terça-feira, dezembro 11, 2012

As invisíveis

Já falei disso em outra ocasião, perguntando como a gente sabe quando não sabe de algo. A dúvida continua e creio que jamais vai me abandonar. Desta vez, ela foi disparada com uma imagem.


Meu primeiro pensamento foi: "mais uma narrativa do branco generoso que vai lá e salva o negro sofredor". A caridade, no caso, estaria reforçando a ideia de que negros precisam de cuidados advindos de brancos, que podem cuidar, que podem dispor de seu tempo para "ajudar" aos outros. Isso, claro, ignora anos de opressão. Estão  imagem e mensagem sendo veladamente preconceituosas? Essa questão voltou a me incomodar semana passada, quando reli o parecer de um dos professores na minha banca de defesa do mestrado, que dizia o seguinte:

De outra parte, também cheguei a me perguntar se o texto não estaria trazendo muitas evidências (imagens, textos, referências) sobre homossexuais homens? Afinal, muito pouco ou quase nunca referes ou apresentas imagens ou referências textuais sobre as mulheres lésbicas ou mesmo travestis, para além de Laila? Mesmo quando são as tuas entradas de texto-imagem, não as das interlocutoras ou interlocutores, as imagens são sempre masculinas.

Na hora em que ouvi isso (pois me foi lido) e nos meses seguintes, pensei indignado que eu não era obrigado a mencionar aquilo que não me interessava pesquisar. No caso, meu foco era homossexualidade masculina e eu acreditava que da forma que o texto da dissertação se desenvolvia, isso ficava claro. E ficava.

O que também ficava claro, ao menos para bom entendedor, é que eu estava excluindo e invisibilizando a importância de outras personagens que também compõem o espectro da sexualidade. Eu não estava ativamente dizendo que lésbicas, travestis e transexuais não me interessam enquanto tópico de investigação ou reflexão, ou que mereceriam menos atenção que homens homossexuais. Isso sim seria um baita preconceito, não é? O que eu fiz foi ignorá-las, considerando que não era necessário sequer mencionar sua existência. Talvez eu esteja sendo exagerado, mas parece-me o mesmo que falar de "padrão de beleza ocidental" e não mencionar que ele desconsidera corpos negros. Ou asiáticos, gordos, queer etc.

Eu já escrevi sobre preconceito antes aqui e não quero me alongar muito. Queria apenas manifestar, neste texto, o quanto essas questões estão presentes em minhas reflexões e o quanto eu não enxergo nenhum horizonte próximo de solução para elas. Não sei nem o que seria uma "solução". O que fica de conselho, desta vez, é mais um convite: que tal tentarmos sempre percebermos o que ou quem estamos tornando invisíveis pelas escolhas que fazemos? Sobre quem (no sentido de "em quem estamos pisando") estamos construindo nossas percepções da realidade?

segunda-feira, dezembro 10, 2012

E daí que você não é mais virgem?

Nessa semana li e comentei no blog da Lola sobre um rapaz que tinha ciúmes do passado sexual da sua namorada. Fiz dois comentários, os quais reproduzo abaixo:

Eu acho incrível como após anos estudando sexualidade e pensando na liberdade dos sujeitos fazerem o que quiserem, eu ainda me pego remoendo o passado sexual dos meus afetos.
Para mim é muito claro que se trata de insegurança. Medo mesmo de ser comparado com alguém que transa melhor, bobagens assim. Sempre que posso e percebo, me controlo, repenso, comento essa insegurança. 
Acho que a liberdade de poder conversar com a pessoa que se gosta é uma base importante para se libertar (ou, ao menos, confrontar) esses sentimentos...

Foi esse e também o seguinte:

E acabei me dar conta de uma coisa, refletindo sobre o que comentei antes... acho que não é só insegurança, mas também um desejo louco de ser DONO do outro (ou, no caso, da outra). Não dono de botar coleirinha, mas de saber que ele ou ela são TEUS e DE MAIS NINGUÉM.
=/

Essas sensações e pensamentos são muito feios e danosos. Ainda assim, volta e meia me pego pensando nisso, olhando para alguém e refletindo "nossa, com essa idade e já ficou com tanta gente?", "puxa, vinte namorados em dois anos?". Isso tem muitos nomes: insegurança, medo de perder, possessividade etc.

O que acho estranho é que preciso fazer força para esquecer o passado alheio, mas o meu fica apagado da (minha) memória com uma facilidade incrível. Creio que isso valha para todos. Uma solução possível é procurar por pessoas virgens. Outra, que acho mais madura e encantadora, é aprender a controlar os próprios impulsos de temor e abraçar as vivências (anteriores) da pessoa, uma vez que elas ajudam a defini-las.

sábado, dezembro 08, 2012

Mudança de hábito

Dei-me conta de que tudo são hábitos. No geral, nós seres humanos somos muito pouco inventivos, não lidamos bem com mudanças ou com variações. A instabilidade nos irrita, dá coceira. A incerteza, então, é o bastante para que surtemos.

"Pinte a cerca, Daniel-san"

O que isso tem a ver com a vida? Muito, veja só: ontem decidi que leria um livro antes de dormir. Cheguei em casa alguns minutos depois da meia-noite e notei que o computador estava ligado. Abri a internet, verifiquei mensagens no Facebook, respondi alguns e-mails, atualizei meus feeds do Google Reader e aproveitei para verificar os jogos novos no Kongregate. Lá pelas duas da manhã eu percebi que já era tarde e fui deitar sem ler nada.

Antes de dormir, ontem, eu lavei a louça. "Ah, está aí um exemplo de bom hábito!". Não. O que aconteceu foi que eu interrompi o hábito de limpar depois, algo recorrente comigo. As sujeiras acumulam porque eu sempre penso que outro dia será o dia de limpar, de resolver, de fazer, de construir, de escrever, de pensar, de mudar. Essa é a natureza da procrastinação: acostumar-se com o hábito do deixar para depois.

Acontece que alguns hábitos nos fazem mal. O hábito de não dizer nada quando vemos algo errado. O hábito de baixar a cabeça frente à opressão. O hábito de deixar para depois aquilo que te faria bem.

Eu deveria terminar esse texto com promessas de mudar, mas tenho o hábito de me prometer coisas que não cumpro. Quem sabe dessa vez fazendo diferente a coisa aconteça?

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Sobre rir dos outros

Acabei de ler um texto do Alex Castro no Papo de Homem. Confesso que quando via a página "papo de homem", já pensava logo que devia ser algo machista, misógino. Estou alegremente espantado e acrescentando a página aos meus feeds do Google Reader. Esse link que estou trazendo é para um texto ótimo sobre como o humor acerca de sujeitos subalternos perpetua maldades e injustiças. Piada de loira, de estupro, de negro, de viado. Comercial de cerveja. Tudo isso é repetição de uma fórmula que vende, mas só vende porque somos idiotas e reproduzimos o hábito de pisar sobre os outros.

Adoro o conselho do Alex, conselho que eu já havia lido no Escreva Lola Escreva: ria dos poderosos, desafie as instituições, questione os poderes estabelecidos. O humor é livre para ser usado e abusado, mas porque não o fazer na direção de quem pode se defender? Até o perigo é mais excitante!

Mais uma do ovo ou da galinha

Eu não gosto de cenários macro, ou seja, de grandes discussões políticas e econômicas e internacionais. Aí paro para pensar: isso é algo meu, que eu nasci não muito interessado, ou ocorre porque não fui talhado culturalmente para me relacionar com esses temas? Se eu tivesse uma educação diferente, será que teria mais facilidade ou interesse em lidar com isso? Ou seria eu parecido com o que sou, voltado para mim e para os meus, tão somente?

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Só não pode ficar calado

Quando criança e adolescente, eu era franzino, tímido e não muito social. Até a oitava série, pessoas do ensino médio passavam por mim e me xingavam. Havia um menino – pelo qual eu desenvolvi um misto de nojo e ódio – que passava por mim e chamava de bixa, que tinha um olhar pesado, um olhar que me fazia sentir mal só de saber que existia. Ele pegava o mesmo ônibus que eu e sempre me olhava na hora de descer e falava alguma coisa. Bem, ele não falava, apenas gesticulava com boca. Bixa. Viado. Morre.

Havia também um outro menino do ensino médio que me provocava. Quando passava por mim, ele me bolinava. Eu tinha medo daquilo. Uma vez me puxou para um canto dizendo que queria ficar comigo. Ou que tinha alguém que queria ficar comigo, algo assim. Eu era absolutamente inocente nessa época, não conseguia me imaginar ficando com pessoas. Não sei o que, exatamente, disparava esse medo crônico de beijar ou transar com alguém, mas era basicamente o que me definia. Eu fugia. Obviamente fugi dele. Quando reclamei para uma supervisora, o rapaz disse que estava apenas brincando. Na cabeça dele, talvez estivesse mesmo. Ficou por isso.

No ensino médio, em outra escola, as coisas não foram diferentes. Lembro perfeitamente do dia em que as aulas do segundo ano começaram e eu cheguei atrasado. Perguntei à professora se podia entrar e, após confirmar que aquela era de fato a minha sala, um colega (o tipo é bem reconhecível: grandão, com cara e corpo de adulto, aquele que todo mundo pensa que já reprovou trinta vezes) grita "gay" enquanto esconde o rosto. Uma coisa meio "ninguém viu que fui eu".

"Idiota, perdedor, estranho, tonto..."

O problema é que todo mundo sabia quem fez. Outro problema é que todo mundo sabia que eu provavelmente não estava gostando daquilo. E, claro, ninguém fez nada a respeito além de rir de mim.

Daí aos poucos aparecem pessoas interessadas em fazer a diferença. Surge o projeto It Gets Better, com a mensagem de que devemos resistir a esses tormentos juvenis, pois no futuro teremos força e poder para lidar com eles. Acho que, para algumas pessoas, isso faz sentido. Infelizmente, a vida não é justa e muita gente ou não aguenta até ter esse poder ou nunca chega a de fato tê-lo. Muita gente comete suicídio. Muita gente se tranca em si mesmo.

