinar é realmente mais complicada do que parece, daí bate um desejo forte de ser o cara que vai lá na frente e simplesmente sai falando sobre as coisas, mostrando imagens de impacto e compartilhando seus pontos de vista. É um tipo de atitude professoral típica, talvez por isso tão reconfortante, é algo que nós sabemos como funciona e que, de alguma maneira, enche cadernos de anotações.

Quando dei aula em julho, tentei o mesmo esquema de diálogo aberto a partir de certas fontes. No meio do curso, não aguentei e iniciei um fórum de "explicações", no qual abordava questões como "o que é gênero?" e "pornografia ou erotismo?". Nessa edição do curso, minha amiga segura minhas ansiedades e me impede de agir da mesma forma. Algumas pessoas estão participando ativamente do curso e discutindo, outras, talvez já cientes de que o curso não tem um formato que lhes apetece, não respondem mais nada.

Eu sei que, para mim, esse tipo de aula realmente funciona, me estimula a pensar, me leva mais a frente. Para a minha amiga, também. Contudo... será que não estamos cometendo aquele velho erro de ignorar que pessoas diferentes aprendem de maneiras diferentes? E se sim... como evitar?

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Por que eu não vou começar um novo blog sobre sexualidade

Há tempos venho pensando em criar um blog temático, voltado para um assunto específico e a partir do qual eu pudesse escrever e interagir com um público definido. Havia decidido que isso aconteceria na forma de um blog sobre sexualidades na educação, o qual eu alimentaria com comentários sobre cultura e artes relacionados a questões de corpos, gêneros, desejos, afetos etc. Aí parei e pensei: Tales, tu já está trabalhando como freelancer, escrevendo uma dissertação, envolvido em escrever pelo menos uma postagem por dia para a Raposa Antropomórfica, assistindo a três disciplinas no que deveriam ser tuas férias, escrevendo um texto em inglês com um professor estadunidense, procurando emprego no Brasil e tentando manter a sanidade na forma de amizades e amores; tu precisa mesmo de um blog novo?


Eu pretendia começar com uma postagem sobre o que é sexualidade. Falar do básico, que é algo construído socialmente, que depende dos valores culturais específicos de um tempo e espaço para que tenha sentido, que regula e é regulada nas nossas vidas diárias sem sequer percebermos. Discutiria brevemente a importância de pensar o corpo como campo de conflitos políticos, as emoções como sítio de controle social, os gêneros como a vitória da supremacia masculina sobre o enfraquecimento feminino e também o desejo sexual como sendo produto de como entendemos o sexo e os gêneros, muito mais do que algo que define uma identidade. Também teria que explicar como posicionar as identificações, o porquê de eu acreditar que elas são relacionais e não fixas e definitivas, entre outras questões que iriam surgindo.


Em algum momento eu defenderia a posição de que o amor deve ser colocado acima de outras questões, e isso provavelmente me levaria a duvidar da minha própria escolha de palavras, já que é muito fácil falar em amor ao próximo quando estou confortavelmente nos Estados Unidos, protegido do frio em uma casa aquecida, e milhares não têm condição de pagar em um mês muffin que eu comi no lanche da tarde. Aí entra outra coisa, algo que tenho repetido para mim mesmo com frequência: eu estou tentando alcançar uma posição de poder para que possa gerar mudanças na vida dos outros que, tenho esperança, repercutirão futuramente. É uma visão... mas demora tanto!


Hoje na aula vimos algo sobre Keith Haring como parte de um projeto de enfrentamento da AIDS e de propostas para abordar temáticas relacionadas a sujeitos não conformados no curto quadrado da sexualidade normativa. Eu falaria disso, também, em um blog sobre sexualidades na educação. Escreveria demoradamente, repensaria palavras. Algo diferente do que faço aqui, onde simplesmente jogo o texto na forma de prosa e não preciso me preocupar.

Não preciso, ou não quero?


Em tempo, voltei a pensar em escrever literatura.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Vaka - Sigur Rós


Alguma coisa nessa música me dá vontade de chorar. É como se a canção conversasse comigo, mesmo que eu não entenda as palavras. É como se ela tivesse sido escrita pra mim. Bem, talvez ela tenha, nessa vida louca e envolvida em tramas e cruzamentos.

