O cenário é uma casa em que vivem quatro pessoas divididas em três quartos. Cada um desses aposentos possui duas portas, uma para a saída e outra para as dependências comunais, ou seja, banheiro e cozinha. O primeiro dos quartos é acessível por uma porta frontal, enquanto os outros dois possuem suas entradas num corredor lateral da casa. No primeiro desses quartos laterais moram duas pessoas. É por isso que, para chegar até seu quarto, o último morador passa pela porta dos três demais (a frente, ocupada por uma pessoa, e a primeira lateral, por outras duas). Uma posição de privilegiado contato social.
Imaginaríamos que as portas internas seriam as de maior uso para o convívio. Até morder meu pão com margarina e queijo eu também assim pensava. Entreouvi, porém, conversas entre dois moradores de quartos distintos, especificamente os laterais. Tomei cuidado em reparar que as duas portas que não eram do meu quarto estavam fechadas, provavelmente trancadas. As conversas que ouvia vinham da porta do primeiro quarto lateral, sem dúvida aberta.
Um fato curioso sobre a segunda porta interna: ela abre-se apenas momentaneamente, quando um ou ambos moradores do quarto precisam de algo no banheiro ou na cozinha. Encerrada a atividade, fecha-se a porta novamente, com o acréscimo de um ou dois giros de chave na fechadura, para que ela de fato se confirme impedida de abrir.
Observei que, depois de meses de portas abertas, algumas começaram a se fechar e assim permanecer. A minha própria partilhou essa conduta, depois de algum tempo, e só após uma certa reflexão voltou-se a abrir. A intimidade se compartilha, verdade, mas a coletividade não se poda. Quem passa vê, interage, mesmo que silenciosamente. Tão inspirado por essa liberdade estava ontem que até esqueci de me trancar no escuro do meu quarto.
Lá, com meu sanduíche de queijo e margarina, entendi que uma porta fechada não é apenas um bloqueio de espaço geográfico, é antes um espaço de convívio humano que se perde. Toda porta fechada é um "não", um impedimento ao livre fluxo, barreira que só é vencida através da vontade de algo mais. É verdade que posso ser negado e ainda assim suceder, como também se faz verídico o fato de que demanda mais esforço superar barreiras.
Eu prefiro a fluidez das portas abertas.
Um comentário:
eu tmb prefiro a fluidez das portas abertas. mas às vezes é tão difícil fazer com que elas permaneçam abertas. tem horas que é como se elas tivessem vida própria e uma vontade absurda de nos trancafiar dentro de algo ou de nos privar de adentrar algum espaço. tem umas portas, ainda, tão pesadas que necessitam de outras mãos pra nos ajudar a abri-las. Mas enfim, acho que sempre vale o esforço e o cansaço. Nem que seja pra ter um pouquinho de luz no ambiente, né...
E não esqueçamos das janelas. Eu mesmo, ando carente de paisagens.
Belo texto, by the way.
:o)
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