terça-feira, dezembro 11, 2012

As invisíveis

Já falei disso em outra ocasião, perguntando como a gente sabe quando não sabe de algo. A dúvida continua e creio que jamais vai me abandonar. Desta vez, ela foi disparada com uma imagem.


Meu primeiro pensamento foi: "mais uma narrativa do branco generoso que vai lá e salva o negro sofredor". A caridade, no caso, estaria reforçando a ideia de que negros precisam de cuidados advindos de brancos, que podem cuidar, que podem dispor de seu tempo para "ajudar" aos outros. Isso, claro, ignora anos de opressão. Estão  imagem e mensagem sendo veladamente preconceituosas? Essa questão voltou a me incomodar semana passada, quando reli o parecer de um dos professores na minha banca de defesa do mestrado, que dizia o seguinte:

De outra parte, também cheguei a me perguntar se o texto não estaria trazendo muitas evidências (imagens, textos, referências) sobre homossexuais homens? Afinal, muito pouco ou quase nunca referes ou apresentas imagens ou referências textuais sobre as mulheres lésbicas ou mesmo travestis, para além de Laila? Mesmo quando são as tuas entradas de texto-imagem, não as das interlocutoras ou interlocutores, as imagens são sempre masculinas.

Na hora em que ouvi isso (pois me foi lido) e nos meses seguintes, pensei indignado que eu não era obrigado a mencionar aquilo que não me interessava pesquisar. No caso, meu foco era homossexualidade masculina e eu acreditava que da forma que o texto da dissertação se desenvolvia, isso ficava claro. E ficava.

O que também ficava claro, ao menos para bom entendedor, é que eu estava excluindo e invisibilizando a importância de outras personagens que também compõem o espectro da sexualidade. Eu não estava ativamente dizendo que lésbicas, travestis e transexuais não me interessam enquanto tópico de investigação ou reflexão, ou que mereceriam menos atenção que homens homossexuais. Isso sim seria um baita preconceito, não é? O que eu fiz foi ignorá-las, considerando que não era necessário sequer mencionar sua existência. Talvez eu esteja sendo exagerado, mas parece-me o mesmo que falar de "padrão de beleza ocidental" e não mencionar que ele desconsidera corpos negros. Ou asiáticos, gordos, queer etc.

Eu já escrevi sobre preconceito antes aqui e não quero me alongar muito. Queria apenas manifestar, neste texto, o quanto essas questões estão presentes em minhas reflexões e o quanto eu não enxergo nenhum horizonte próximo de solução para elas. Não sei nem o que seria uma "solução". O que fica de conselho, desta vez, é mais um convite: que tal tentarmos sempre percebermos o que ou quem estamos tornando invisíveis pelas escolhas que fazemos? Sobre quem (no sentido de "em quem estamos pisando") estamos construindo nossas percepções da realidade?

segunda-feira, dezembro 10, 2012

E daí que você não é mais virgem?

Nessa semana li e comentei no blog da Lola sobre um rapaz que tinha ciúmes do passado sexual da sua namorada. Fiz dois comentários, os quais reproduzo abaixo:

Eu acho incrível como após anos estudando sexualidade e pensando na liberdade dos sujeitos fazerem o que quiserem, eu ainda me pego remoendo o passado sexual dos meus afetos.
Para mim é muito claro que se trata de insegurança. Medo mesmo de ser comparado com alguém que transa melhor, bobagens assim. Sempre que posso e percebo, me controlo, repenso, comento essa insegurança. 
Acho que a liberdade de poder conversar com a pessoa que se gosta é uma base importante para se libertar (ou, ao menos, confrontar) esses sentimentos...

