segunda-feira, setembro 30, 2013

O que é ser gay

"Ser gay é uma condição".
"Ser gay é uma opção".
"Ninguém escolheria ser gay, é claro que se nasce assim".
"Ser gay é pecado, mesmo nascendo assim as pessoas deveriam guardar pra si seus desejos".

Ai, tanta coisa misturada. No meio disso tudo quase ninguém para e reflete sobre o que significa ser gay. É dar o cu, é gostar de pênis, é gostar de cus, é o quê? Há quem diga que ser gay tem mais a ver com ser afeminado (ou masculinizada, no caso das mulheres), o que de longe temos exemplos suficientes para saber que não cobre toda a parcela de pessoas que se atraem por pessoas do mesmo gênero. Opa, mas e agora, é coisa de jeito ou de desejo?


Eu tenho dificuldades com quem procura definir o que eu sou a partir daquilo que eu desejo. Isso por uma razão básica: desejo é fluido. Posso acordar amanhã apaixonado por uma mulher, isso muda a minha identidade ou só o nome que dou a ela? Na vida real não muda nada, mas no mundo dos pensamentos explode dezenas de conceitos.

Vamos além.
Homem, mulher, qual é o limite exato onde um começa e outro acaba? Tem a ver com órgãos genitais, comportamentos sociais ou como a pessoa se entende? São apenas dois? O que acontece com quem sente que não pertence nem a um nem a outro gênero, independente do que o seu corpo diz às pessoas? (Ah, esse corpo fofoqueiro!)

Aí eu amo um homem que nunca esteve contente consigo mesmo porque na verdade se entende como uma mulher. Eu sou gay ou hetero? Ela então passa por toda a burocracia dos infernos e consegue uma cirurgia para reconfigurar seu corpo, dá adeus ao pênis e oi à vagina. Eu ainda amo ela, oras, amo uma pessoa e não meramente um corpo. Meu desejo muda nesse processo? Talvez, não sei. Já li casos em que sim, casos em que não. Agora sou gay ou sou hetero, se a mulher que eu amo não é mais um homem? E ela, que era homem gay e agora é mulher hetero? Ou continua gay porque nasceu como homem? Será que já era hetero, já que se entendia como mulher desde pequena?

Se eu tenho pressa, digo que sou gay. Pressa mesmo, falta de vontade de explicar que uma palavrinha não revela quase nada sobre o que eu sinto por outras pessoas.
Quando não estou correndo, explico que sou uma raposa. Minha melhor amiga costumava dizer que para mim era mulher, mas depois pensou melhor e disse que pra mim é árvore. Nunca senti tesão em árvores, mas tenho o dever moral de avisá-la caso algum dia surja algum, para que perto de mim ela possa ser outra coisa. É nossa forma de determinar que nossa amizade não inclui tesão ou sexo.

As coisas são o que são somente enquanto são. Passageiras, temporárias, fluidas, sem obrigação nenhuma de se submeter às nossas classificações. Compreender isso ou ficar sem entender não faz a menor diferença: a vida continuará sendo o que é, complexa e linda. Bem sabiam os budistas: a tentativa de segurar e controlar a realidade só serve para nos fazer sofrer. (Ou para ajuntamentos políticos, mas essa é outra história.)

domingo, setembro 29, 2013

Sobre ter coragem, parte 2

Quando escrevi sobre ter coragem para enfrentar o mundo, esqueci de mencionar uma coisa muito importante. Eu acho sim que muita gente nasce com uma espécie de dom para tomar as rédeas de vida e sair galopando, enquanto outras se encolhem para não serem pisoteadas. Contudo, não somos feitos somente do que vem de fábrica: aprendemos muito pelo caminho.


No começo desse caminho temos pelo menos duas instituições importantíssimas: a família e a escola. Isso para nem entrarmos na discussão sobre igrejas, mídia, vizinhos etc.

Lembro que, quando criança, aprendi muito sobre como eu não deveria ser, as coisas que deveria não fazer. Vou aqui citar o Mario Quintana, li hoje uma entrevista dele que fala por mim:
Como eu era o caçula, todos me observavam, me aconselhavam, me dirigiam. Havia um mundaréu de coisas que não se podia dizer, que não se podia fazer.
Parece que meu irmão foi o teste enquanto a minha vida era pra valer: todos os equívocos e medos surgidos pela existência dele foram repensados e reorganizados para que eu não repetisse qualquer ponta de decepção. Aprendi criança que não poderia falar alto, chamar atenção, fazer traquinagens nem nada. Sempre fui muito consciente dos limites e muito hábil a colocá-los na vida real, deixando apenas à imaginação a louca tarefa de se transgredir.

Já no colégio, provavelmente por esse silêncio que aprendi a cultivar frente a autoridades, fui vítima fácil de bullying. Eu era pequeno, meiguinho e frágil, uma combinação perfeita para aqueles que não tinham tantas reservas em torturar as existências alheias. Se a escola é o espaço de treinamento para a vida em sociedade, estava muito claro desde o início que o meu papel era o de baixar a cabeça e sofrer calado.

Aos poucos, porém, a gente vai aprendendo. É nesse lento aprender que tenho procurado caminhos que sejam meus no processo de ser quem sou. Conforme "me assumo", vou tomando coragem de manter esses espaços e essas experiências. Sou raposa, gay, escritor, amigo, professor, namorado. Hoje só consigo me posicionar em cada um desses nomes porque sei que eles não são o suficiente para me resumir, algo que eu gostaria de ter aprendido ainda criança.

É muito por isso que ensino e escrevo: para que talvez as palavras que sopro cheguem ao ouvido de alguém e façam a diferença que um dia fizeram por mim. "É possível".

sábado, setembro 28, 2013

Sobre ter coragem

Ontem fui jantar com uma amiga que deseja ser ilustradora de livros infantis, mas ela jamais me mostrou um desenho seu. Nós temos isso em comum, de certa forma: por muitos anos guardei apenas para mim meus escritos, com medo de que não fossem bons o bastante para agradarem a opinião alheia.


De onde vem essa coragem de enfrentar o mundo que algumas pessoas parecem manifestar tão naturalmente? Outra amiga é um verdadeiro modelo de pró-atividade, vai e faz o que quer e experimenta o que aparecer enquanto busca seus interesses. Eu tenho inveja dela. Será possível que coragem não seja uma qualidade disponível a todos nós? Ou se todo mundo pode ser corajoso, como se aprende isso? (nunca me ensinaram na escola)

Vejo pessoas tatuadas, por exemplo, e sempre fico refletindo sobre as escolhas que as motivaram a marcar a pele. Eu, todo cheio de dúvidas, não sei se algum dia estarei convicto o suficiente de algo para imprimir em minha pele tantas certezas. Tenho medo de mudar de ideia e ter que conviver com o que fiz, enquanto algumas pessoas estão certas do que querem ou de quem são desde tão cedo, desde tão pequenas. A coragem é uma disposição para agir hoje e no futuro. Hoje porque sem ação a vida não acontece, e no futuro porque tudo gera consequências de algum tipo.