"Você não pode se livrar dos seus medos, mas pode aprender a viver com eles"

Não sei se havia algo que eu pudesse ter feito, sendo quem eu era, contra esses insultos e ataques. Acredito que não. Eu não sabia a quem recorrer e muito menos entendia o que estava acontecendo. Na época desses insultos, eu não era gay. Não era viado. Os menores pensamentos que eu tinha nessa direção eram tão reprimidos que eu acreditava firmemente que gostava de meninas – ao ponto de me apaixonar por elas – e fazia o possível para viver essas paixões. Do meu jeitinho tímido e calado, é claro. Escondido, inclusive. Platônico.

O que poderia ser diferente? Hoje eu vejo da seguinte forma: alguém com mais consciência do que eu poderia não ter ficado calado. A orientadora pedagógica que me atendeu um dia poderia ter me ajudado a enxergar a vida, ao invés de dizer para o meu melhor amigo se afastar de mim porque eu era uma má influência para ele. Os meus colegas poderiam ter me defendido. Não é questão de "ser fraco" e precisar ser defendido sempre. É questão de ensinar àquele que ainda não sabe que pode ter voz, ter força, resistir. Pode lutar pelo que acredita, pelo que vive, pelo que sente. Ou, se não por nada disso, pode simplesmente lutar para ser o que é, o que vem sendo ou o que se quer ser.

Pode tudo, só não pode ficar calado. Professor: não fique calado. Colega: não fique calado. Amigo. Irmão. Pai. Mãe. Vizinho. Pessoa desconhecida na rua.
Se a gente se cala, ajuda também a calar quem poderia estar sendo mais do que é.


quarta-feira, dezembro 05, 2012

Cem homens em um ano

Eu concordo totalmente com a última postagem do Cem homens em um ano. Se tem algo que eu defendo veementemente é o direito e a liberdade da sexualidade alheia, independente da idade. Não sei nem quero estabelecer um ponto que separe "infância pura assexual" de um momento "ok, estou pronto para trepar". Esse ponto vai ser diferente para todo mundo, como basicamente qualquer coisa no desenvolvimento humano. Aliás, como a autora do blog explica, não existe "infância pura assexual", já que somos seres sexuais desde que nascemos.

O projeto original do blog Cem homens, aliás, é muito interessante. Ela decidiu contar virtualmente a experiência de transar com cem homens ao longo de um ano. Parece simples, parece putaria, parece bobagem. Pode até ser tudo isso. A grande questão é que, como feminista, a autora discute temas que escapam à compreensão mediana e, com isso, toca pontos interessantes. O principal: por que diabos julgamos tanto a sexualidade feminina, enquanto ignoramos a masculina? Se o blog fosse "Cem hímens em um ano", será que estranharíamos? Será que estranharíamos tanto um homem querendo comer cem mulheres no lugar de uma mulher querendo dar para cem homens? Isso se chama desigualdade de gênero. Dá pra chamar também de hipocrisia.

Hoje a autora já completou a missão e agora escreve, em geral, sobre as bobajadas que as pessoas publicam na internet, como no post cujo link eu trouxe aqui hoje. Leio sempre que posso, na esperança de aprender mais sobre modos de lidar com a ignorância humana relativa à sexualidade (dentro da qual englobo gênero, desejo, corpos, práticas, prazeres e mais um caminhão de coisas).

Já escrevi algumas vezes aqui sobre esses temas:
- por que falar de sexualidade na escola?
- a marcha das vadias de Goiânia
- publicidade com pais gays
- como ensinar sobre sexualidade?
- a tal democracia e a sexualidade
- um pouco sobre a academia e as sexualidades

Há muito o que se pensar sobre sexo, gênero, desejo, prazeres... Fica aqui o meu convite =)

terça-feira, dezembro 04, 2012

Esses silêncios de quem pensa

Eu não posso escrever aqui na Raposa tudo o que penso. Parte do que penso é sobre pessoas, pessoas que me leem. Parte do que penso não é social, é intenso e até violento. Juntamente com o número crescente de leitores, veio também a necessidade de pensar duas vezes antes de falar de mim. Eu não vivo sozinho, eu não existo sozinho, falar de mim também é falar do outro. Essa é a razão pela qual tenho repensado a Raposa Antropomórfica e também pela qual tenho pensado em fazer terapia. Percebi que os espaços de liberdade são tão raros que os quero mais, talvez não tanto para pensar a mim, mas para ser livre.

Sobre isso, tenho refletido sobre como a Raposa, essa minha companheira de sete anos, pode me acompanhar. Creio que para que nós dois possamos continuar caminhando juntos, o objetivo das nossas conversas terá que mudar. Falar de mim já não é o bastante, não é interessante o suficiente, não é importante que baste. Principalmente, não é livre de coerções. Não, ninguém me pede para não escrever sobre tópico algum. A questão é mais minha, mesmo: eu não quero que as pessoas saibam tudo que eu penso, não quero mesmo.

Acostumei-me, com o tempo, a guardar para mim o que pode machucar, perturbar, romper.
É por isso que a Raposa vai parar de falar sobre mim, ao menos diretamente. A única coisa que falta, agora, é saber o que virá dessa mudança. Até aqui fui escritor e leitor. Quem será, daqui para a frente, meu leitor imaginado? Com quem eu posso ser fielmente sincero?

segunda-feira, novembro 26, 2012

Sessão de terapia

Decidi que quero fazer terapia.
Não foi uma decisão que veio do nada. Nunca é. Foi uma construção, uma soma de pequenas percepções e vivências que cresceram sobremaneira. Semana passada tive uma visita por alguns dias e pude confirmar que o mundo pode ser extremamente mágico. Pode, também, ser injusto. No mínimo inoportuno.

Tem muita coisa acontecendo e eu quero ajuda para pensar sobre isso. Acho que a Raposa não está mais conseguindo cumprir seu papel de me ajudar a me entender. Ironicamente, isso acontece porque parte das pessoas que fazem parte da minha existência me leem e, nesse processo, eu preciso me censurar. Não posso ser completamente eu, escrever tudo o que penso. Quantas vezes já não editei, censurei, reescrevi coisas apenas por saber que seria lido?

Será que, no fim das contas, não é isso também algo a ser superado?

quarta-feira, novembro 21, 2012

Sete anos, 433 páginas

Hoje decidi fazer um back up de toda a Raposa Antropomórfica. São sete anos de textos escritos sem regularidade. Ao todo, somaram 433 páginas coladas diretamente no Word. Terminei relendo a minha primeira postagem, na qual já ficava muito claro quem eu sou e quais são as minhas prioridades.

Ao longo de sete anos, muita coisa já mudou na minha vida. De um pequeno sonhador de Porto Alegre, estudante de graduação sem experiência profissional, agora caminho como um mestre em Goiânia, professor e microempreendedor cheio de planos e possibilidades. Em meio a essas mudanças, corações, amizades e relações de todo tipo.

"O que importa é a direção, não a velocidade".

quinta-feira, novembro 15, 2012

Um pouco de silêncio

Estou planejando uma necessária repaginação para a Raposa Antropomórfica. Já a mencionei anteriormente, mas agora estou mais disposto a colocá-la em prática. Alguns acontecimentos recentes me fizeram repensar a abertura que a Raposa tinha sobre a minha vida, em especial no que diz respeito a pessoas que são incapazes de viver suas próprias existências sem se prender na minha.

Então é isso, a ausência está temporariamente justificada. Quando eu conseguir dar vazão aos meus planos, a Raposa Antropomórfica estará de volta. Obrigadinho!

segunda-feira, novembro 05, 2012

segunda-feira, outubro 22, 2012

Desencontros

Todo mundo sabe que a vida não tem regras. Ou melhor, tem, mas elas são complicadas e ninguém entende. Ou, quando entende, geralmente morre ou vira monge budista isolado do mundo. Uma das brincadeiras mais safadas da vida (ou do destino, sei lá) é colocar duas pessoas em descompasso num mesmo lugar e fazer com que elas se olhem, se suspirem e se abracem. Se queiram, inclusive. Acho que o meu amado Jorge Drexler consegue dizer isso melhor que eu, com a música Inoportuna.


Creio que ele é muito claro quando canta "tu, por exemplo, tão a tempo e tão inoportuna". Fico pensando na vida a dois, nos amores que acontecem ou deixam de acontecer em cada esquina, em cada sorriso. Recentemente cheguei à conclusão de que estou pronto, estou aberto a gostar de alguém novamente, isso depois de um período bem longo e tenso de reclusão e frieza no qual eu mais machuquei do que fiz bem. Contudo, não basta que eu esteja aberto, sou apenas um.

Essa é realmente uma grande maldade da vida: se só um ama, não há relação. Não se trata nem de uma maldade daquele que não ama: ora, quem sou eu para julgar o momento de cada um, as experiências que levam aquela pessoa a, naquele instante, não compartilhar dos sentimentos do outro? Aliás, nada na vida obriga ou sequer sugere que, porque somos amados, devemos amar de volta. Ainda assim, esse é o nosso sonho e é nisso que investimos nosso tempo e nossa emoção.

Daí tu encontra uma pessoa e ela está machucada. Ou tu encontra alguém perfeito pra ti, mas teu coração está tão chamuscado que não consegue perceber ou receber ou lidar com o carinho ali depositado. Tão a tempo, mas inoportuna. Desencontros não acontecem apenas com pessoas que se amariam se vivessem no mesmo espaço geográfico: pessoas que vivem em estados sentimentais distintos também podem se perder. Mais uma vez, acho que é Drexler que tem algo a dizer sobre isso.


Em Sanar, ele canta lindamente que "as lágrimas vão ao céu e voltam aos teus olhos desde o amor. O tempo se vai, se vai e não volta. E teu coração vai sarar". Essa canção eu já compartilhei com meus amigos em momentos de tristeza, bem como já ouvi quando meu coração parecia dilacerado. "Mesmo que pareça mentira, teu coração vai sarar". Talvez a verdade ainda mais cruel do que os desencontros da vida seja que "ninguém nasce sabendo que morrer também é lei da vida". Porém, Drexler avisa: "quando menos esperar, teu coração vai sarar, vai sarar, e vai voltar-se a quebrar". Esse é o movimento que a vida faz: ela nos põe pra cima, nos faz amar, nos põe pra baixo, nos dói. O que a gente faz? Persiste.