Foi esse e também o seguinte:

E acabei me dar conta de uma coisa, refletindo sobre o que comentei antes... acho que não é só insegurança, mas também um desejo louco de ser DONO do outro (ou, no caso, da outra). Não dono de botar coleirinha, mas de saber que ele ou ela são TEUS e DE MAIS NINGUÉM.
=/

Essas sensações e pensamentos são muito feios e danosos. Ainda assim, volta e meia me pego pensando nisso, olhando para alguém e refletindo "nossa, com essa idade e já ficou com tanta gente?", "puxa, vinte namorados em dois anos?". Isso tem muitos nomes: insegurança, medo de perder, possessividade etc.

O que acho estranho é que preciso fazer força para esquecer o passado alheio, mas o meu fica apagado da (minha) memória com uma facilidade incrível. Creio que isso valha para todos. Uma solução possível é procurar por pessoas virgens. Outra, que acho mais madura e encantadora, é aprender a controlar os próprios impulsos de temor e abraçar as vivências (anteriores) da pessoa, uma vez que elas ajudam a defini-las.

sábado, dezembro 08, 2012

Mudança de hábito

Dei-me conta de que tudo são hábitos. No geral, nós seres humanos somos muito pouco inventivos, não lidamos bem com mudanças ou com variações. A instabilidade nos irrita, dá coceira. A incerteza, então, é o bastante para que surtemos.

"Pinte a cerca, Daniel-san"

O que isso tem a ver com a vida? Muito, veja só: ontem decidi que leria um livro antes de dormir. Cheguei em casa alguns minutos depois da meia-noite e notei que o computador estava ligado. Abri a internet, verifiquei mensagens no Facebook, respondi alguns e-mails, atualizei meus feeds do Google Reader e aproveitei para verificar os jogos novos no Kongregate. Lá pelas duas da manhã eu percebi que já era tarde e fui deitar sem ler nada.

Antes de dormir, ontem, eu lavei a louça. "Ah, está aí um exemplo de bom hábito!". Não. O que aconteceu foi que eu interrompi o hábito de limpar depois, algo recorrente comigo. As sujeiras acumulam porque eu sempre penso que outro dia será o dia de limpar, de resolver, de fazer, de construir, de escrever, de pensar, de mudar. Essa é a natureza da procrastinação: acostumar-se com o hábito do deixar para depois.

Acontece que alguns hábitos nos fazem mal. O hábito de não dizer nada quando vemos algo errado. O hábito de baixar a cabeça frente à opressão. O hábito de deixar para depois aquilo que te faria bem.

Eu deveria terminar esse texto com promessas de mudar, mas tenho o hábito de me prometer coisas que não cumpro. Quem sabe dessa vez fazendo diferente a coisa aconteça?

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Sobre rir dos outros

Acabei de ler um texto do Alex Castro no Papo de Homem. Confesso que quando via a página "papo de homem", já pensava logo que devia ser algo machista, misógino. Estou alegremente espantado e acrescentando a página aos meus feeds do Google Reader. Esse link que estou trazendo é para um texto ótimo sobre como o humor acerca de sujeitos subalternos perpetua maldades e injustiças. Piada de loira, de estupro, de negro, de viado. Comercial de cerveja. Tudo isso é repetição de uma fórmula que vende, mas só vende porque somos idiotas e reproduzimos o hábito de pisar sobre os outros.

Adoro o conselho do Alex, conselho que eu já havia lido no Escreva Lola Escreva: ria dos poderosos, desafie as instituições, questione os poderes estabelecidos. O humor é livre para ser usado e abusado, mas porque não o fazer na direção de quem pode se defender? Até o perigo é mais excitante!

Mais uma do ovo ou da galinha

Eu não gosto de cenários macro, ou seja, de grandes discussões políticas e econômicas e internacionais. Aí paro para pensar: isso é algo meu, que eu nasci não muito interessado, ou ocorre porque não fui talhado culturalmente para me relacionar com esses temas? Se eu tivesse uma educação diferente, será que teria mais facilidade ou interesse em lidar com isso? Ou seria eu parecido com o que sou, voltado para mim e para os meus, tão somente?