Esse convite à ação eu encontro no zen-budismo, que nos sugere não pensar demais nem passado (afinal, já sei foi) nem no futuro (que vai chegar de qualquer forma), mas se concentrar em viver o presente. Ainda ontem, na janta com minha amiga, talvez tenha surgido uma pista sobre como nós podemos perceber a vida e, assim, ir juntando um pouco de coragem. Quando reclamei que nunca havia recebido um desenho seu, ela me disse "ah, mas eu não sei se tu vai gostar!". Respondi: "eu estou pedindo para ver os teus desenhos, não para gostar deles". Ao que parece, pensamento em excesso é inimigo da coragem de agir.

sexta-feira, setembro 27, 2013

O umbigo do velho

A cena: eu numa mesa comendo meu sanduíche. É noite, está ventando e as mesas são todas ao ar livre (na calçada do meio da rua). Na mesa ao lado um cara velho com jeito de quem vive todas suas tardes e noites no cigarro e na cerveja bafejando aquela fumaça nojenta que o vento fazia questão de soprar em mim. Pensei em mudar de lugar, mas a preguiça foi maior, então beleza, reclamei pra mim mesmo e ficou nisso porque acho desrespeito ir lá desrespeitar ele porque ele me desrespeitou antes. Ou algo assim.

u não tinha percebido, mas na mesa ao lado das nossas duas havia uma moça fungando. Eis que o velho perguntou qualquer coisa e ela respondeu que era sinusite. Tudo bem, morreu aí o assunto, a moça voltou ao seu suco e o cara ao seu cigarro e à sua cerveja. Levantou, falou alto, gritou, sentou de novo, bebeu, gritou mais. Posso estar exagerando por desprezo ao personagem.

Aí ele se volta à moça e pergunta o nome dela. Ela responde. Pergunta o nome do namorado. Ele responde. E larga a pérola: "você é linda de ver". Nesse momento meu mundo parou. Vontade monstra de levantar e perguntar "oi, quem quer saber?". Acho que nunca na minha vida eu havia sentido indignação por presenciar um homem cantar uma mulher na rua. Talvez eu nunca tivesse percebido com tantos detalhes a cena toda. Foi exatamente o que aconteceu: o velho bêbado resolveu colocar o pau na mesa e mostrar como a opinião dele era mais importante do que a zona de conforto dela. Como se a vida dela dependesse de saber que ele, um cara bêbado, havia curtido sua aparência.


Aliás, algo precisa ficar claro: o problema não é o cara fumar, beber ou ser velho, mas sim exercer o seu poder de macho pra manifestar seus interesses e esperar que a mulher, como personagem secundária perto de qualquer homem, escute e ainda fique feliz em ser reconhecida por um sujeito homem. No fim das contas, o elogio não foi dirigido necessariamente à mulher, não foi uma tentativa de, por exemplo, deixá-la mais contente com sua aparência. Foi apenas o velho observando e comentando o mundo a partir do seu umbigo.

quinta-feira, setembro 26, 2013

Duas dicas para escrever bons textos

A arte de escrever bons textos muitas vezes parece um mistério. É estranho: falamos e escrevemos em língua portuguesa desde que somos crianças e mesmo assim enfrentamos uma dificuldade monstruosa para produzir bons escritos. Já que meu sonho é ser um escritor (que escreve bem e portanto é publicado, lido e, de preferência, apreciado), aprender a escrever é essencial. Por isso tenho lido muitos livros sobre a arte da literatura e encontrei duas ótimas dicas no livro Palavra por Palavra, da Anne Lamott.


A primeira delas é escrever aos poucos, bem como o título do livro sugere. Como assim? Frequentemente queremos escrever já com uma ideia imensa de qual será o enredo do romance, suas reviravoltas e também como ele marcará a cultura mundial depois de lançado. Nossa! Tudo bem ter essas ideias já em mente, mas quando sentamos para trabalhar elas se transformam num peso e numa responsabilidade tão enorme que a gente paralisa. Anne dá como exemplo o escalar de uma geleira: para chegar ao topo, não basta querer e compreender o tamanho da montanha, precisamos pensar a cada momento onde vão nossas mãos e pés e como lidaremos com as dores e frios. Se escalarmos pensando só no final da jornada, é grande a chance de nos perdermos frente à imensidão da tarefa.

No original o livro chama-se Bird by Bird, ou pássaro por pássaro. Esse título vem de um outro exemplo que ela dá. Seu irmão tinha 10 anos e deixara para a última hora um trabalho de biologia sobre pássaros. Na noite anterior ao dia da entrega, portanto, estava sentado na mesa da cozinha chorando rodeado de papéis e livros sobre pássaros. Era muita coisa para fazer e ele sabia disso, então quedou-se acabrunhado diante da enormidade da tarefa. O pai dos dois, um escritor, foi ao filho e disse: "calma, filho, escreva sobre um pássaro de cada vez, pássaro por pássaro". A tarefa hercúlea foi quebrada em pedaços menores, pedaços trabalháveis, tornando o todo mais digerível. Quando vamos almoçar, comemos garfada por garfada, certo? Escrever é a mesma coisa. Podemos até tentar engolir tudo ao mesmo tempo, mas as chances de engasgarmos e terminarmos com uma refeição nada agradável são imensas.

Portanto, que tal sentarmos para escrever com projetos menores? Algo como "hoje descreverei o olhar daquela moça" ou "contarei um pouco da história da cidade". Um parágrafo, uma ação, uma descrição por vez. Conseguiu? Pensa em escrever mais uma. Não conseguiu? Tudo bem, vamos continuar nessa parte ou deixá-la reservada para depois.

"Não tenha medo da perfeição, você nunca irá atingi-la".

A segunda dica é: escreva primeiros esboços ruins. Essa é uma ideia valiosa que eu frequentemente ignoro aqui na Raposa, embora siga quando escrevo literatura. O peso da perfeição é grande demais para que sejamos capazes de numa sentada já produzir uma grande obra poética, profunda e original. Temos a impressão de que os grandes mestres da literatura eram capazes de, logo após estalarem os dedos, digitarem furiosamente em suas máquinas de escrever ou rabiscarem feito médicos os papéis já com ideias magníficas e frases prontas para entrar para a história. Não, não e não!

Escrever é um processo árduo: selecionar as palavras que comporão o texto e aquelas que ficarão de fora, tudo isso exige trabalho. O compromisso com uma primeira versão já consistente e perfeitinha só serve para atrapalhar nosso ofício. Escreva livremente, ninguém precisará ler essa primeira versão. Ela será o teu segredinho, a semente plantada na tela ou no computador. Escreva tudo, escreva tanto quanto for necessário para que as ideias fluam. Depois deixe descansar e releia em busca do que, nesse primeiro jorro de palavras, poderá ser utilizado numa segunda versão. Frequentemente será o caso de jogar quase tudo fora e ficar apenas com uma frase, mas talvez seja uma excelente frase. Para chegar até ela, porém, foi necessário escrever um monte de bobagens antes e isso não é ruim. É parte do processo.