As coisas acabam. Muitas delas nem começam. É assim que a vida segue seu rumo e a gente vai aprendendo com cada dia. Se recusar a aprender ou a deixar partir aquilo que se foi é uma das piores escolhas que podemos tomar. Não é fácil, é dolorido, deixa um vazio, tudo isso é verdade. Preencher esse vazio com ressentimento ou memórias, porém, nos faz viver de passado e não nos alimenta de vida, pois vida não é aquilo que passou, é aquilo que respiramos, sentimos e fazemos a cada segundo.

Já que até aqui escrevi com o Drexler como pano de fundo, vou terminar também com uma canção dele. O tipo de música que eu só consigo ouvir e acreditar quando estou de bem comigo mesmo. Se o Drexler precisa apenas da "guitarra e você", eu sou feliz com minhas letras e meus amores. Eu achava que precisava de férias, mas na verdade o que eu precisava era outra coisa: estar bem comigo mesmo o suficiente para suspirar novamente por alguém.

Esse é o único tipo de amor em que eu acredito: aquele que, para existir, não exige ser amado de volta. Será um lindo encontro, se for. Por outro lado, se não for, será a vida fazendo aquilo que ela faz de melhor: sendo caótica.

domingo, outubro 21, 2012

As temporalidades do coração

Tem algo de cruel no tempo. Ele está ali, passando para todos sem nunca descansar. Ainda assim, quando queremos que algo chegue, tomamos consciência de que o tempo existe e é bastante longo. Milhares de pensamentos cruzam a cabeça daquele que está ciente do tempo. E ele, em sua maldade intrínseca, apenas desacelera e continua a nos perturbar. O tempo, esse danado, não passa se queremos que ele se vá logo. Isso é especialmente verdade quando nós o temos de sobra, mas aqueles que amamos não. Podem ser amigos, amores, quem for: o tempo passa diferente para nós e para eles.

Cabeça vazia, oficina do diabo. Não é assim o ditado? Pois então, o sujeito fica em casa esperando, aguardando a ligação que nunca vem. Oh, ele não me ama! Oh, não vai rolar, meu deus, estou destinado ao inferno! Ou, quem sabe, a outra pessoa está ocupada? Quem sabe ela tem uma vida?

É isso, a gente fica num domingo pensando na vida, enquanto para outros sujeitos a vida está acontecendo. O que a gente faz? Ah, disso eu posso falar: a gente faz a vida acontecer aqui também. Amigos, trabalhos, leituras.

O que a gente faz? Vive.

O passado deixa marcas

Se tudo que aprendemos caminha conosco nas decisões futuras, então é mais que justo assumir que nossos saberes (e crenças) nos seguram, nos fazem resistir. Temos medo de repetir erros, pois sabemos que eles machucam. Aprendemos o que dói e nos fechamos em uma concha de proteção. Amar dói? Então não amemos. Funciona simples, mas nos priva de experiências que poderiam ser maravilhosas. Em algum momento, a gente precisa decidir se ama de novo ou se bloqueia mais um pouco.

Gostar de alguém é um risco. Não se trata apenas de a gente poder se machucar, mas também de podermos machucar outra pessoa, outro conjunto de subjetividades com o qual não sabemos como lidar. Eu sei que já machuquei algumas pessoas e que poderia ter feito diferente. Sei exatamente como deveria ter agido para que as coisas saíssem melhores do que saíram. Por que não o fiz? Não sei, eu simplesmente não consegui. Saber como agir e agir de acordo são duas coisas completamente diferentes.

Acho que um exemplo vem a calhar. Certa feita, no colégio, um amigo e um ex-amigo se desentenderam. Logo se agarraram e ficaram um ameaçando socar o outro. Eu vi, me aproximei e fiquei junto às pessoas que estavam olhando aquilo acontecer. Entreguei minha mochila para meu outro amigo, na típica postura de "vou fazer algo a respeito", mas aquilo era uma briga e eu não fazia ideia de como lidar com brigas, então travei. Eu não fiz nada. Meu amigo levou um soco do meu ex-amigo, que saiu correndo, e eu não fiz nada. Poderia ter impedido. Poderia. Não impedi.

Exemplo bobo? Talvez. Ele resume uma característica minha muito clara: nem sempre eu consigo fazer o que sei que deveria fazer. Isso acontece principalmente quando os sentimentos de outras pessoas estão em jogo. Eu não sei lidar com outras pessoas. Sei lidar comigo, sei o que me aflige, de onde vem, para onde vai. Não sei o que fazer quando é a vida de outro sujeito que está dependendo das minhas escolhas. O que machuca mais, ficar ou partir? Partir, então vou ficar mais. E fico, e quando vejo o partir é tão necessário que o ficar transformou-se em mais dor que o partir.

Aí a gente conhece novas pessoas e a sombra das escolhas do passado estão ali. Do meu passado. Do passado das outras pessoas. Ninguém chega numa nova relação limpo de influências. Quando damos "oi" a alguém, estamos carregando tudo aquilo que vivemos antes e esperando que a resposta não seja a mesma que encaixe naquelas experiências negativas que vivemos. Da mesma forma, se forem iguais demais às que deram certo, talvez seja um mal sinal, pois serão comparadas eternamente.

O que fazer, então? Como não se consumir no passado e esquecer que o presente está sempre batendo na nossa porta? Não sei. Queria saber, juro. Posso dar umas dicas de auto-ajuda, posso mesmo, mas eu não gosto de rabiscar aqui na Raposa sobre coisas que eu não consigo colocar em prática. O jeito é, tanto quanto possível, tentar fazer com que o passado não nos consuma, não nos impeça de viver coisas novas, de experimentar sabores diferentes. Vamos tentando...

sábado, outubro 20, 2012

Alguns silêncios

Como saber o que outra pessoa está pensando?

Faxina

Se tudo está conectado, então limpar a casa faz sentido como um exercício de limpar a alma. Ou o corpo. Cortar o cabelo, varrer o chão, passar pano e tirar as teias dos cantos. Tudo isso enfeia a gente por ficar ali muito tempo guardado, muito tempo sem cuidado. O que nos deixa bonitos não é a falta desses elementos, mas o cuidado para que eles não estejam ali. O cuidar de si.

E ser humilde o suficiente para, sentindo-se bonito, não pisar nos outros.

=)

quinta-feira, outubro 18, 2012

Como lidar com nossos limites

O meu sonho mais antigo é o de ser um escritor famoso. Meu problema é que eu vivo numa era em que ninguém lê. Mentira. O meu problema é que eu uso isso como desculpa para não estimular minha escrita e não colocar minha cara a tapa, não arriscar, não tentar fazer as coisas de um modo diferente, não ir atrás de pessoas que leiam.

Acho que essa limitação autoimposta nasce na escola. É, é, nesse modelo estúpido de escola em que um cara aparece lá como o maioral e um bando de gente é ensinada que (1) não sabe as coisas que precisa saber para ser gente e que (2) só há uma resposta certa pras questões da vida. O TED tem uma palestra maravilhosa sobre como a escola mata a criatividade, vale a pena olhar, tem legendas em português.

O que acontece quando compramos essa ideia da resposta certa? Acreditamos que se nós não somos tão bons em matemática quanto outros colegas, então nós não somos bons em matemática. Diferença sutil, mas que na prática funciona como uma parede de cimento para o nosso cérebro. Ontem trabalhei na aula com a criação de cartões de visitas. Entre reclamações e sofrimentos, o pessoal fez. Eu não estava exigindo nenhuma maravilha do design, apenas itens pensados e esboçados para fazer sentido.

Mais de uma pessoa veio a mim dizendo "eu não sou criativo" e "eu não sei desenhar". Essas frases só fazem sentido se a gente acredita que há apenas um jeito de saber. Eu já falei sobre conhecimento, ignorância e aprendizagem algumas vezes aqui no blog. Em resumo, o que acredito é que não há apenas um jeito de saber escrever, desenhar ou criar. Existem infinitos. Alguns interessam mais ao mercado que outros? Sim, mas só porque ainda não se criou demanda para esses outros. Ai, mas é difícil mudar o sistema! Sim de novo, mas desde quando algo ser difícil virou motivo para que não tentemos?

x x x x

Dito isso, decidi retomar meu projeto de uma postagem por dia. Há tempos que eu venho e tento de novo, vamos ver se desta vez eu consigo.

quarta-feira, outubro 17, 2012

Uma história de amor

A gente se conheceu em uma noite que eu não dava nada pra vida. Era uma quarta-feira, alguns dias depois da virada do ano. No dia seguinte eu tinha que ir cedo para o trabalho, mas não me importava: eu quis sair, ir pra noite, dançar até não poder mais. Estava faltando algo na vida e eu tinha certeza que, fosse o que fosse, eu precisava procurar naquela noite. Por umas duas ou três horas, eu fiquei terrivelmente arrependido. Fui para uma festa cuja fila estava imensa e não andava nada. Não andou nada por horas. Horas! Aí eu decidi ir embora para outra festa. Não voltaria para casa sem dançar pelo menos um pouco, depois de tanto tempo na rua. Além do mais, eu não tinha mais como voltar, os ônibus já não circulavam àquela hora da madrugada.

Foi na fila da outra festa que te vi pela primeira vez. Havia o quê, cinco pessoas na minha frente? E tu furou a fila, passou na frente de todo mundo e, com teus amigos, entrou. Eu sei que tu me viu, eu te vi me vendo. Senti um misto de raiva com atração. Mais atração que raiva, é verdade. Bem mais. Aí entrei na festa, aquela coisa escura com luzes piscantes e músicas tunti tunti. Meu lugar favorito na cidade. Eu estava sozinho, então não quis dançar ainda. Preferia beber um pouco, deixar o álcool garantir meus movimentos, minha despreocupação. Aí eu te vi pela segunda vez, tu estava num canto parado, teus amigos estavam por perto, mas não perto o bastante. Trocamos olhares, tu me chamou para perto. Eu fui, claro. Como poderia dizer não para tanta autoconfiança?