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Só não pode ficar calado

Quando criança e adolescente, eu era franzino, tímido e não muito social. Até a oitava série, pessoas do ensino médio passavam por mim e me xingavam. Havia um menino – pelo qual eu desenvolvi um misto de nojo e ódio – que passava por mim e chamava de bixa, que tinha um olhar pesado, um olhar que me fazia sentir mal só de saber que existia. Ele pegava o mesmo ônibus que eu e sempre me olhava na hora de descer e falava alguma coisa. Bem, ele não falava, apenas gesticulava com boca. Bixa. Viado. Morre.

Havia também um outro menino do ensino médio que me provocava. Quando passava por mim, ele me bolinava. Eu tinha medo daquilo. Uma vez me puxou para um canto dizendo que queria ficar comigo. Ou que tinha alguém que queria ficar comigo, algo assim. Eu era absolutamente inocente nessa época, não conseguia me imaginar ficando com pessoas. Não sei o que, exatamente, disparava esse medo crônico de beijar ou transar com alguém, mas era basicamente o que me definia. Eu fugia. Obviamente fugi dele. Quando reclamei para uma supervisora, o rapaz disse que estava apenas brincando. Na cabeça dele, talvez estivesse mesmo. Ficou por isso.

No ensino médio, em outra escola, as coisas não foram diferentes. Lembro perfeitamente do dia em que as aulas do segundo ano começaram e eu cheguei atrasado. Perguntei à professora se podia entrar e, após confirmar que aquela era de fato a minha sala, um colega (o tipo é bem reconhecível: grandão, com cara e corpo de adulto, aquele que todo mundo pensa que já reprovou trinta vezes) grita "gay" enquanto esconde o rosto. Uma coisa meio "ninguém viu que fui eu".

"Idiota, perdedor, estranho, tonto..."

O problema é que todo mundo sabia quem fez. Outro problema é que todo mundo sabia que eu provavelmente não estava gostando daquilo. E, claro, ninguém fez nada a respeito além de rir de mim.

Daí aos poucos aparecem pessoas interessadas em fazer a diferença. Surge o projeto It Gets Better, com a mensagem de que devemos resistir a esses tormentos juvenis, pois no futuro teremos força e poder para lidar com eles. Acho que, para algumas pessoas, isso faz sentido. Infelizmente, a vida não é justa e muita gente ou não aguenta até ter esse poder ou nunca chega a de fato tê-lo. Muita gente comete suicídio. Muita gente se tranca em si mesmo.

"Você não pode se livrar dos seus medos, mas pode aprender a viver com eles"

Não sei se havia algo que eu pudesse ter feito, sendo quem eu era, contra esses insultos e ataques. Acredito que não. Eu não sabia a quem recorrer e muito menos entendia o que estava acontecendo. Na época desses insultos, eu não era gay. Não era viado. Os menores pensamentos que eu tinha nessa direção eram tão reprimidos que eu acreditava firmemente que gostava de meninas – ao ponto de me apaixonar por elas – e fazia o possível para viver essas paixões. Do meu jeitinho tímido e calado, é claro. Escondido, inclusive. Platônico.

O que poderia ser diferente? Hoje eu vejo da seguinte forma: alguém com mais consciência do que eu poderia não ter ficado calado. A orientadora pedagógica que me atendeu um dia poderia ter me ajudado a enxergar a vida, ao invés de dizer para o meu melhor amigo se afastar de mim porque eu era uma má influência para ele. Os meus colegas poderiam ter me defendido. Não é questão de "ser fraco" e precisar ser defendido sempre. É questão de ensinar àquele que ainda não sabe que pode ter voz, ter força, resistir. Pode lutar pelo que acredita, pelo que vive, pelo que sente. Ou, se não por nada disso, pode simplesmente lutar para ser o que é, o que vem sendo ou o que se quer ser.