O perfeccionismo só serve para nos atrapalhar. A gente perde tanto tempo preocupado em nossas letras saírem perfeitas no papel que acabamos trancando o fluxo criativo, o que a longo prazo mata mais ideias do que se simplesmente derramássemos nossos pensamentos e reflexões em estado bruto. A autora do livro sugere que a primeira escrita é do semeador: as palavras são simplesmente jogadas no papel. A segunda escrita é do mecânico, que vai consertando tudo o que encontra pela frente para que o todo funcione como um conjunto. A terceira é a do dentista, que vai verificar se cada dente está no lugar, se precisa de reparo etc. Cada nova versão tem o seu momento e o seu propósito, tentar fazer tudo junto é um convite à confusão e ao texto ruim.


Compartilho essas duas dicas na esperança de que escritores como eu possam sofrer menos com esse processo maluco e mágico de tornar ideias em textos. Aos poucos e em várias versões a gente chega lá!

quarta-feira, setembro 25, 2013

Minha nova regra com livros

Li na biblioteca a sinopse de um livro que parecia maravilhoso. Talvez ele até seja, de fato. Não sei e não descobrirei tão cedo. Trouxe o danado para casa e li a primeira página. Depois a segunda, a terceira, a trigésima, a centésima e a última. Pronto, perdi a paciência.


Quase todo manual para escritores que eu encontro diz que o começo de uma história deve cativar o leitor. A primeira frase, parágrafo ou página. Nem sempre acontece. Para falar a verdade, não acontece com a maior parte dos textos clássicos que encontro por aí. Talvez isso aconteça porque na época em que viraram clássicos ainda não precisavam competir com tantos clássicos (faz sentido?).

Então, para desespero da Virginia Woolf (como se ela se importasse), criei uma nova regra (sou cheio de regras, já perceberam?) para a leitura de livros: se eu não me encantar com as primeiras palavras... tá bom, com as primeiras frases e parágrafos, se eu não me encantar até a terceira página, não leio. Não leio e ainda reclamo depois, porque não sou obrigado a fingir que gostei ou que li. Se for clássico dos clássicos até tento mais um pouco.

Claro, vale uma ressalva.
Eu não estou dizendo "não leio pra sempre nunca nunca mais me fale desse livro". Estou dizendo meramente que neste momento da vida não lerei o dito cujo. Amanhã, quem sabe, tento de novo. Ano que vem. O tempo muda os livros porque transforma o leitor. Vai que a raposa leitora de amanhã curte mais o que está lendo? Enquanto isso não acontece, porém, a Virginia Woolf permanecerá na estante.

terça-feira, setembro 24, 2013

Como lidar com a insegurança

Tenho lido muitos livros para escritores e os dois mais recentes, Escrevendo com a alma e Becoming a writer, tocam em um ponto essencial: o sentimento de fraude que acompanha a pessoa que trabalha artisticamente com as palavras. A razão é simples: todo mundo usa a linguagem no dia a dia e já muita gente escreveu coisas magníficas. No fim do dia bate aquela insegurança: será que o que eu faço é bom o suficiente para valer a pena?

Tanto Natalie Goldberg quanto Dorothea Brande tratam nossas dúvidas e inseguranças observando que temos uma parcela da nossa mente dedicada a julgar e censurar aquilo que fazemos. Esse pedacinho de nós é responsável por nos frear, por ficar repetindo "não vai dar certo" bem no cantinho do nosso ouvido. Dependendo da nossa disposição, é capaz de acreditarmos nessa vozinha e desistirmos.


A insegurança é um hábito de imaginarmos um mundo ideal e só agirmos quando temos certeza de que os resultados alcançados serão exatamente aqueles esperados. Geramos tanta expectativa que nos paralisamos diante da primeira resistência oferecida pela realidade. Logo estamos pensando: se é tão difícil e não vai dar certo como eu imaginava, pra que tentar? A verdade é que não há uma boa resposta para essa pergunta, especialmente porque é uma péssima pergunta.

As coisas não precisam ser como nós imaginamos, não é assim que a realidade funciona. Elas só precisam ser como são, o resto é com a gente. A reflexão vem do budismo: nós sofremos porque criamos expectativa de que a vida seja diferente do que ela é. Ah, então tenho que aceitar que sou ruim e não escrever mesmo, né? Não. Esse é o segredo para lidarmos com a insegurança: precisamos mudar nosso hábito de criar expectativas. No meu caso, a prática vai melhorar o meu texto e eu continuarei escrevendo porque acredito que essa é uma arte que dá sentido para a minha existência.

Para acreditar nisso, tenho me forçado a duas coisas:
1. Agir. Não adianta nada eu querer o mundo e ficar em casa jogando, na rua bebendo ou no trabalho vendendo meu tempo. A vida só responde a ações, nunca a pensamentos. Minhas desculpas para quem acredita no "Segredo", mas não adianta só mentalizar coisas positivas. Se não agir, puf, não muda nada.
2. Mudar ideias. Toda vez que me pego pensando que meu texto é ruim ou que ninguém vai publicá-lo ou que eu deveria ter um trabalho convencional ou que ninguém lê mais ou qualquer outra coisa cuja função é simplesmente me colocar para baixo, eu paro e penso: de onde vem essa ideia e para o que ela serve? Quase sempre a resposta é: vem da minha insegurança, do meu eu que faz julgamentos e tem medo de errar, e serve apenas para deixá-lo confortável. Eu não quero que meu lado medroso fique confortável! Eu quero que meu lado raposa, esse lado criativo e emocional que todos nós temos, esteja solto e sadio para viver e experimentar o mundo. Quando essas ideias tentam invadir minha cabeça, então, eu olho para o papel colado na parede dizendo "Escreva!" e obedeço, porque sei que pensamentos são mais fracos que ações e que se algo vai me ajudar a alcançar o que desejo para a vida são minhas ações e não os meus pensamentos.

Eu não tenho uma fórmula mágica para acabar com a insegurança. O que tenho é meu próprio caminho na busca por ser menos refém do meu eu medroso e mais aliado do meu eu raposa.

segunda-feira, setembro 23, 2013

Praticando o desapego

Há uma grande mudança na vida agendada e para chegar a ela preciso de pequenos ensaios. Ontem, com a ajuda do meu namorado, dei um passo: livrei-me de roupas que não usava mais, que não serviam ou que usava muito pouco. Deixei um pacotão de roupas na rua para que alguém levasse, o que de fato aconteceu. O mesmo com alguns tênis antigos (mas não necessariamente velhos no sentido de acabados).

Ainda tenho muita roupa, muito livro, muito badulaque, muito xerox.
Meu critério está sendo simples: manterei comigo poucas coisas, o resto darei, venderei ou colocarei fora. Deixei separados meus livros em xerox para caso algum amigo queira. Tenho bons materiais, farei uma lista de cada título. O mesmo acontecerá com a maior parte dos meus livros. Meus ursos. Mais roupas. Meus móveis, eventualmente (a geladeira, o fogão, a máquina de lavar e o sofá já estão reservados... talvez uma estante também. Ainda tem a cama e outra estante e um armarinho e umas cadeirinhas e um mochinho e uma outra estantezinha e um criado-mudo com espelho e acho que também uma televisão).