Não lembro sobre o que falamos, exatamente. Signos. Ocupações. Futuros. Eu achava que tinha pouco tempo para oferecer, apenas dois meses. Tu tinha menos, alguns punhados de horas. Ali estavam todos os elementos necessários para uma ficada aleatória e nada mais. Só que não. Na hora de ir embora, fomos juntos pegar nossas mochilas. Era tu quem queria ir embora, mas para mim a noite perderia o sentido se tu fosse e eu continuasse. Na realidade, ela já havia me mostrado todo o sentido que havia em sair numa quarta-feira. Eu chegaria em casa ainda a tempo de dormir por umas três horas, o suficiente para respirar e aguentar um dia de trabalho. Inesperado veio o convite para ir à tua casa. Ainda hoje passo pela frente dela e lembro dos suspiros e sorrisos vividos ali.

Acho que essa noite sozinha teria sido suficiente para aquecer meu coração, para disparar o feitiço do amor.  A verdade é que foi. No dia seguinte eu já estava avisando minha confidente sobre a felicidade e a possibilidade de namorar. Sim, eu sou assim, todas as vezes em que me apaixonei o amor veio de primeira, em poucas palavras, em rápidos olhares. O meu coração sempre sabe, e ele bem soube quando passamos horas ainda conversando na cama, discutindo a vida, os caminhos do mundo. A nossa história nunca foi sobre sexo, mesmo que sexo estivesse ali o tempo inteiro. Mesmo essa primeira noite, que não era para ter absolutamente nada sexual – ainda lembro do aviso "é para dormir, não para transar" – teve sua parcela de sedução e gozo. Certamente valeu a pena dormir apenas uma hora e ir feito zumbi para o trabalho.

Lembro de todas as vezes que nos vimos desde então, os lugares, as ocasiões, os motivos. Ainda hoje, se preciso mencionar uma história de amor que não deu errado, é de ti que eu lembro. Porque realmente não deu errado: apenas nossos caminhos nos afastaram, talvez temporariamente.

Ainda estou te devendo a leitura de uma certa carta em francês.
Obrigado por existir.

Sete anos

Ontem me parei a ler postagens antigas aqui da Raposa Antropomórfica e finalmente caiu a ficha de que escrevo este blog há sete anos. Claro, umas pausas aqui e outras ali, mas no geral foram sete anos de registros e reflexões sobre ser eu mesmo. Existem muitas ideias realmente bacanas guardadas aqui e muita coisa que ainda me toca, preocupa, anima ou entristece.

Sensação boa de existência =)

terça-feira, outubro 16, 2012

Falta de perspectiva

Estava ouvindo umas músicas antigas e lembrei-me de um episódio que vivi há vários anos. Eu tinha entre 13 e 14 anos, acredito, e fui convidado por um amigo para ir até a sua escola, onde haveria um show de bandas estudantis. Raríssimas vezes eu havia saído de ônibus, acho que não mais do que uma ou duas efetivamente sozinho (descontados os trechos casa-escola, que ainda assim eram raros). Ou seja: para mim, era incrivelmente assustador enfrentar o mundo desta forma e desbravar uma parte desconhecida da vida.

Cheguei na hora em que a banda do meu amigo estava tocando. Lembro de ir caminhando pela rua que levava ao colégio e estar ouvindo a música a distância. Quando me aproximei, confirmei que era a sua banda e aquele momento ganhou um tom especial. No fim das contas, passamos mais algumas horas lá, entre salas de aula, shows de outras bandas e comidinhas. Até uma roda punk rolou, estava na moda. Em alguns momentos, eu conversei com pessoas. Se hoje isso ainda é difícil para mim, que dirá naquela época, em que eu estava ainda mais enclausurado em meu próprio mundinho?

Aí estávamos indo embora, meu amigo e eu. Quando o ônibus se aproximou, um bando de guris veio se despedir de nós. Normal, estávamos todos juntos curtindo a tarde. Um deles, me deu um abraço e um beijo no rosto. Ele era baixinho, cabelo preto comprido, estilo roqueirinho, all star, roupa preta. Aquele movimento singelo - que pode até hoje significar absolutamente nada e ter ficado cristalizado apenas na minha memória - criou em mim uma marca profunda. Até aquele momento, e por muitos anos depois dele, a possibilidade de ser beijado por um menino não fazia parte da minha imaginação.

Como é triste não ser capaz de imaginar que algo seja possível, que possa fazer parte da nossa vida. Até pelo menos meus 19 anos, eu realmente não vislumbrava a possibilidade de amar outros rapazes e de existir sexualmente. Por muito tempo, tive dificuldade de acreditar sequer que eu pudesse ter bons amigos. Trabalhar. Ir a festas.

A vida era algo que não fazia sentido para mim, que eu era incapaz de dar sentido.

O menino roqueirinho plantou uma sementinha. Tivéssemos convivido por mais tempo, talvez o impacto de sua existência houvesse me libertado das amarras da inexistência mais cedo. Eu poderia ter raiva dele, do mundo, de todos que não me deram a mão. Poderia odiar. Já odiei, aliás. Planejei vinganças intermináveis, reviravoltas, momentos em que eu riria da desgraça alheia, que gargalharia frente àqueles que um dia já olharam feio para mim, que já riram de mim.

Aí um dia tudo fez sentido: por que eu queria isso tudo? Que diferença faria? Meus anos de inexistência voltariam? Ganhariam sentido? Não. Talvez tudo o que eu conseguisse seria tirar o sentido da existência de outras pessoas, algo que certamente eu não desejo para ninguém.

Uma vez eu estava reclamando da vida com um amigo. Um dos poucos com os quais eu conseguia conversar, a primeira pessoa que realmente me escutou e ajudou a lidar com o momento em que finalmente entendi que gostava de guris. Ele me disse algo que até hoje faz muito sentido: foi ter deixado de viver tudo isso que me tornou quem eu sou hoje, seja isso bom ou ruim. Eu seria outra pessoa se tivesse vivido outras coisas. Uma obviedade, é claro, mas uma obviedade que a gente frequentemente esquece e deixa passar ou nos afogar em agonia.

Hoje em dia não sinto mais vontade de voltar ao passado e corrigir tudo, ou de encontrar aqueles que me machucaram - não foram poucos - e tecer vinganças. O que sinto é medo de voltar a ser quem eu era, uma pessoa que não vai atrás de seus sonhos, uma pessoa que sequer vislumbra que pode sim ter sonhos. Uma pessoa cuja existência não tem sentido nem para si mesmo.

quarta-feira, outubro 10, 2012

Mapas mentais

Resolvi trabalhar com meus estudantes de Redação Publicitária II uma proposta de mapa mental. O que é isso? É uma representação gráfica que conecta conceitos, ideias, questões, respostas, datas, imagens, livros, sites, enfim, qualquer coisa. Qual o seu objetivo: visualizar e ampliar as nossas possibilidades de raciocínio dentro de um determinado tema.

Como exemplo, observem este que encontrei rapidamente na internet sobre figuras de linguagem. Ele é simples e todas as ligações partem de uma única palavra. É um modo de fazer. Outro exemplo, apesar de inglês, está aqui e apresenta a mesma estrutura de começar a partir de uma palavra ou expressão e ir se desdobrando em várias outras.

Achei no Google Imagens sem referência de autoria...

Com a paciência e intenção certas, é possível fazer mapas mentais que costurem muito mais elementos entre si, inclusive elementos que aparentemente não teriam relação nenhuma. Observem o exemplo a seguir.

Achei aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mapa_mental_da_wikipedia.png#filelinks

Por fim, um último exemplo, desta vez de minha autoria, pode ser encontrado aqui mesmo na Raposa Antropomórfica. Trata-se de um trabalho realizado para uma disciplina. Ao contrário dos mapas que venho mostrando, porém, ele não conecta conceitos, mas sim estabelece uma narrativa a partir de questões, citações e imagens. Eu particularmente gosto do resultado final, embora ache que seja possível torná-lo muito mais complexo e interessante, além de não linear.

Essa é a proposta de trabalho que temos pela frente: construir um mapa mental das possibilidades para campanha de conscientização da prevenção contra AIDS. Para tanto, podemos partir de pelo menos termos centrais: HIV/AIDS e Prevenção. Com o que podemos conectar cada um? Podemos pensar em "prevenção" ligada com "segurança", "consciência", "atenção"... "Segurança" podemos conectar com o profissional de segurança (uma imagem, talvez), com um cinto de segurança, com um capacete de obreiro, com um abraço (que se tivéssemos em algum lugar o conceito de carinho, amor, amizade, poderia também estar conectado aqui). E por aí vai para todos os termos. Esse mapa só para de crescer quando quisermos. O importante é não nos censurarmos, qualquer conexão que fizermos deve entrar no mapa.

Qual a utilidade dele? Permitir que criemos ligações entre elementos que, de outra forma, talvez não passassem pela nossa cabeça ou demorassem muito a passar. Usaremos esses mapas criados para pensar sobre os anúncios e slogans com os quais trabalharemos.

O impulso de publicar

Todo dia eu posto meus sonhos no Facebook, coisa boba, um hábito singelo. Aí hoje eu tive um pesadelo horrível envolvendo as coisas que mais me assustam na vida, e o primeiro impulso foi ir ao computador e relatar detalhadamente o pesadelo. Ao contrário do que faço todos os dias, eu não quero contar a ninguém esse sonho, exceto àqueles que mais confio. É uma coisa tão clara, para mim, que os elementos envolvidos no pesadelo sejam reflexos das coisas que me assustam quando acordado. Aliás, que me tiram o sono. Literalmente, como hoje.

Atualmente estou estudando/pesquisando algumas relações que começam ou se mantêm através do ato de publicar. Especificamente, fotos nuas de si próprio. O que me motiva é compreender as razões que levam as pessoas a se autopublicarem, a construírem uma exposição de seus próprios corpos que atravessa a internet e se torna incontrolável. Não tenho intenções de julgar essas práticas, tampouco considerá-las inferiores a relações construídas tradicionalmente. O que desejo é compreender o impulso e as relações afetivas criadas a partir desse impulso.

