"Ser gay é uma condição".
"Ser gay é uma opção".
"Ninguém escolheria ser gay, é claro que se nasce assim".
"Ser gay é pecado, mesmo nascendo assim as pessoas deveriam guardar pra si seus desejos".
Ai, tanta coisa misturada. No meio disso tudo quase ninguém para e reflete sobre o que significa ser gay. É dar o cu, é gostar de pênis, é gostar de cus, é o quê? Há quem diga que ser gay tem mais a ver com ser afeminado (ou masculinizada, no caso das mulheres), o que de longe temos exemplos suficientes para saber que não cobre toda a parcela de pessoas que se atraem por pessoas do mesmo gênero. Opa, mas e agora, é coisa de jeito ou de desejo?
Eu tenho dificuldades com quem procura definir o que eu sou a partir daquilo que eu desejo. Isso por uma razão básica: desejo é fluido. Posso acordar amanhã apaixonado por uma mulher, isso muda a minha identidade ou só o nome que dou a ela? Na vida real não muda nada, mas no mundo dos pensamentos explode dezenas de conceitos.
Vamos além.
Homem, mulher, qual é o limite exato onde um começa e outro acaba? Tem a ver com órgãos genitais, comportamentos sociais ou como a pessoa se entende? São apenas dois? O que acontece com quem sente que não pertence nem a um nem a outro gênero, independente do que o seu corpo diz às pessoas? (Ah, esse corpo fofoqueiro!)
Aí eu amo um homem que nunca esteve contente consigo mesmo porque na verdade se entende como uma mulher. Eu sou gay ou hetero? Ela então passa por toda a burocracia dos infernos e consegue uma cirurgia para reconfigurar seu corpo, dá adeus ao pênis e oi à vagina. Eu ainda amo ela, oras, amo uma pessoa e não meramente um corpo. Meu desejo muda nesse processo? Talvez, não sei. Já li casos em que sim, casos em que não. Agora sou gay ou sou hetero, se a mulher que eu amo não é mais um homem? E ela, que era homem gay e agora é mulher hetero? Ou continua gay porque nasceu como homem? Será que já era hetero, já que se entendia como mulher desde pequena?
Se eu tenho pressa, digo que sou gay. Pressa mesmo, falta de vontade de explicar que uma palavrinha não revela quase nada sobre o que eu sinto por outras pessoas.
Quando não estou correndo, explico que sou uma raposa. Minha melhor amiga costumava dizer que para mim era mulher, mas depois pensou melhor e disse que pra mim é árvore. Nunca senti tesão em árvores, mas tenho o dever moral de avisá-la caso algum dia surja algum, para que perto de mim ela possa ser outra coisa. É nossa forma de determinar que nossa amizade não inclui tesão ou sexo.
As coisas são o que são somente enquanto são. Passageiras, temporárias, fluidas, sem obrigação nenhuma de se submeter às nossas classificações. Compreender isso ou ficar sem entender não faz a menor diferença: a vida continuará sendo o que é, complexa e linda. Bem sabiam os budistas: a tentativa de segurar e controlar a realidade só serve para nos fazer sofrer. (Ou para ajuntamentos políticos, mas essa é outra história.)
2 comentários:
Tales, viste o filme "A Pele em que Habito" do Almodovar? Teu post fez esse link na minha mente. :)
Nossa, muito! Eu não havia pensado nele quando escrevi, mas super é possível fazer essa conexão. =D
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