Manterei apenas presentes artesanais, seguindo a sugestão de uma boa amiga. O restante deixará de me acompanhar na vida e passará a estar ao lado de outras pessoas.


O que eu quero com isso?
Ser uma nova pessoa. Ou talvez simplesmente ser, sem o peso de tantas coisas a ditarem quem eu sou ou posso ser.

Não está sendo um processo fácil. Quem me conhece sabe que guardo da vida presentes e memórias na forma de objetos.
Contudo, busco navegar pelo mundo de corpo leve e para isso preciso abrir mão de certas posses. Não sei onde estarei nos próximos anos, sei apenas que um destino está já delineado. Quem tiver interesse em saber datas e locais, basta me perguntar.

Enquanto desapego de desejos e objetos, não perco de vista uma coisa: a chance de ser feliz no presente, de aproveitar as pessoas e, principalmente, os amores. Isso é insubstituível.

domingo, setembro 22, 2013

Uma leitura nada zen

Estava eu feliz e contente lendo meu livro sobre escrita a partir de uma perspectiva zen (Escrevendo com a alma) quando me dei conta que faltava ainda metade do livro. Pensei "nossa, tudo isso!". Em seguida ri de mim mesmo, tão interessado no fim da leitura e tão pouco no processo em si. Onde está o meu zen nisso tudo? Ai, ai...

sábado, setembro 21, 2013

Falar de escritores

Ontem eu escrevi no Facebook que não gostava do texto rebuscado da Virgínia Woolf. Estou arrependido até agora dessa afirmação. Imaginei repórteres me entrevistando trinta anos no futuro e retomando essa questão como se fosse uma falha no meu currículo. Acho que realmente é.

Tenho para mim que há um momento para fazermos as coisas. Eu já tentei em duas ocasiões ler alguma coisa da Virginia Woolf e em ambas as vezes fiquei perdido, cansado, distante do texto. Isso pode, sim, ser um problema dela, mas muito provavelmente é uma dificuldade minha. O que levo de mim para a leitura não está sendo suficiente – não, não tem nada a ver com quantidade, deixa eu reformular – ... O que levo de mim para a leitura não está sendo adequado ao que ela escreveu. Meu olhar tem caçado outro tipo de palavras e frases e parágrafos, talvez por isso nossa relação não esteja fluindo. Isso não é um erro de nenhum de nós, é apenas um desalinho que pode, eventualmente, ser consertado.


Comecei Para ler como um escritor, de Francine Prose, mas já me irrita o fato de que nas primeiras 30 páginas ela já questionou leituras feministas. Para ela aparentemente vale mais o texto em si do que as ideias evocadas por ele, o que acho meio contraditório – talvez me falte leitura para pensar o contrário –, uma vez que as ideias saem do texto em si. Incomoda sobremaneira a forma como ela trata a predominância de escritores brancos como um dado artístico e não sociocultural.

Por outro lado, já estou cativado pela Natalie Goldberg no livro Escrevendo com a alma. Não foi novidade: estive antecipando esse prazer desde que soube – pela contracapa – que a autora escrevia a partir de uma abordagem fundamentada no zen-budismo. Não deu outra, já estou fã e nem passei da introdução.

O alquimista

Sempre tive preconceito com o Paulo Coelho, daqueles preconceitos que a gente não sabe de onde vem nem por que está ali. Com o tempo, parei com as críticas vazias e me agarrei à ideia de que só poderia criticá-lo quando tivesse finalmente lido algo seu. Esse dia chegou.


É claro que não falarei sobre toda a sua obra, que é bastante extensa, mas apenas sobre O Alquimista, que conta uma história muito bacana em um formato parecido com fábula. É a história de um pastor que vai atrás de sua Lenda Pessoal, de seus sonhos, de seu papel na vida. É uma narrativa com a qual posso e quero me identificar.

Parte das minhas leituras tenho feito com um olhar de escritor, buscando no estilo de cada texto pistas, ingredientes e técnicas para reproduzir na minha própria arte. O que me chamou atenção no jeito do Paulo Coelho escrever é a maneira como o texto se repete (sem necessariamente ficar cansativo). A cada três ou quatro páginas somos relembrados dos conceitos que ele vem apresentando, tal como se fosse uma aula e não um romance. Isso não é ruim, mas dá suporte aos argumentos de que trata-se de um livro de leitura fácil.

O que me deixa matutando é a seguinte questão: o que faz boa literatura? Já li alguém comentar que seria a potência de releitura, aquele texto que continua a nos afetar mesmo depois que lemos uma, duas, dez vezes. Se esse for um critério, O Alquimista não me sugere uma segunda leitura. Para falar a verdade, quase nada que não seja absurdamente complexo o faz. Talvez boa literatura seja aquele texto difícil, que exija mais do que poesia e interpretação, exija recriação, envolvimento profundo. Não sei.

Paulo Coelho explica tudo. Não há margem para interpretações outras, ele lança a questão e em seguida diz o que devemos entender daquilo. Talvez seja isso que o torna tão agradável: além de contar uma história que aquece nossos corações e esperanças, ainda o faz dizendo com todas as letras que essa é a intenção. Eu terminei a leitura dO Alquimista desejando buscar a minha Lenda Pessoal. É um livro que me afetou. Será que isso é suficiente para fazê-lo boa literatura?

Será que, no fim das contas, é importante discutir o que é boa ou má literatura?
Tenho certeza: se eu tivesse lido O Alquimista um ano atrás, teria odiado. Eu não tinha, à época, bagagem ou interesse pelas suas questões. É realmente complexa essa balança entre estilo (forma) e conteúdo (função?)...

sexta-feira, setembro 20, 2013

Bom-Crioulo

Li hoje o Bom-Crioulo inteiro numa sentada. Um livro de 1895 escrito por Adolfo Caminha surpreende por tratar de homossexualidade na marinha brasileira misturando um escravo fugido e um adolescente.


"Sua amizade ao grumete nascera, de resto, como nascem todas as grandes afeições, inesperadamente, sem precedentes de espécie alguma, no momento fatal em que seus olhos se fitaram pela primeira vez. Esse movimento indefinível que acomete ao mesmo tempo duas naturezas de sexos contrários, determinando o desejo fisiológico de posse mútua, essa atração animal que faz o homem escravo da mulher e que em todas as espécies impulsiona o macho para a fêmea, sentiu-a Bom-Crioulo irresistivelmente ao cruzar a vista pela primeira vez com o grumetezinho. Nunca experimentara semelhante coisa, nunca homem algum ou mulher alguma produzira-lhe tão esquisita impressão, desde que se conhecia! Entretanto, o certo é que o pequeno, uma criança de quinze anos, abalara toda a sua alma, dominando-a, escravizando-a logo naquele mesmo instante, como a força magnética de um ímã"
Fui pego de surpresa várias vezes ao longo da história. O autor não enrola: o que importa é a paixão sôfrega que o Bom-Crioulo Amaro carrega pelo ninfeto Aleixo e desde o início fica muito claro que o negro está de amores pelo branquinho.