Até hoje não fazia sentido, para mim, pensar sobre a subjetividade do ser humano e as suas transformações ao longo dos séculos. Achava, ingenuamente, que isso tinha pouco a ver com o ponto que vivemos hoje. Esse sonho, juntamente com o fato de ontem eu haver me matado preparando para uma prova de concurso numa área que eu não domino, me iluminou a necessidade de repensar a forma com que me relaciono com o mundo e com as informações e conhecimentos. Aí por esses dias li O Show do Eu, de Paula Sibília (informações sobre ele aqui e aqui) e gostei, é um livro ótimo, mas não enxerguei a relação entre os processos subjetivos de construção do eu no passado e como foram avançando até hoje. Ingenuamente, não pensei nessas reflexões como contendo muita ligação com o que eu desejo estudar. No máximo, um histórico interessante.

O que percebi, com esse impulso de publicar, foi a necessidade de ser visto pelo outro para que meus medos ganhem confirmação real, ganhem existência. O que senti foi o desejo de me resguardar, de não expor todos os pedaços de mim, de minimamente manter um pedaço de mim que não é público, que não é para todos os olhos. Não quero que saibam meus medos. Isso me leva a questionar: será que esses sujeitos que desejo investigar também têm esses impulsos e também sentem necessidade de guardar fragmentos de si em um âmbito "privado"? Ou será que, tendo nascido numa época muito mais digital e em rede do que eu, eles não terão se contaminado com formas de ser de um passado não muito distante?

Eu queria ser escritor, ainda quero, e colocar em letras dramas, romances, aventuras e sentimentos. Alguns pensamentos, também, é o que mais tenho feito. O que mais me incomoda hoje é a pergunta: ainda existem leitores? O ato de ler é tão solitário que sarais poéticos me incomodam por serem compartilhados. Contudo, a dinâmica social contemporânea nos requisita que tudo seja compartilhado para se tornar validado. De preferência, rápido. Textos longos sofrem. Para a literatura, me parece que vivemos numa era dos contos, ao invés dos romances.

Sobre os jovens que se autopublicam, então, tenho uma nova questão: o que escolhem guardar para si? Como se constroem suas intimidades? O que é íntimo para eles? Acabei de perceber que eu tenho algo que seja íntimo para mim e que o é não por vergonha, mas por medo do mundo. Não quero que as pessoas saibam como me fazer mal. É diferente de postar fotos nuas minhas na internet, isso é simples e nunca me doeu. Eu não quero validar meus medos, não quero que eles sejam parte de como o mundo me enxerga. No fim das contas, continua sendo tudo sobre essa autopublicação, esse mostrar-se ao escrutínio do outro. O olhar do outro ainda é o que me dá existência. Certamente tenho muito mais a pesquisar!

segunda-feira, outubro 08, 2012

Como a gente sabe quando não sabe de algo?

A pergunta do título é capciosa. Talvez o mais próximo de uma boa resposta seja: "a gente não sabe". É como perceber que algo não está lá: precisamos ter algum motivo para suspeitar que algo deveria estar lá.

Darei um exemplo a fim de iluminar a questão. Hoje estava eu em casa e resolvi colocar roupa na máquina de lavar. Coloquei, liguei e ela ficou lá fazendo seus barulhos irritantes. Eu, obviamente, fui tratar de outros afazeres e, por isso, desliguei da minha atenção aquele ruído que nunca parava. Até que veio o silêncio, que alívio! Somente horas mais tarde me dei conta de que havia algo de errado. No caso, o silêncio, pois a casa deveria estar repleta de barulhos.

Contudo, eu só pude estranhar o silêncio porque sabia que houve ou deveria estar havendo ruído. Essa é a grande questão do conhecimento: a gente só percebe o que conhece, o que sabe que está ou pode estar lá.

Achei essa imagem no http://www.apseudociencia.com/2011/03/vamos-falar-de-coisa-seria.html

Vou tentar outro exemplo, também da minha própria experiência. Recentemente fui assistir à defesa de mestrado de uma amiga na antropologia. Ela escreveu o texto no feminino e utiliza "escurecer" ao invés de "esclarecer", duas decisões linguísticas de ordem política. Em resumo, a língua é construída historicamente e carrega preconceitos e relações de poder, transparecendo e reforçando preconceitos. É o caso, por exemplo, da língua ser manifestamente machista, uma vez que um grupo composto por oito mulheres e um homem ainda deverá ser chamado de ELES, não de ELAS. A presença de um pênis é suficiente para anular invisibilizar qualquer feminino.

Depois da defesa da minha amiga, saí conversando com outros amigos justamente sobre esses usos políticos da linguagem e, em particular, os dois exemplos que citei. Disse que concordava com o uso do "elas" para grupos majoritariamente compostos por mulheres, mas que não via sentido para o uso de "escurecer" no lugar de "esclarecer". Nesse momento, meu amigo lançou a pergunta: não seria possível que eu não concordasse com o "escurecer" por falta de embasamento teórico? A razão pela qual eu consigo compreender e concordar com a troca do masculino pelo feminino é, justamente, eu saber das pressões e conflitos existentes nesse campo. Será que, por eu não ter interesse em estudar questões relacionadas a racismo, isso impacta negativamente na forma como eu enxergo movimentos sociais étnicos?

Aí, buscando imagens para essa postagem, cruzo com essa e, por curiosidade, resolvo olhar o site de onde ela veio.

Imagem encontrada em: http://materdei1.blogspot.com.br/2012/09/memes-catolicos-contra-revolucao-2-parte.html

Confesso que me sinto enojado de colocar essa imagem na Raposa Antropomórfica. O mundo é o que a gente acredita que ele seja. Se a pessoa que fez essa imagem e que a compartilha defende que não é homofóbica, apenas não concorda com essa "baixaria", isso diz muito de como ela pode se relacionar com sujeitos que estejam envolvidos com essa "baixaria". Diz muito, também, sobre o quanto essas pessoas estão abertas ao diálogo, a ouvir e, principalmente, a considerar o outro como um ser humano.

Aí a pessoa diz que não é homofóbica. Claro, a gente sabe que essa é uma palavra pesada e que não é legal estar associado a ela. Contudo, a pessoa diz ter vergonha na cara - os viado não têm - e não concordar com "essa baixaria". Até que me provem o contrário, "essa baixaria" da foto é um bando de gente caminhando por uma avenida, dançando com músicas animadas e pedindo reconhecimento social. Se a ideia era reclamar de outras coisas - das quais estou ciente porque estudo -, então faltou apontá-las.

Isso me preocupa. Existem inúmeras coisas que eu não sei, mas que mesmo assim configuram a forma que eu me relaciono com o mundo. Aquilo que eu enxergo depende daquilo que eu sei, daquilo que eu acredito que é certo. Posso ver uma marcha de orgulho ou uma baixaria. A conclusão óbvia é que não importa o que realmente está ali, importa a maneira como o que está ali será interpretado. O que eu posso fazer sobre isso? Não sei. Quero ser o cara aberto e legal e dizer "vamos ouvir os outros", mas não quero ouvir quem venha me falar de violência e preconceito. Também não quero ouvir quem se dispõe a atacar, muito mais do que defender. Isso tudo muda o meu mundo, muda o que eu percebo, o que eu sei que está certo e o que eu sei que está errado. Mais que tudo, eu sei que saber não significa nada. Saber é acreditar.

No fim das contas, é só isso: saber é acreditar. Se eu sei que algo está faltando, é porque eu acredito que algo deveria estar ali. Seja o barulho de uma máquina de lavar, seja respeito às mulheres. O que me incomoda é que eu estava pronto para recusar o "escurecer" sem qualquer reflexão mais aprofundada simplesmente por achar que não está certo e ponto. Sem pensar sobre. Sem discutir. Sem nada.

Simplesmente por acreditar que a forma que eu entendo o mundo é a forma correta de se entender o mundo. Não é muita arrogância? Já falei disso por aqui antes, quando discuti o que é etnocentrismo. Não acho que tenha sido suficiente. A gente pensar uma vez na diversidade não nos torna defensores dela. O tal do pensamento crítico não é algo que se tem ou não, é algo que se pratica, que se vive. Aliás, me parece que é algo que devemos aprender o quanto antes: não somos, estamos.

Como, então, a gente sabe quando não sabe de algo?
Não sabe.
O que posso recomendar, no fim das contas, é que estejamos abertos a ouvir e a perceber coisas que até então não sabíamos que estavam lá. Se vamos concordar ou não, acreditar junto ou desacreditar, isso é o de menos. Ouvir, estar aberto a ser tocado, sentir-se humilde o bastante para não ser aquele que tem o domínio da verdade, esse sim é um exercício difícil, mas necessário para um mundo mais justo. A parte triste disso tudo é que as palavras desse blog só farão sentido para alguém que esteja disposto a ir atrás de um mundo mais justo.

Você não soube me amar

Tem aquela música do Blitz, Você não soube me amar. Acho linda, sempre gostei. Só que tem algo que me irrita nesse "saber amar", algo que nesse fim de semana ficou muito (mais) claro para mim: se relacionar não é um, são dois. Não basta que uma pessoa ame perdidamente se a outra não tiver interesse. O mesmo vale para diversos níveis do gostar, eu posso amar muito, mas se meu outro só me ama de levinho, a coisa estará com dificuldades.

Outra música que eu gosto muito é Miss you love. Acho que é do Silverchair, mas eu ouço a versão do Damien Rice. A conheci ainda em 2010, quando me apaixonei por um menino que amava o jeito que eu o amava, mas não me amava de volta. É simples assim: eu queria casar, namorar, ter trinta e sete filhos, ficar junto o tempo inteiro. Ele queria... bem, até hoje não sei o que ele queria, mas não era isso tudo, era outra coisa.

É a mesma coisa que acontece todas as vezes em que queremos algo e a outra pessoa não. Ou quer diferente. Amizades funcionam porque as pessoas decidem que querem a mesma coisa para si, ou estão dispostas a compartilharem suas vidas num nível semelhante com outra pessoa. Amizades acabam quando isso não faz mais sentido. O mesmo vale para amores, namoros e ficadas, excetuando a parte em que nos investimos mais, damos emoção e atenção em níveis maiores.