Parece que de um momento para o outro sou capaz de sentir todas as dores que já senti, todas juntas num mesmo instante. Não chega a ser um segundo, é um pequeno instante de contato. Dores que senti, que causei, que o mundo viveu. No instante seguinte, não tem mais dor, apenas vida. Eu estou vivo, é tão boa a sensação de saber disso.

Today a friend was invited to talk in one of the classes I'm attending to. He talked about passion, about doing what one believe is right, about following the heart. I made notes, because I am afraid I might forget those important things that make life so magical. He said something like "we never know when a constructive critique can change a life forever". I wrote a book, once, because of a person who believed in me. She is still part of me, and part of some people I know and like. But I never wrote again ever since the middle of university. Why? Lack of critique, perhaps?


I guess I want to cry listening to this song because it tells me how stupid I am for abandoning what I believe I can do best in life.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Rainbow fields - Baby Alpaca


O que alguém pode ensinar

Recentemente escrevi sobre quem pode ser professor. Como sempre, eu estava tentando pensar a respeito das limitações que frequentemente a sociedade nos impõe, qualificando e ordenando quem pode fazer o que. Acho importante deixar claro: essas separações têm um sentido e são muitas vezes úteis. Meu problema com elas começa quando as limitações são restritivas demais e ignoram a amplitude e complexidade dos aprendizados humanos.

Penso na dificuldade que terei para me tornar um professor de universidade federal. Minha graduação é em jornalismo, minha especialização em expressão gráfica, minha experiência profissional em processos editoriais (revisão e editoração) e meu mestrado em cultura visual, atravessando questões de sexualidade e educação em artes visuais. A maioria dos concursos para professor em universidades federais requisita que a titulação mais alta e a graduação sejam nas mesmas áreas ou, no máximo, em áreas afins. Por essa lógica, eu estou excluído de concursos na área da Educação e das Artes, dois campos nos quais tenho investido tempo e raciocínio para pensar e trabalhar. Eu pergunto: uma graduação em Educação garante que um sujeito será um "melhor professor" do que eu poderia ser? Ou, colocado de outra forma, eu sou um professor menos capacitado, ou menos competente, por haver trilhado um caminho diferente?

Em julho viajei para fazer um concurso. Eu estava em dúvida se deveria ou não, mas uma professora me fez uma pergunta que até hoje me acompanha: "tu tem algo que tu poderia compartilhar com graduandos?". A minha resposta foi hesitante, "acho que sim", então ela disse que isso era suficiente para eu ir e fazer a prova. A questão aqui não é a respeito de ser o melhor candidato possível, mas sim de dar o melhor de si para preencher as expectativas e, se possível, superá-las através de um trabalho no qual se acredite estar operando algum tipo de mudança na existência (sua e dos outros).

Digo isso com alguma frequência, mais para lembrar a mim mesmo do que para reforçar um ponto de vista, mas eu entrei no mestrado com um objetivo: aprender e me tornar um professor. Dois anos atrás, quando fiz a prova de seleção, eu acreditava que sendo professor eu teria condições de interferir na vida dos sujeitos e abrir portas para indivíduos que, como eu um dia, talvez não saibam que podem ou ainda não consigam abri-las.

É isso que acredito e defendo: ensinar deve ser sobre abrir portas, não sobre abrir apenas algumas portas se você tiver apenas determinadas chaves.

domingo, fevereiro 05, 2012

Como vampiros se esconderiam hoje em dia?

Estou há dias com essa questão me buzinando no cérebro. Se temos internet e a possibilidade de postar instantaneamente de um telefone imagens e vídeos praticamente de qualquer lugar, como poderiam vampiros - que notadamente vivem entre nós nas histórias e filmes que vemos por aí - sobreviver em segredo? Penso em três possibilidades:

1. Eles dominam a tecnologia atual, garantindo que nenhuma informação particularmente relevante seja divulgada. Isso pode estar por trás de grandes derrubadas de sites, como o Megaupload, e também servir de motivação para queimas de arquivo, bloqueio de contas etc. É uma hipótese.