Mesmo não me identificando com a maneira como o autor explora a homossexualidade como um ato impuro, um "delito contra a natureza", e odiando os pensamentos homofóbicos do guri novo, não dá para negar a ousadia em escrever sobre esse tema em 1895, muito menos o tom erótico que o texto assume de quando em vez. É um livro gostoso de ler em muitos sentidos.

terça-feira, setembro 17, 2013

Aquele olhar

Entro na sala toda semana e invariavelmente alguém me dá aquele olhar. Eu não saberia descrever, mas acho que todo professor conhece. O olhar da criatura parece te secar, é quase um beijo de dementador. Sentada lá no fundão, a pessoa mal aguenta a cabeça nos braços e fica te lançando aquela mirada de desprezo e cansaço misturados com sono.


No início da minha carreira docente presencial (err, ano passado) eu ficava muito tristinho quando percebia esses olhares entre meus alunos. Na minha cabeça, isso significava que a minha aula estava chata, que minha maneira de explicar era ruim ou algo desse gênero. Que talvez se eu fosse diferente os olhares seriam outros.

Hoje, um pouco mais confiante, sei que não há como evitar que me olhem assim. A verdade é que não estão me olhando, mas olhando a vida. São pessoas cansadas, insatisfeitas consigo mesmas ou talvez estressadas com o filho, o cachorro, a mãe, o futebol etc. Eu posso tentar ajudá-las a olhar para o mundo de outras maneiras, em particular dentro da sala de aula. Entretanto, não posso fazer mais que isso. É um passo, uma mãozinha estendida e olhe lá.

O resto depende de quem olha.
De quem quer olhar.

segunda-feira, setembro 16, 2013

Maré vazante

No início de junho fui à festa literária Escandaliza, da Editora Escândalo (dedicada a títulos com temática LGBT), para o lançamento do Loveless, meu primeiro filhote (em conjunto com vários outros autores que aos poucos têm se tornado parceiros de conversas e agonias e prazeres de escrita). Foi lá que eu conheci Alexandre Melo, autor do livro Maré Vazante e outras estórias, também pela Editora Escândalo.


Eu não pretendia comprar nenhum livro do catálogo da Editora Escândalo naquela noite. Não que nenhum me interessasse, até pelo contrário, mas a verdade é que aquela noite era minha, só minha (e também dos meus amigos e dos colegas escritores, mas ei, meu blog, meu egocentrismo). Em meio aos vinhos e conversas, eu estava tão extasiado que nem sabia pra onde olhar. Informação demais, tesão demais junto, muita coisa acontecendo. Então ouvi meus amigos conversando com um moço que usava uma camisa engraçada (de bichinhos ou martelinhos ou alguma outra coisa inha, mas que chamava a atenção) e alguém disse pra mim, entregando esse livro branco com capa de roupinhas dobradas:

– Abre em qualquer página e lê, tu vai gostar. – O "tu" é licença poética minha para transformar todos meus amigos e conhecidos em gaúchos.

Eu folheei e nem achei tudo isso. Pensei que seria um livro de aforismos ou algo do gênero, ou que a narrativa seria tão mágica que cada parágrafo me amarraria sem saída. Aí eu conheci o autor, moço simpático e fofo (porque na hora de discursar ele fez a declaração de amor mais love story que já vi pessoalmente e achei bem mágico, só não chorei porque esqueci como se faz isso, mas o namorado-marido-companheiro dele chorou e foi bem lindo mesmo).

Ele foi um dos avaliadores do concurso de seleção de contos para o Loveless, então havia lido todos os textos. Conversando com ele, ganhei o maior elogio que eu poderia ter recebido de um escritor. Ou pelo menos o que eu até hoje considero o melhor, algum dia pode aparecer algum que o supere, mas já ali fiquei todo coração batendo forte e rosto ruborizado. As palavras dele me tocaram a tal ponto que coloquei imediatamente uma ideia na cabeça: eu só posso aceitar esse elogio e ser feliz com ele se o cara for um escritor que eu goste. De pouco adiantaria um elogio de alguém que não sabe escrever. Tá, eu sei, arrogância absurda, mas foi o que eu pensei, só estou sendo sincero. É a minha licença poética pra ser cretino mentalmente.

Daí eu comprei o livro, uma semana passou e li o danado. Aliás, verbo errado. Devorei, comi, introjetei, sorvi, me embriaguei no livro do Alexandre. Fiquei ao mesmo tempo alegre por haver conhecido um bom escritor e recebido um elogio dele e admirado pelo longo caminho que tenho a percorrer escrevendo. Não sei se faz sentido falar em níveis, mas sinto que não estou no nível dele. O conto que dá nome ao livro é maravilhoso; o que abre a seleção de histórias é iniciado auspiciosamente com uma chave na fechadura; o último é tão de adeus que chega a nos dar tchau quando termina.

Não é um livro sobre gays. É um livro com gays sobre questões da vida. Acho que o único defeito, se é que é um defeito e não sua principal fonte de impacto, é ser tão pequeno, tão efêmero, tão passageiro. Vem, alfineta nossas emoções e vai embora. Leiam.

A importância do leitor

Meu namorado lê os meus contos na medida em que eles vão ficando prontos. Não mostro nada a meio caminho, só finalizado, e assim vou obtendo um retorno sobre minhas ideias e a maneira como elas estão colocadas na narrativa. Todo mundo deveria ter um leitor que goste de comentar os textos. O olhar dele é o de outra pessoa, ou seja, distante do universo imaginário de onde tiro ideias e explicações para as minhas histórias.

Não, ele não faz análises complexas relativas à estrutura geral da trama ou algo assim. Ele apenas me diz o que gostou, o que não gostou, o que funcionou para ele ou deixou de funcionar. É nesse processo que vou percebendo como ele é afetado pelas minhas letras. Foi como sábado enquanto vi as pessoas lendo meu conto, suas reações me informaram sobre caminhos que valem a pena perseguir com a minha escrita.

Ontem passei o dia frustrado por não conseguir escrever o que eu queria. Acabei voltando a um texto velho que não havia terminado. Ainda não terminei, aliás. Penso que tenho sido muito didático na minha escrita. Será um reflexo de haver feito um mestrado e uma dissertação?

domingo, setembro 15, 2013

Domingo de noite

Acontece sempre aos domingos essa coisa meio "vai ser assim e pronto". Tentei escrever um texto e não rolou. Achei fraco, falso, sem conflito. E daí que o personagem morre, por que alguém leria uma história só pra saber como o personagem morre? Se ele não tem graça, não cativa. Se não cativa, ninguém lê.

Ontem leram O bufo. Umas três pessoas na minha frente, um leu inteiro. Riu bastante, sorriu um tanto, refletiu mais um monte. Fiquei contente com o resultado.