Talvez seja por isso que suspiramos tanto por histórias de amor: sabemos que são possíveis, mas tão incrivelmente raras! Ainda assim, esperamos que cada troca de olhares possa nos levar àquele estado de suspiros e palpitações, que cada beijo possa transformar a maneira como vivemos. Ai, ai, esses relacionamentos... O que me deixa mais chateado é saber que não tenho culpa por não amar, e triste por saber que quem não me ama também não tem.

sexta-feira, outubro 05, 2012

Escrevendo por aí

Essa semana duas ocorrências me deixaram espantado e ao mesmo tempo maravilhado com o mundo e com as possibilidades de que uma voz se propague.

Na primeira, um rapaz com quem eu troquei algumas mensagens em uma "rede social" secundária descobriu a Raposa Antropomórfica e comentou sobre ela. Assim, do nada, navegando pela internet. Na segunda, uma moça que lê a Raposa há tempos descobriu, nas fotos do último post, que eu sou amigo das amigas dela.

Acho que é isso que me fascina na vida: essa potência de improbabilidade. É, também, o que me inspira a falar, escrever e viver na internet: ela é real, ela marca, ela amplia alcances. Eu estava tão desacreditado de continuar escrevendo virtualidades, mas aí aparecem na mesma semana duas pessoas que me leem e eu nem sabia! Isso me deixa pensando: o quanto a gente pode saber do que realmente acontece? Quero dizer, eu dou aula, o quanto eu posso saber do que meus alunos pensam de mim e da minha aula? O mesmo vale para relacionamentos: o que a outra pessoa pensa? O que ela expressa? Ao mesmo tempo que a vida tem essa teia de relações e ligações altamente improváveis, também é invisível.

x x x

Eu sempre quis ser um escritor. Acho que, desde criança, essa é a única certeza que nunca mudou. "Quero ser um escritor famoso". Meu padrasto pegava no meu pé, por que tinha que ser famoso? Eu não entendia aquela história de que se eu fosse um bom escritor, ser famoso seria consequência. Na minha lógica de criança, era óbvio que não. Acho que foi na faculdade que percebi que eu não era único, que outras pessoas passavam pelas mesmas coisas que eu – em medidas diferentes – e principalmente que eu não era o único capaz de escrever. Tampouco necessariamente o melhor a dominar as letras e as palavras. Isso acabou comigo e, paralelamente, com as minhas escritas.

Aí do nada surge um leitor e diz que foi tocado pela minha escrita. Do nada, dois dias depois, surge uma leitora e diz que me acompanha há tempos. Preciso mesmo dizer o quanto isso é importante para mim?

quarta-feira, outubro 03, 2012

Babá de gata

Eu sou um cara versátil, ainda mais atualmente (ah, essas piadas internas). Além de trabalhar como revisor, tutor e professor, também ofereço serviços como babá de gata. Para provar, algumas fotos =)





Tá bom, essa última é meio comprometedora, mas não me denunciem, OK?

terça-feira, outubro 02, 2012

Decisões esquisitas

Estou pensando em iniciar um site próprio, fora das regras do blogspot ou do wordpress. A razão é simples: sites dedicados a temas como nudez e sexualidade têm sido apagados sem maiores explicações dentro do blogger e isso é, para mim, um problema, pois pretendo lidar com esses assuntos cotidianamente. Pesquisando preços e possibilidades, até que tudo está dentro do que eu esperava. A questão é: terei eu a motivação para justificar o abandono do blogger e rumar para um espaço próprio? Será que esse é um investimento que vale a pena, financeira e qualitativamente?

Ai, ai...

sexta-feira, setembro 28, 2012

Essa coisa de sonhar com o futuro

Atualmente dar aula tem sido a minha vida. Eu leciono cinco disciplinas e oriento dois TCCs. Há cinco anos, esse era o lugar em que eu queria estar. Já no fim da graduação, decidi-me por não ser jornalista atuante. Sem saber exatamente para onde ir e por conta de uma série de experiências pessoais – várias das quais estão relatadas aqui na Raposa Antropomórfica , decidi ser professor. Eu queria mudar pessoas. É, isso mesmo, eu acredito em ir lá e fazer a diferença na existência de uma criatura. Ou duas. De preferência todas, mas não sejamos gulosos. Planejei um caminho –  que era mais ou menos óbvio, especialização e mestrado – e cheguei ao meu lugar desejado.

É nisso que eu penso quando vejo o pessoal que estuda comigo. Eles têm interesses, sonhos e vontades que estão com a mesma energia e determinação que eu tinha anos atrás. Eu acho isso admirável, essa fome de vida, essa vontade de fazer com que a vida aconteça. Se tem uma coisa que eu quero fazer, como professor, é o possível para que esses sonhos estejam sempre mais próximos. Tá, eu também quero ensinar a minha matéria, mas vamos fingir que eu não disse isso. A questão é: o que eu posso fazer pelos sonhos dos outros? Não sei. Por enquanto, acho que eu posso minimamente divulgar. Se tem algo que eu acredito sobre alcançar as coisas, é: as pessoas precisam saber de nós, ouvir falar que nós existimos, que nós queremos algo que elas podem nos oferecer. Essa é a minha (pequena e talvez só primeira) parte.




quinta-feira, setembro 27, 2012

A montanha russa da vida docente

Eu realmente acredito que as nossas emoções são muito mais fortes e impactantes nas nossas decisões do que o nosso aparato racional. Sério. Exemplo? Aquele dia em que tu tinha que trabalhar, mas acordou tão indisposto por haver terminado um relacionamento de dois anos e meio no dia anterior que tudo o que conseguiu foi virar para o lado e dormir. Ou aquele clássico momento de absoluto tesão e pegação firme em que se percebe que as camisinhas acabaram.

Nossas emoções não são somente nossas. Como tudo na vida, elas são compartilhadas. Se eu estou com raiva de alguém, há uma larga probabilidade de esse alguém ter feito algo que despertou essa raiva. Não quero entrar no mérito de ser certo ou errado ficar raivoso por A ou B, mas sim apontar a interação humana como fundamental para a nossa regulação emocional.
Fonte: http://chrisbonney.deviantart.com/art/reflecting-anger-63866549
Aí entra em cena a minha vida docente. Que, como o título dessa postagem sugere, está sendo cheia de altos e baixos, movimentos vertiginosos, tonturas e excitações. Eu amo e me empolgo a ideia de trazer algo para um grupo de pessoas interessadas em esse algo. O cenário ideal da educação. Acontece que, muitas vezes por motivos que não dizem respeito a mim, nem todas as pessoas que estão lá toda semana estão interessadas em discutir e pensar sobre as questões que tento levantar.

Como um sujeito típico, eu sou influenciado pelo desânimo alheio e pela falta de interesse naquilo que estou propondo tanto quanto pelo brilho nos olhos, pelas conversas de intervalo e pelo retorno positivo. Como aluno, eu sempre tentei lembrar os professores dos quais eu gostava que eles estavam fazendo um bom trabalho, que estavam se esforçando e tal. Sendo essa a minha primeira experiência docente em uma sala de aula física – até hoje trabalhei muito com educação a distância –, as críticas e os embates em sala de aula têm um impacto maior do que imagino que terão dentro de dez anos. Eu olho para minha metodologia de ensino, para minha performance na frente da sala e para as propostas de trabalhos e atividades e me pego pensando se não deveria fazer diferente, se funcionaria em outro contexto, o que eu preciso fazer para encantar as pessoas.

Segue na minha imaginação aquela figura do professor que estimula os alunos, que é tão energético e sabedor que consegue transpirar excitação e transforma o ambiente educacional – a sala de aula – em algo realmente legal e empolgante. Já tive professores assim, sei que eles existem. A diferença é que hoje, ocupando o papel de professor e tentando viver o papel deste professor encantador, fica cada vez mais óbvio para mim que eu não sou capaz de fazer isso sozinho. Aqueles que me encantaram o fizeram porque eu estava aberto ao encanto. As matérias que me motivaram um dia já mudaram, as que não me atraíram começaram a despertar interesse tempos depois. Eventualmente alguém que esteja contigo na sala de aula se sentirá atraído pelo que está acontecendo ali. Sentir-se, aliás, é a palavra principal aqui.
Imagem do filme A Sociedade dos Poetas Mortos
Ontem, na aula de Gestão, insisti que os estudantes localizem suas paixões, aquilo que os movem a quererem acordar de manhã e irem para a vida. Eu sei o que me motiva a ser professor e é justamente a dependência da aprovação de outrem que me machuca. Eu quero abrir portas para outras pessoas, portas que eu queria que outros tivessem aberto para mim antes. Indicar caminhos que, se percorridos mais cedo, talvez tornem uma vida mais feliz antes. Agora, não amanhã, não daqui um ano.

Tem sido difícil acreditar (o tempo inteiro) que isso pode acontecer. Acredito em alguns momentos, desacredito em outros. Eu queria a ilusão da crença plena, confesso. Infelizmente, ela não está acessível. Depois que a gente aprende algo, não tem como desaprender. Depois que a gente começa a ver que algo está lá – incomode-nos ou não –, esse algo não desaparece. Não é curioso que eu ainda tenha dúvidas de por que as pessoas resistem a aprender?

sábado, setembro 22, 2012

Ataca no gol?

Essa é daquelas que eu sempre tive medo, mas não vivia há décadas. Bem, há uma década. E meia. No meu sonho desta noite, era um dia de jogo de futebol, Brasil x Argentina, algo corriqueiro e desinteressante para mim, não fosse o fato de que vieram me perguntar se eu atacava no gol. Eu. Futebol. Seleção brasileira. Aí fui lá e fiquei no gol. Defendi várias, mas sempre espalmando as boladas e devolvendo-as - inadvertidamente - para os jogadores argentinos. Era um massacre emocionante, cada defesa corrida e suada e com pulos imensos, mas sempre cometendo um erro e a bola não indo longe o bastante, não indo para o lado certo e assim por diante. Por fim, acabei levando um gol e me dirigindo ao rapaz que havia me indicado para jogar. Afirmei fortemente - e foi quando começou a chover, se é que isso importa - que eu precisava treinar mais, estava decidido a não viver aquele fracasso de novo. De pronto, acordei.