2. Temos tantos filmes e seriados sobre vampiros que se víssemos um na rua provavelmente pensaríamos que é divulgação para mais uma produção holywoodiana. Algo meio in your face disguise, ou seja, se esconder a olhos vistos. Não sei se funcionaria tão bem.

3. Eles estão onde os 20% da população mundial que tem acesso à internet não está. Se pararmos para pensar, ainda sobram muitos espaços para que eles possam estar escondidos e se alimentando de seres humanos.

Se é para acreditar em uma delas, eu fico com a terceira. Nesse caso, podemos ficar felizes (exceto, talvez, por sujeitos ecologicamente conscientes) que esses nossos predadores estão sendo levados à extinção. Se já não foram extintos.

Em tempo... eu adoraria ver um capítulo de Criminal Minds em que o assassino fosse um vampiro. Ou um lobisomem. Ou um fantasma. Seria uma forma interessante de brincar com as realidades, não?

sábado, fevereiro 04, 2012

Being Tales, 2

A gente chega ao mundo pelado, só sabendo o que se sabe por ser bicho. Chora, olha, grita, agarrar o seio da mãe. Ninguém nasce jogando xadrez, calculando a hipotenusa ou discutindo filosofia pós-estruturalista, nem conhecendo as coisas que realmente importam. Ou que a gente acha que importam. Elas mudam tanto que talvez até o fato de mudarem mude e elas amanhã ainda sejam as mesmas.

Eu não lembro direito como eram as coisas em família. Quando penso em colégio, já recordo que a minha já havia deixado de ser, propriamente, família. Não de verdade, eu sei, mas de uma forma diferente da que eu desejaria. Sei que minha mãe desejaria diferente, também, como tantas vezes conversamos. Somos amigos, eu e ela, daquele tipo de amizade que vem e fica. Com o passar do tempo fui entendendo algumas das escolhas que ela fez. Não concordo com várias delas, mas umas faço iguais, outras se não fossem feitas não me teria colocado no mundo. Sou fruto de um acidente, o segundo filho não planejado. Cinco anos depois do meu irmão, eu fui o sinal de que era o momento de fechar a fábrica. Cirurgicamente.

A escola foi um período confuso. Antes do Ensino Médio eu tinha pessoas que me defendiam, que me resguardavam de um mundo cruel que queria rir de mim. Não só queria, conseguia. Gargalhava, por vezes. Ainda assim, aqui e ali fui aprendendo alguma coisa, mais de ouvir falar do que de realmente saber fazer. Quando minha colega me perguntou, na sétima série, se eu já podia ter filhos, eu sabia qual era a resposta correta, mas não saberia de fato como. Ela bem sabia, tanto que teve o dela alguns meses depois.

Sempre tenho a sensação de que as coisas estão mudando justo quando estava chegando na melhor parte. Pensei isso quando mudei de colégio, de universidade, de moradia. Talvez eu estivesse certo em todas essas vezes. Eu não estava preparado pra enfrentar o Ensino Médio onde escolhi, mas passei por ele e, como troféu, o currículo e o ingresso na universidade federal.


Li hoje de noite dois relatos de vidas confusas, encerramentos abruptos e dificuldades de se entender caminhos que por vezes não levam a nada além de outras estradas. Estou ainda afetado pelas leituras, então creio que posso ser desculpado pelo texto confuso de hoje. Estou meio assim, muito aqui, mas também muito lá no que já fui um dia. Vontade forte de voltar e consertar ou, no mínimo, fazer as pazes com o que vivi.

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Uma narrativa visual / a visual narrative

Fui requisitado a fotografar a minha vida, meus dias, minhas vivências. Mostrar pro mundo o que tenho visto, experimentado, andado e provado. Tomei isso como missão ontem e saí às ruas de novo com olhar de turista, câmera fotográfica na mão e fotos de tudo que me despertasse o mínimo interesse. Pensei em ir explicando foto por foto, mas acho que deixarei que as imagens falem por si. Elas apresentam um caminho no tempo e no espaço, e são um pedacinho da vida que estou vivendo.

I've been asked to photograph my life, my days and the way I am living while here in the US. Yesterday, then, I took my camera and went to street with this goal: produce a visual narrative of my daily path. I choose not to use any explanations to the pictures, because I think they have a power of their own and it is not my job to take that away. So here it is, a little piece of me.
























































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