Penso aqui e ali e logo vejo que a raposa está dormente.

sábado, setembro 14, 2013

Dans la maison

Dans la maison (Dentro da casa) é um filme que eu passarei a indicar para escritores. Conta sobre a relação entre um professor de literatura desacreditado com a vida (que volta das férias justificando seu pessimismo através da leitura de Schopenhauer) e um estudante de dezesseis anos que o surpreende com um texto encantador. O paralelo que o próprio filme constrói com As mil e uma noites é inevitável.


Enquanto Claude, o protagonista menino, adentra na casa que dá nome ao filme, ele elabora sua escrita com o auxílio apaixonado do professor, que acaba envolvido além dos limites éticos tipicamente estabelecidos entre alunos e seus mestres. Em certo ponto, nos colocamos a pensar se não verdade não estaria o professor apaixonado.

Conheci o filme porque foi indicado em um blog que lista filmes com temática LGBT. Isso talvez já dê a resposta ao parágrafo anterior, mas deixarei que o filme responda por mim às questões que levantei. Como o professor ensina, um bom final é aquele que surpreende sobremaneira, mas que nos deixa pensando que não haveria outro término possível para a história. Eis algo que o filme alcançou.

Um escritor tímido

Hoje fui a uma feira de troca-troca feminista com meu livro na bolsa e muita timidez na hora de mostrá-lo ao mundo. "Ah, você é tímido, tem que mostrar o livro", dizem-me como se palavras pudessem mudar minha disposição frente ao mundo. Sério, obrigado pela preocupação e pelo impulso, ajuda mesmo, mas não muda nada, amanhã deixo o livro guardado de novo.

Ser tímido é uma droga, é como ter medo do mundo.
Por meio das letras eu sou raposa, livre para viver e dizer o que penso e desejo.

Anotações para o futuro: que fique no passado o meu medo de ser.

sexta-feira, setembro 13, 2013

Forma x Conteúdo (ou: dia de faxina)

Minha casa está um chiqueiro. Tenho medo de passar a vassoura e o pó me engolir. Hoje é o dia em que vou limpá-la, finalmente. Sempre que faço isso, escrevo um texto sobre como o estado de nossa vida é refletido no estado de nossa casa: se o lugar está desarrumado, se não temos tempo ou o costume para ajeitar as coisas, então provavelmente também estamos com os pensamentos desajeitados, sem tempo ou prática de ordená-los.


Hoje, porém, quero avançar para uma outra metáfora.
Recentemente li um comentário no Facebook sobre escritores que apresentam ótimos enredos para suas histórias, mas pecam no uso da linguagem, no estilo, na gramática. Estudando escritores e livros para escritores, cheguei à conclusão de que preciso aprimorar o conteúdo das minhas histórias, mas principalmente a forma delas. Meu texto ainda é muito 'blogueiro', muito informal e direto. Eu não mostro as coisas, eu as conto (o que pode ser um equívoco literário, pois fazendo isso eu atalho a imaginação do leitor).

Talvez minha casa e minha vida sejam um exemplo disso. Há dentro dela um conteúdo interessante, eu, mas é um conteúdo meio sem graça de ler e conhecer, pois não oferece muitos destaques, muitas características empolgantes para agarrar o 'leitor' e levá-lo até o fim da história. Sempre tive para mim que sou uma pessoa sem graça à primeira impressão (meu medo é também o ser à segunda, terceira...), a pessoa precisa apostar em mim para efetivamente encontrar algum prazer (afetivo, literário etc.).

Junto com isso, a forma não é lá muito privilegiada. Eu não me cuido muito fisicamente, ando com o cabelo de qualquer jeito, a barba por fazer, as roupas simplesmente jogadas pelo corpo. Minha casa espelha o resto: ela é boa para o que serve, mas não dou a ela um tratamento muito cativante. Arrumá-la significa sempre me empenhar para melhorá-la, assim como sentar para revisar e reescrever meus textos implica em estar procurando poetizar minhas histórias.

quinta-feira, setembro 12, 2013

Decisões importantes

As pessoas mais próximas a esta raposa já sabem: estou preparando uma mudança grande na vida. É uma ação que poderá afetar, em algum nível, todo mundo que me conhece. Para chegar a ela, estou considerando algumas etapas complicadas. Uma delas envolve libertar-me da quantidade de roupas que tenho em excesso. Outra, mais difícil para mim, inclui ter menos livros.

Ter menos. Essa é a proposta. Eu não preciso ter tudo o que tenho e o tempo transformou essas posses em entulhos, obstáculos para minha livre circulação.


Hoje sonhei que compartilhava com uma professora meu sonho de escrever. Ela me perguntou sobre o doutorado, se me inscreveria para fazê-lo aqui e agora, mas respondi que não, que meus planos me direcionavam para outro lado. Então ela comentou algo que me acordou pensativo: "O importante em escrever não é o escrever em si, isso tu pega o hábito e a técnica e vai trabalhando em torno. O importante é mostrar ao mundo.".

Eu concordo com ela. Preciso mostrar ao mundo o que escrevo e é isso que farei. Se 2013 está sendo um ano feliz de mudanças sutis e grandes projetos, 2014 será o ano de entrar em ação e mergulhar fundo no meu maior sonho. Para fazer isso, preciso romper as correntes que se foram criando com o tempo. Para fazer isso, preciso retomar minha liberdade, pois não conseguirei me doar ao sonho se estiver envolvido nas brumas da realidade.

Será que vai funcionar?

quarta-feira, setembro 11, 2013

Memórias de minhas putas tristes

Gabriel García Marquez é ótimo. Ele me puxou pela mão em Memórias de minhas putas tristes desde o primeiro parágrafo, em que descobrimos um nonagenário ligando para uma dona de bordel e requisitando uma adolescente virgem para foder. Cheguei ao final com aquele gostinho de tristeza e saudade por uma boa história concluída.


Meu encontro com o livro e com Gabriel se deu numa biblioteca pública que fica a menos de cinco minutos da minha casa. Decidi ler mais e ter menos, então a solução óbvia foi cadastrar-me na biblioteca. Junto com Memórias de minhas putas tristes peguei também Menino de engenho, no José Lins do Rego. Um autor estrangeiro e um autor brasileiro para temperar minhas leituras.

segunda-feira, setembro 09, 2013

Los amores pasajeros

Assisti ontem a Los Amores Pasajeros (2013) preparado para ver uma comédia escrachada. Isso aconteceu porque eu já havia lido uma crítica a respeito do filme e estava preparado para "um filme fraco" de Almodovar.


A história se passa em torno de quatro ou cinco passageiros de classe alta, três comissários de bordo e dois pilotos de um avião. Independente de qualquer crítica que eu tenha lido, os elementos que reconheço em Almodovar estão ali: a abertura para falar e mostrar sexo, os personagens marginais e suas relações controversas ou curiosas. Um ponto alto do filme são os chistes, as brincadeiras que se fazem com os relacionamentos apresentados, como o caso do piloto bissexual e do piloto supostamente heterossexual, mas que bêbado sai a experimentar outras possibilidades sexuais.