Eu não quero psicologizar nada, mas não deixo de remeter isso à quinta série, quando fui pela primeira vez perguntado "ataca no gol?" e acabei aceitando, mais por não saber o que iria acontecer do que por sim, ser um bom goleiro. Em questão de dez minutos, todos meus colegas do colégio entenderam que eu não era uma pessoa para jogar futebol. Em questão de dez minutos, levei uns cinco ou seis gols e acho que não defendi nada. Assim começou minha rica relação com o futebol: sempre que tinha jogo, no time em que eu estivesse, eu era o goleiro. Aos poucos, fui melhorando. Nunca fui bom, aquele que as pessoas pensavam "nossa, vamos jogar, mas o Tales fica no gol". Contudo, eu fui deixando de ser tão ruim, de ser simplesmente uma pessoa que fugia da bola.

Essa, contudo, não é uma história de superação pessoal.
É, na verdade, uma história de alguém que morre de medo de falhar e que hoje em dia prefere não entrar na frente de uma goleira se não acreditar que tem condição de defender alguns, senão todos, chutes. Agora sim psicologizando, isso é algo que quero mudar em mim, esse medo de tentar. Aos poucos, vou criando coragens e desafiando esses meus medos, mas nem sempre funciona. Fico feliz que no meu sonho desta noite eu tenha decidido treinar e me esforçar, ao invés de dar de ombros e aceitar que não sei jogar. Já fiz tanto na vida real que até o meu inconsciente já está de saco cheio.

sexta-feira, setembro 21, 2012

Aaron - U turn



Essa música é do filme Não se preocupe, estou bem. Uma boa pedida para casais, pessoas levemente entristecidas ou em necessidade de soltar lágrimas. É o tipo de música e de filme que te lembram que, algumas vezes, tu está sozinho, mas que, mesmo sozinho, outras pessoas estão lá por ti.

Não entendo meio termo

Eu não sei ser sutil. Não que eu ache desimportante ser sutil, pelo contrário. É simplesmente algo que eu nunca aprendi e que agora me faz falta. Se eu tenho algo a dizer, eu geralmente digo tudo sem lubrificante ou não digo nada, para evitar problemas. O oito e o oitenta funcionam fácil, aqui, mas o trinta e cinco, não. Aí tem uma pessoa que não é o que eu queria que ela fosse: eu me fecho. Aí tem um amigo que vai se afastando e eu vejo isso: eu me fecho. A alternativa é agressiva demais, é gritar "tu está indo embora da minha vida, se continuar assim estamos acabados!". Bem, é o que vejo, é o que sinto. É o que eu não queria ver nem sentir, mas se for para manifestar, manifesto gritando. Tenho vontade de perguntar "é isso que tu quer?", quando na verdade nem sei se a pessoa sabe que está fazendo isso. E se souber e quiser, dói mais ainda.

Essa coisa de não saber jogar com o meio termo também é um problema nas minhas relações. Se eu te quero pra amigo, te quero pra amigo agora, para sempre e com tudo. Alguém uma vez disse que o que lhe cativava era perceber que confiavam nele. É assim comigo: a confiança me anima, me aquece, me conforta. Saber que tu escolheu conversar comigo, falar o que não falaria para outros, tudo isso me dá um ar de importância, um ar de tempo dedicado. Eu retribuo isso. Ao mesmo tempo, ver e sentir e saber coisas que estão ali, mas não são ditas nem compartilhadas me dói, me dá vontade de afastar, de voltar para um mundo que seja só meu e que não dependa da vontade dos outros.


Acho que era por isso que, quando criança, eu gostava tanto de escrever. O mundo transcorria como eu queria, como eu desejava. Eu estava plenamente no controle. O mesmo acontecia com os jogos de RPG. A única coisa que nunca se confortou em me obedecer foi a vida, o resto dos humanos. Aí tu conhece uma pessoa e ela te promete mundos, mas nem aparece de novo para cumprir. Aí tu conhece outra e acha que estabeleceu uma relação de abertura, mas na verdade existem muitas pontes quebradas.

Eu não sei ser 50%, 95% também não me serve. Para a minha vida, só rola quem quer os meus 100 e, em troca, também dá 100.

É pedir demais, esperar um mundo no qual as pessoas se entreguem como eu estou disposto a me entregar?

quinta-feira, setembro 20, 2012

E se?

O que aconteceria se eu pudesse usar um espaço virtual para a elaboração de uma disciplina de metodologia científica? Um blog, por exemplo, que servisse como coletânea de produções estudantis e, ao mesmo tempo, de espaço para trocas de materiais? Seria útil? Ou seria apenas mais uma ideia perdida? Pensando bem, creio que disciplinas como produção gráfica e redação publicitária teriam maiores utilidades para um espaço virtual colaborativo.

Reflexões, reflexões!

quarta-feira, setembro 19, 2012

Apenas um comentário

Percebi agora duas coisas: primeiro, disciplinar o (uso do) tempo não é lá tão difícil; segundo, a gente realmente não enxerga aquilo que não sabe que pode enxergar. Não é a mesma coisa que dizer que os índios não viram as caravelas, pois isso seria uma impossibilidade física. Contudo, eles podem não ter tomado consciência do que elas eram - ou sequer prestado atenção nelas - até que estivessem próximas e evidentes demais para serem ignoradas. Ah, as maravilhas da percepção e do conhecimento!

sábado, setembro 15, 2012

A experiência de ser professor

Nesse semestre, pela primeira vez, minha experiência com a educação não está na posição de aluno ou na de tutor. Como aluno, a maior parte do meu trabalho era cumprir exigências e tarefas propostas por professores, de preferência alcançando os requisitos mínimos que eles determinavam. Nem sempre as estratégias pedagógicas faziam sentido e muito do que eu "aprendi" ficou para trás sem deixar marcas mais permanentes na minha memória.

Como tutor, a maior parte do meu trabalho foi ficar entre os professores e os alunos, cumprindo os pedidos dos docentes e tentando estimular os estudantes a se engajarem com as atividades. Não é uma tarefa exatamente simples, pois envolve motivar os sujeitos a quererem aprender. Ou melhor, a quererem estudar e lidar com os desafios propostos; aprender é outra história.

É justamente por saber que aprender é outra história que tem sido tão difícil atuar como professor. Enquanto como tutor eu podia passar os descontentamentos adiante, desviar das reclamações e meramente cumprir ordens, como professor eu sou a pessoa que planeja e executa. Além disso, sou a pessoa que lida com as irritações e frustrações dos estudantes. No meio de todas essas questões está a dúvida: o que fazer para que os alunos aprendam?

Eu sei zilhões de teorias que respondem a essa pergunta, de uma forma ou de outra. Entendo que tenho que motivá-los. Ou ajudá-los a encontrarem suas motivações por conta. Sei que tenho que oferecer coisas que façam sentido para suas vidas. Que encaixem nas suas visões de mundo. Aprender contrariado não é fácil e dificilmente aponta para o lado que o professor deseja.

Não é, portanto, apenas uma questão de saber exatamente o que está fazendo, de ter domínio de um determinado campo do conhecimento. Nunca foi. É questão de dar a mão para esses sujeitos que estudam comigo e, com a confiança (deles) de que vou levá-los a um lugar diferente, ajudá-los a atravessar essa ponte que é minha disciplina. Nem todo mundo quer ir a esse lugar diferente. Nem todo mundo quer pegar na minha mão. Alguns preferem nadar, ao invés de cruzar a ponte. Outros preferem ficar onde estão. E se, no fim das contas, não houver nada que eu possa fazer a respeito de quem não quer a ponte? E se, no fim das contas, tudo o que eu posso fazer é tornar a ponte o mais segura possível, para que a maior parte consiga passar?

Tenho medo de um dia perder essa preocupação.

quarta-feira, setembro 12, 2012

Entre temporadas

Silenciosamente, sem avisar ninguém, acabou uma temporada. Nada de grandes finais, nada de emoções muito exageradas. Bem, talvez algumas. É, certamente algumas. Mais uma temporada encerrada, empregos, estudos, tudo isso concluído. Um amor antigo desenterrado e tirado de cenário. Uma paixão fora de lugar devidamente guardada na gaveta a que pertencia.

Assim, também silenciosamente, uma nova temporada nasce. Com dúvidas sobre o futuro, muitas. Com preparações para uma mudança drástica de cenário. O que virá? Não sei, ninguém sabe. Gostaria de saber, mas estou feliz. Eu genuinamente estou feliz. É o começo de uma nova temporada!

terça-feira, agosto 14, 2012

O segredo das raspas de limão



Fiz guisado com raspas de limão. Muitas. Desde que comecei a cozinhar, o meu problema tem sido basicamente temperar as comidas. Desde quarta-feira passada, porém, quando tive minha primeira aula de culinária, isso começou a mudar. Não é um curso nem nada: é uma amiga se dedicando a me ajudar. O lado (ainda mais) bom é continuarmos perto, convivendo e nos afetando.

Amanhã será noite de massas e vinho. Ou vinhos. Quando questionado, disse que queria aprender molhos, pois eles são a minha grande fraqueza. Acho que esse é o modelo de escola que eu queria para a vida: tu encontra alguém que queira e possa te ensinar, tu te aproxima, te aninha e aprende pelo convívio, pela disposição em compartilhar o que se sabe com alguém que quer aprender. Ah, filosofias!

E sabe que, de tanto olhar, até estou apreciando a foto?

domingo, agosto 12, 2012

Eu tive um sonho

Meus sonhos e minhas lembranças do que sonhei não costumam ser tão organizadas como os de hoje. Começou tudo com um lago e pessoas nadando e um menino que eu conheci brevemente em um evento aqui em Goiânia. Como ele não mora aqui, não tivemos muita chance de conviver, tampouco de desenvolver as potencialidades da nossa relação. Sempre fico pensando o que viraríamos, se amigos, se namorados, se desconhecidos. No sonho, entrei no lago com ele, que estava também com a família, e passamos algum tempo nadando juntos, conversando e tal. Embora o "e tal" possa ser considerado, em certos círculos, como pornográfico, foi bastante leve, muito mais fofo do que hardcore. No sonho eu tinha meu atual celular, que estava no meu bolso e por isso não molhou (?). Aí no meio da coisa toda eu parei para mandar um e-mail e verificar a situação do presente de formatura de um amigo. Como nada estava se resolvendo, dei um pulo na casa do irmão desse amigo e conversamos sobre os presentes possíveis, quem faria o quê etc. Não fosse o bastante, ajudei a mãe do moço do lago a encontrar um restaurante, ao mesmo tempo em que fui na casa do meu pai, que no sonho tinha uma loja (online?) de carpintaria.

