quinta-feira, dezembro 06, 2012

Só não pode ficar calado

Quando criança e adolescente, eu era franzino, tímido e não muito social. Até a oitava série, pessoas do ensino médio passavam por mim e me xingavam. Havia um menino – pelo qual eu desenvolvi um misto de nojo e ódio – que passava por mim e chamava de bixa, que tinha um olhar pesado, um olhar que me fazia sentir mal só de saber que existia. Ele pegava o mesmo ônibus que eu e sempre me olhava na hora de descer e falava alguma coisa. Bem, ele não falava, apenas gesticulava com boca. Bixa. Viado. Morre.

Havia também um outro menino do ensino médio que me provocava. Quando passava por mim, ele me bolinava. Eu tinha medo daquilo. Uma vez me puxou para um canto dizendo que queria ficar comigo. Ou que tinha alguém que queria ficar comigo, algo assim. Eu era absolutamente inocente nessa época, não conseguia me imaginar ficando com pessoas. Não sei o que, exatamente, disparava esse medo crônico de beijar ou transar com alguém, mas era basicamente o que me definia. Eu fugia. Obviamente fugi dele. Quando reclamei para uma supervisora, o rapaz disse que estava apenas brincando. Na cabeça dele, talvez estivesse mesmo. Ficou por isso.

No ensino médio, em outra escola, as coisas não foram diferentes. Lembro perfeitamente do dia em que as aulas do segundo ano começaram e eu cheguei atrasado. Perguntei à professora se podia entrar e, após confirmar que aquela era de fato a minha sala, um colega (o tipo é bem reconhecível: grandão, com cara e corpo de adulto, aquele que todo mundo pensa que já reprovou trinta vezes) grita "gay" enquanto esconde o rosto. Uma coisa meio "ninguém viu que fui eu".

"Idiota, perdedor, estranho, tonto..."

O problema é que todo mundo sabia quem fez. Outro problema é que todo mundo sabia que eu provavelmente não estava gostando daquilo. E, claro, ninguém fez nada a respeito além de rir de mim.

Daí aos poucos aparecem pessoas interessadas em fazer a diferença. Surge o projeto It Gets Better, com a mensagem de que devemos resistir a esses tormentos juvenis, pois no futuro teremos força e poder para lidar com eles. Acho que, para algumas pessoas, isso faz sentido. Infelizmente, a vida não é justa e muita gente ou não aguenta até ter esse poder ou nunca chega a de fato tê-lo. Muita gente comete suicídio. Muita gente se tranca em si mesmo.

"Você não pode se livrar dos seus medos, mas pode aprender a viver com eles"

Não sei se havia algo que eu pudesse ter feito, sendo quem eu era, contra esses insultos e ataques. Acredito que não. Eu não sabia a quem recorrer e muito menos entendia o que estava acontecendo. Na época desses insultos, eu não era gay. Não era viado. Os menores pensamentos que eu tinha nessa direção eram tão reprimidos que eu acreditava firmemente que gostava de meninas – ao ponto de me apaixonar por elas – e fazia o possível para viver essas paixões. Do meu jeitinho tímido e calado, é claro. Escondido, inclusive. Platônico.

O que poderia ser diferente? Hoje eu vejo da seguinte forma: alguém com mais consciência do que eu poderia não ter ficado calado. A orientadora pedagógica que me atendeu um dia poderia ter me ajudado a enxergar a vida, ao invés de dizer para o meu melhor amigo se afastar de mim porque eu era uma má influência para ele. Os meus colegas poderiam ter me defendido. Não é questão de "ser fraco" e precisar ser defendido sempre. É questão de ensinar àquele que ainda não sabe que pode ter voz, ter força, resistir. Pode lutar pelo que acredita, pelo que vive, pelo que sente. Ou, se não por nada disso, pode simplesmente lutar para ser o que é, o que vem sendo ou o que se quer ser.

Pode tudo, só não pode ficar calado. Professor: não fique calado. Colega: não fique calado. Amigo. Irmão. Pai. Mãe. Vizinho. Pessoa desconhecida na rua.
Se a gente se cala, ajuda também a calar quem poderia estar sendo mais do que é.


Um comentário:

Walderes Brito disse...

Péssimos os fatos, Tales, mas muito corajosa e oportuna a memória, que é a história de muitos de nós e não precisa ser a de mais ninguém, né? Obrigado!

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