O quanto ler ou ouvir uma crítica influencia naquilo que esperamos? Eu deitei para ver o filme esperando algo fraco, sem graça, e realmente foi mais ou menos o que encontrei. Será que eu teria encontrado algo diferente acaso não tivesse lido nada a respeito? É fato que nada flutua sozinho no universo das expectativas: ouvi falar mal, então reajustei o que esperava do filme. Da mesma maneira que considerei clicar em um link de loja de cuecas após vê-lo na minha linha do tempo do Facebook pela enésima vez. Isso tudo me assusta muito, pois aponta para uma economia da atenção (que já está aí há muito tempo, mas é pior quando a gente percebe o quão refém dela podemos ser) que simplesmente atropela quem não consegue aparecer.

Não é a toa, então, que ando pensando em ler Os dragões de éter como exemplo de fantasia brasileira. Isso porque li uma entrevista do autor lançando algumas polêmicas. A mesma coisa acontece com A fantástica literatura queer, organizado pela Cristina Lasaitis. Vi uma entrevista bem bacana dela no Youtube e fiquei curioso pelas suas letras e o modo como os diversos autores da coletânea traduzem em literatura as propostas de falar sobre diversidade sexual e fantasia ao mesmo tempo.

A cada dia que passa fico mais consciente da importância do curso no qual me formei e leciono: comunicação social. Sem ela, nada existe. É a tal da árvore caindo no meio da floresta: se ninguém viu, não aconteceu. Se tu lançou um livro e ninguém leu, é o mesmo que não haver lançado. Dói um pouco nos sonhos utópicos, confesso, mas fazer arte também é mercado.

domingo, setembro 08, 2013

Mera Coincidência

O filme Mera Coincidência, lançado em 1997, trabalha com uma premissa interessante: para salvar sua campanha de reeleição, um presidente dos Estados Unidos recorre a um publicitário. Assisti por recomendação de um amigo para que eu o discutisse nas aulas de teoria da imagem. É um prato cheio, de fato.


O filme sutilmente nos ensina algumas pérolas da narrativa e do encantamento produzidos pela televisão. Ou, nas palavras mais acadêmicas, o espetáculo. Sendo de 1997, ele não explora os impactos da internet nem como sua existência poderia mudar todas as ocorrências da história. Dediquei uns bons minutos imaginando o mesmo plot sendo desenvolvido em 2013. Não me parece tão difícil, ao invés de vazar para os jornalistas, bastaria jogar na internet um punhado de informações e memes.

Ao fim da hora e meia, estava cansado. A história abusa dos contratempos espertamente vencidos pelas mentes criativas dos personagens principais. Por um lado, entendo, uma vez que é isso que mostra a genialidade das artimanhas utilizadas. Por outro, pelo menos vinte minutos antes do fim eu já estava consultando o relógio, o que significa que a história não me amarrou o suficiente. Eu sou péssimo em prever narrativas, nunca presto atenção o suficiente na estrutura a ponto de conseguir decifrar quem é o vilão ou como um filme terminará (o que é péssimo para um escritor, verdade!), mas Mera Coincidência não impôs qualquer obstáculo. Ele terminou exatamente como deveria, o que me deixou imaginando sequências que desafiassem esse término previsível, mas necessário.

Um livro gostoso


Eu estava com os editores da Escândalo (Giselle e Roberto) numa mesa grande dentro de um restaurante ou um salão de festas. Tínhamos pratos à nossa frente e conversávamos sobre a arte de escrever. Coisa simples, autor conversando com autores editores. Logo chegaram alguns amigos que ainda não conheciam o Loveless, então entreguei-lhes um exemplar (de onde tirei? Não sei, era sonho, pô!) para que olhassem. Eram uns quatro, ao todo.

Olho para Giselle e Roberto, troco qualquer palavra e me volto aos amigos a fim de informá-los do preço. Eis que vejo-os com o livro aberto e percebo diversas folhas já arrancadas. Em seus pratos, uma macarronada toda colorida de temperos e sabores. Um deles ainda teve a audácia de comentar entre uma garfada e outra: "nossa, seu conto é muito gostoso". Alguns livros só podem ser devorados uma vez...

sábado, setembro 07, 2013

Romeos

Assisti hoje a um filme bacana. Chama Romeos e conta uma história de Lukas, um transexual masculino que começa o filme aplicando sua 25° injeção de testosterona.


Logo de cara somos apresentados a Lukas chegando a uma vida nova. Terá que viver por um ano (confesso que não pesquei exatamente o motivo) em uma cidade alemã e inicialmente é colocado para viver no dormitório feminino, uma vez que a instituição não o reconhece enquanto homem. Não bastasse isso, Lukas precisa esconder o seu corpo o tempo inteiro. Enquanto todos se deliciam num lago, por exemplo, ele esconde os seis com blusas largas e casacos.

No filme, temos a oportunidade de conhecer algumas ansiedades vividas por Lukas e pelas pessoas que o circundam. Pouco a pouco encontramos a melhor amiga, o interesse amoroso, a família. Para todos eles, a mera existência de Lukas é um desafio ao que acreditam ser normal. Descobrimos o nome de batismo de Lukas, por exemplo, apenas por meio das pessoas que não conseguem aceitar o fato de que Lukas é o que ele é, um jovem buscando também o seu lugar no mundo.

Após assistir a Romeos, fiquei pensando cá com meus botões as infinitas realidades que desconheço. Eu não sei o que é ser transexual, obviamente, tampouco acho que o filme me deu condições de me colocar no lugar de alguém que vivencie algo parecido. Entretanto, assim como XXY (que trata sobre uma personagem intersexo), sinto-me um pouco mais próximo de um universo com o qual tenho pouco contato.

Abraços coloridos



– Como vocês têm coragem de fazer isso? – a colega de trabalho do meu namorado perguntou apavorada. Fazia referência, é claro, a nós dois caminhando de mãos dadas na praça de alimentação do shopping. – Todo mundo ficou olhando!

Ele deu exatamente a mesma resposta que eu daria:

– Você não anda de mãos dadas com o seu namorado?

A garota concordou e ficou pensativa. Acho que só meus olhos de raposa enxergaram o que verdadeiramente aconteceu. Ocorre sempre que dois homens dão-se as mãos (e ainda mais forte quando se abraçam ou se beijam): numa frequência impossível de enxergar por reles seres humanos, impulsos de luz colorida emanam do toque, espalhando uma energia arco-íris por todo o ambiente. Mesmo que não consigam enxergar, os humanos percebem que há algo acontecendo ali, algo fora de sua compreensão, algo que escapa a seu mundinho de cores banais.