Ou seja: meu sonho foi louco.

sábado, agosto 11, 2012

O segundo sol - Cássia Eller



Hoje estou pensativo, e o CD da Cássia Eller só está ajudando. Ouvi essa música pela primeira vez em um passeio de carro com a minha família. Estávamos cruzando uma cidade que estou em dúvida se é Novo Hamburgo, Cachoeirinha ou São Leopoldo. Eu ainda achava até uma semana atrás que ela cantava "derrubando com as sondas de Antar", e não "com assombro exemplar". Antar, Antares, sabe?

Essa música sempre me remete a algumas lembranças de escola, particularmente por volta da sétima série. Eu era ainda BV. É, Boca Virgem, nunca tinha beijado ninguém e, como qualquer criança da minha idade, isso assumia proporções absurdas de pressão e desejo de deixar de ser. É como não saber falar de sexo após uma certa idade - dependendo do contexto, a partir dos treze ou catorze, se tu ainda não te gaba sobre haver transado, tu é virgem e todos vão rir -, o que eu certamente passei muito tempo sem saber. Aí ocorre que um dia eu tinha aula de Educação Física e o céu ficou verde. Sim, verde, pergunta para qualquer colega meu e eles vão afirmar com veemência que também lembram dessa mesma tarde. Eu acho tão espantoso que as pessoas ainda lembrem disso, mas pelo menos não foi uma alucinação apenas minha. Por volta do mesmo período havia uma previsão de Nostradamus de que o mundo acabaria. Acho que acabaria inclusive naquele dia. Ou seja: céu verde, mundo acabando.

Minha tarefa na Educação Física era, junto com as meninas e os garotos que não curtiam futebol, ficar dando voltas na quadra. Tudo bem, era até divertido aquele momento de caminhada conversante. O que não era divertido eram as perguntas do tipo "o que fazer se o mundo for mesmo acabar hoje?", que pululavam entre meus colegas. Eu não queria confessar o que estava na minha cabeça o tempo inteiro: beijar aquela colega que eu tanto gostava. Sim, aquela, pois nessa época era inconcebível para mim querer ou desejar um menino. (Bem, não tanto inconcebível quanto impossível de pensar. Eu sabia que tinha tesão, que queria, que isso me atraía e que eu até tentaria avançar sobre um ou outro moço, sempre sem sucesso, mas não conseguia manifestar isso linguisticamente nem mesmo para mim. Era esquisito, ainda preciso estudar mais sobre isso.)

Fiquei um bom tempo naquele dia ensaiando como me aproximaria da dita colega e lhe beijaria. Não seria possível falar, pedir, ela talvez quisesse outras pessoas. Ou quem sabe me amasse tanto quanto eu a ela, óh!. Sério, a Disney e a Sessão da Tarde contaminavam muito o meu entendimento do que era amor e como ele se processa. Não que eu saiba hoje, verdade seja dita. Cheguei à conclusão de que eu não sei me relacionar com pessoas. Não sei ser namorado, não sei ser amigo, só sei ser eu e estar aqui, o que muitas vezes não é suficiente. Há quem goste, verdade, mas eu sinto que deveria fazer um esforço, algo voltado para isso, mas simplesmente não acontece. Passa despercebido. Ou só percebo depois. É, eu sempre percebo depois. Em alguns casos, anos depois.

Pensei tudo isso enquanto esperava a água temperar. Sério, eu deveria pagar meu chuveiro como se fosse um analista.

Traçados de uma ingenuidade infantil

Certa vez recebi um trabalho corrigido, isso já no primeiro semestre da faculdade, no qual o professor me chamava de ingênuo. Esse sempre foi provavelmente o adjetivo que mais me ofendeu ao longo de toda a vida, basicamente por ser uma afronta ao meu (autodeclarado mais que suficiente) intelecto. Tudo bem, minha escrita tinha um quê forte de ingenuidade, mesmo. Afinal de contas, que propriedade tinha eu para afirmar que fumar não envolvia absolutamente nada de prazer, eu que nem havia chegado perto de um cigarro até então e que passava meus dias sentado no meu quarto brincando com Comandos em Ação?

Aí fui agora tomar banho ao som de Cássia Eller, mas resolvi não abrir o chuveiro enquanto curtia a Malandragem. Já cantei tantas vezes essa música, gosto dela sobremaneira e especialmente a parte do "eu ando na rua, eu troco um cheque". Por quê? Ora, lá pela terceira ou quarta série, numa aula de Português, a professora nos pediu que fizéssemos uma apresentação de teatro. Era em grupo, então aconteceu de um dia eu sair de casa e ir encontrar meus colegas. Lembro nitidamente que meu colega se atrasou um tanto grande, ao ponto de me irritar. Eu tinha horário para voltar para casa, mais de uma vez tive que pedir uma extensão a algum responsável (tia, mãe, padrasto, não lembro quem era) em função do trabalho de escola. Quando meu colega chegou, combinamos que faríamos como o Sai de Baixo, em que os atores improvisavam. Oi? Chegou o dia da apresentação e lá eu fui com meus colegas. Apaixonado pela Malandragem da Cássia Eller, eu havia feito um cheque de papel e umas notas de dinheiro, também desenhadas. E sim, em meio àquela confusão que foi a nossa "peça", eu disse "vou trocar um cheque", mostrei o papel e saí da sala. Depois voltei todo pimpão com minhas notas de dinheiro desenhadas, e ainda mostrei à professora orgulhoso do meu feito. Aquilo, para mim que nem entendia direito a noção de dinheiro, era enorme. Fico em dúvida se ela percebeu isso, resolveu que era um momento meu e deixou-me vivenciá-lo, ou se era simplesmente despreocupada com aquela atividade e estava apenas ocupando seu e nosso tempo para que o ano passasse.

Nessas coisas de escola as memórias são muitas. Uma vez a professora saiu da sala, mas não sem antes proibir um colega de ir ao quadro para responder a um exercício. Ele insistiu em querer ir e eu, prestativo e confiante na autoridade da professora, tentei segurá-lo. Eu realmente fiz força para obedecer e fazer cumprir as ordens da docente. Ignoremos brevemente o fato de que força era algo que eu não tinha (acho que ainda não tenho, fique registrado). Aliás, ignoremos de todo, sim? Naquele instante tudo o que fazia sentido era parar o menino, impedi-lo de ir ao quadro. Já gastei várias horas da minha vida adulta tentando compreender o que se passou naquele dia, que mecanismo poderoso de coerção (ou de inspiração) a professora tinha sobre mim.

Um último exemplo, esse dos mais irritantes. Acho que já o contei aqui na Raposa Antropomórfica, mas se o fiz, foi há mais de dois ou três anos. Estava no centro da cidade com meu irmão e aquele que na época era o seu melhor amigo. Ele decidiu fazer um experimento e mostrar algo engraçado ao amigo. Claro, o alvo da brincadeira era eu. Lá estava eu, cuidadosamente atento a seguir meu irmão em meio àquela multidão. Não sabia bem como proceder caso o perdesse de vista. Aliás, sempre morri de medo, quando pequeno, de me perder de quem estivesse me guiando, já que aquela manada de gente e de prédios imponentes mais me assustava do que se explicava. Eu era uma criança assustada, ao ponto de querer chorar num dia que me soltei da mão de minha mãe e caminhei mais rápido que ela, passando então a não mais a enxergar e sentir-me, por alguns segundos, completamente perdido na vida. Bem, de volta ao meu irmão. Ele disse, e eu ouvi, algo como "olha isso", apontando para mim. E saiu caminhando. Eu, claro, fui atrás. Ele deu a volta em uma velha que estava ali parada e eu fiz o mesmo. O amigo riu. O irmão riu. A velha reclamou: "nessa idade e ainda não sabe andar sozinho". Nem sei para onde estávamos indo, só sei que guardei essa memória com tanta força (e raiva) que até hoje ela me incomoda.

Viram? Eu era um anjo!

Estou aqui mencionando todas essas peripécias para sustentar um argumento: acho que ainda hoje não deixei de ser ingênuo. Acho que, na verdade, nunca deixarei. A única coisa é que hoje eu troquei ingênuo por sonhador, por distraído. Há quem pense que eu não me importo com as pessoas - e eu bem que repito isso para parecer malvado -, que eu não sairia do meu caminho para interferir (positivamente) na vida de outrem. É bem verdade, mas não por consciência ou vontade. É simplesmente por não saber como, qual é o momento que pode, qual que não pode. Aquela coisa de não dançar para não chamar atenção, para não ser risível. Ingenuidade e medo, isso sou eu. Eu acrescentaria "paixão" a essa fórmula, mas ultimamente são poucas as coisas que têm sustentado um fervor que mereça esse nome. As aulas, agora, acho que estão sendo dignas dessa intensidade. A questão é: e o medo de falhar? E a dúvida se eu não estou sendo menos do que deveria, mais distraído do que deveria, menos rápido e esperto do que deveria?

Deveria. São as tais das ideias prontas (tradicionais, absorvidas da experiência etc) que me contaminam e me fazem observar o que delas eu não tenho. Inseguranças. Aliás, não é medo, é insegurança. Eu não tenho medo de fazer as coisas, apenas não acho que elas vão dar certo. É bem diferente. E arriscar nunca foi meu forte, porque implica sair do campo seguro da distração (ingênua) e avançar sobre outros mundos, outras realidades, outras pessoas.

Ai, essas reflexões antes do banho... Deixa eu correr para debaixo do chuveiro, agora, pois estou com um leve friozinho.
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