O grande medo é de que essas cores sejam contagiosas, que ver um beijo possa dar-lhes vontade de beijar também. Hoje em dia ninguém mais tem certeza do que gosta de verdade.

sexta-feira, setembro 06, 2013

A sedução dos livros

Não tenho mais para onde fugir. Antes bastava passar longe das tentadoras estantes das livrarias e eu mantinha meu dinheiro no bolso, o que já não era fácil. Como lidar com a internet que traz a possibilidade de comprar meus livros a partir de alguns cliques inocentes? Quando vejo já estou no portão esperando o carteiro e a conta do cartão de crédito, ai ai...

quinta-feira, setembro 05, 2013

A carne é fraca

César sempre foi um cara macho. Desde criança pega geral, se as meninas se descuidassem lá estava ele chegando junto, dando aquela encochada disfarçada de abraço ou procurando a boca das amiguinhas pra beijar "só de brincadeira". Aos doze anos já não era virgem há pelo menos quatro, ou ao menos era o que as histórias contavam. Aos dezessete, festa boa era aquela em que pegava no mínimo cinco garotas.

Poderíamos pensar que alguém com esse perfil seria um machista abusado e sacana, mas César até que era um cara legal. Ele protegia, por exemplo, os colegas de escola mirradinhos dos outros, deixando bem claro pra quem quisesse briga - e brigava mesmo - que ninguém podia mexer com os amigos dele. Tinha até aquele tal de Greguinho, que diziam que era homossexual, mas César defendia igual. Sempre dizia: "quer ser gay, de boa, é só não dar em cima de mim". Como Greguinho respeitava sem problemas esse mandamento, a relação dos dois era perfeita.

Um belo dia, porém, uma festa veio e o álcool foi misturado em todas as variantes possíveis. César ficou mais do que bêbado e depois de algumas tentativas frustradas, descobriu que nenhuma das garotas presentes estavam minimamente interessadas em corresponder seus avanços. Bêbado e entediado (além de excitado), César viu Greguinho num canto e foi conversar com ele. Papo foi, bebida veio, mais papo foi, o que todo mundo sabe é que os dois sumiram e só foram vistos novamente na segunda-feira seguinte.

Ninguém sabe bem o que, ou se, aconteceu. Entretanto, todo mundo passou a entender o verdadeiro significado da advertência de César: "quer ser gay, de boa, é só não dar em cima de mim".

A buzina e os anjos

Aconteceu numa dessas esquinas cheias de gente e de carros, às vezes mais de carros do que gente. Barulheira típica, sinal fechado pra uns, cruzamento trancado para outros. Então uma caminhonete preta (na verdade era outro tipo de carro, mas ficou na minha cabeça a impressão de que somente alguém dirigindo uma imensa caminhonete preta agiria desta forma) começou a buzinar. Não foi um bi bi ligeiro, daqueles que a gente dá para avisar alguém de algo (buzina tem outra função?), mas um biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii tão contínuo e desproporcional que não parou de buzinar (não sei se na memória ou na vida real) mesmo enquanto a caminhonete preta já estava muito além do cruzamento.

Foi um momento mágico. Embalados pelo som mágico da buzina, sete anjos desceram dos céus e ergueram um pequeno fusca (também não era um fusca, mas achei fofo o contraponto) que trancava o cruzamento para que a caminhonete passasse. Graciosos, eles devolveram o fusca ao seu lugar e, quando a buzina parou de soar (metros adiante), bateram suas asas plumadas e voltaram ao ar.

Enquanto tomava meu suco e comia meu misto quente, percebi que ninguém mais notara os anjos. Para todos os outros, a caminhonete havia simplesmente desviado do fusca e a buzina era de xingamento, não de invocação divina. Logo estávamos todos acomodados com os sons típicos de uma esquina movimentada. Para mim, porém, ficaram os resquícios daquele momento mágico a temperar meu pão e minha tarde.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Minha casa sou eu

Hoje acordei num lugar estranho. Tudo empoeirado, livros espalhados por cima de todos os móveis, roupas acumuladas num cesto enorme, louças jogadas pela pia. Olhei ao redor tentando reconhecer alguma coisa, encontrar uma pista sobre aquele ambiente misterioso. Quem moraria ali? Uma pessoa desleixada, ou no mínimo ocupada demais para cuidar da própria casa. Talvez até alguém que há muito se foi e estava tão perdido em si mesmo que nem teve tempo de arrumar suas coisas.

A verdade bateu na porta com um sorriso irônico. "A casa é sua", ela disse. Eu quis responder que não, mas ela tinha razão, sempre, sempre tinha. Eu acordara não na casa que imagino e desejo para mim, mas na que tenho permitido existir. A casa em que acordei é o resultado de mim, é o reflexo do que eu faço com meu tempo e com os meus espaços.

Esta casa pegando pó sem ninguém para limpar, espalhando livros sem alguém para organizá-los e acumulando roupas e louças em lugares impróprios sou eu, simplesmente. Não gostei do que vi e voei para limpar, ajeitar, espanar, guardar. Não é o suficiente. Ela voltará a ser o lugar em que acordei e não o lugar com que sonhei. A única saída é eu deixar de ser a pessoa que simplesmente deixa as coisas acontecerem e, no lugar, assumir o papel de uma raposa que gerencia o seu mundo, o seu tempo e, também, seus espaços.

O convite da moto

Sentei escorado num poste com o livro aberto e óculos escuros me distanciando do mundo. Entretido pela companhia das letras, não olhei para ninguém até uma moto passar zunindo. Perdi o ritmo das frases e em seguida notei o que estava ao meu redor: estudantes da universidade ansiosos pelo ônibus que não chegava nunca, uma garota de cabelos cacheados rindo, dois rapazes agitados em movimentos espasmódicos, o céu cinza numa cidade que costumava ser apenas ensolarada. Distante, a moto ainda espalhava o seu rastro sonoro cada vez mais insignificante. O piloto levava consigo o convite feito à minha atenção.

terça-feira, setembro 03, 2013

Inércia

Há um perigo forte em não ter uma rotina diária: a possibilidade de se criar uma rotina perigosamente dedicada à preguiça. Passei os últimos três dias envolvido com quase nada útil, num desperdício de tempo (e de vida, obviamente) que não é aceitável, ao menos não para quem tem planos de futuro como eu acabei de escrever (ontem).

Certo, hora de tirar o atraso. Hoje: contenção de danos. Amanhã: limpar a casa.
O que seria da minha vida sem a Raposa Antropomórfica para acompanhar meus passos e pensar sobre a vida?

segunda-feira, setembro 02, 2013

Planos para o futuro

Setembro chegou e, com ele, a hora de fazer os planos para o meu futuro. Ainda não pretendo entrar em detalhes, embora meus amigos e namorado já estejam cientes e participantes do processo. São muitas coisas a acertar até o final do ano, o que certamente inaugura uma nova temporada na vida desta raposa. Por ora, deixo registrado minha intenção: ter escrito um livro de contos com temática LGBT antes do fim de 2013.

O plano inicial era ter um livro meu publicado, mas estou em dúvida se vou investir pessoalmente em editar/publicar ou se vou batalhar por uma editora. De toda forma, ainda estou a meio caminho no material, portanto nem vou gastar neurônios considerando como editar um livro que ainda não existe.

Um dos planos para 2014 é retomar a escrita de literatura fantástica. Esses são os dois universos com os quais me sinto mais a vontade para criar, por isso pretendo investir profundamente neles.
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