Pode tudo, só não pode ficar calado. Professor: não fique calado. Colega: não fique calado. Amigo. Irmão. Pai. Mãe. Vizinho. Pessoa desconhecida na rua.
Se a gente se cala, ajuda também a calar quem poderia estar sendo mais do que é.


quarta-feira, dezembro 05, 2012

Cem homens em um ano

Eu concordo totalmente com a última postagem do Cem homens em um ano. Se tem algo que eu defendo veementemente é o direito e a liberdade da sexualidade alheia, independente da idade. Não sei nem quero estabelecer um ponto que separe "infância pura assexual" de um momento "ok, estou pronto para trepar". Esse ponto vai ser diferente para todo mundo, como basicamente qualquer coisa no desenvolvimento humano. Aliás, como a autora do blog explica, não existe "infância pura assexual", já que somos seres sexuais desde que nascemos.

O projeto original do blog Cem homens, aliás, é muito interessante. Ela decidiu contar virtualmente a experiência de transar com cem homens ao longo de um ano. Parece simples, parece putaria, parece bobagem. Pode até ser tudo isso. A grande questão é que, como feminista, a autora discute temas que escapam à compreensão mediana e, com isso, toca pontos interessantes. O principal: por que diabos julgamos tanto a sexualidade feminina, enquanto ignoramos a masculina? Se o blog fosse "Cem hímens em um ano", será que estranharíamos? Será que estranharíamos tanto um homem querendo comer cem mulheres no lugar de uma mulher querendo dar para cem homens? Isso se chama desigualdade de gênero. Dá pra chamar também de hipocrisia.

Hoje a autora já completou a missão e agora escreve, em geral, sobre as bobajadas que as pessoas publicam na internet, como no post cujo link eu trouxe aqui hoje. Leio sempre que posso, na esperança de aprender mais sobre modos de lidar com a ignorância humana relativa à sexualidade (dentro da qual englobo gênero, desejo, corpos, práticas, prazeres e mais um caminhão de coisas).

Já escrevi algumas vezes aqui sobre esses temas:
- por que falar de sexualidade na escola?
- a marcha das vadias de Goiânia
- publicidade com pais gays
- como ensinar sobre sexualidade?
- a tal democracia e a sexualidade
- um pouco sobre a academia e as sexualidades

Há muito o que se pensar sobre sexo, gênero, desejo, prazeres... Fica aqui o meu convite =)

terça-feira, dezembro 04, 2012

Esses silêncios de quem pensa

Eu não posso escrever aqui na Raposa tudo o que penso. Parte do que penso é sobre pessoas, pessoas que me leem. Parte do que penso não é social, é intenso e até violento. Juntamente com o número crescente de leitores, veio também a necessidade de pensar duas vezes antes de falar de mim. Eu não vivo sozinho, eu não existo sozinho, falar de mim também é falar do outro. Essa é a razão pela qual tenho repensado a Raposa Antropomórfica e também pela qual tenho pensado em fazer terapia. Percebi que os espaços de liberdade são tão raros que os quero mais, talvez não tanto para pensar a mim, mas para ser livre.

Sobre isso, tenho refletido sobre como a Raposa, essa minha companheira de sete anos, pode me acompanhar. Creio que para que nós dois possamos continuar caminhando juntos, o objetivo das nossas conversas terá que mudar. Falar de mim já não é o bastante, não é interessante o suficiente, não é importante que baste. Principalmente, não é livre de coerções. Não, ninguém me pede para não escrever sobre tópico algum. A questão é mais minha, mesmo: eu não quero que as pessoas saibam tudo que eu penso, não quero mesmo.

Acostumei-me, com o tempo, a guardar para mim o que pode machucar, perturbar, romper.
É por isso que a Raposa vai parar de falar sobre mim, ao menos diretamente. A única coisa que falta, agora, é saber o que virá dessa mudança. Até aqui fui escritor e leitor. Quem será, daqui para a frente, meu leitor imaginado? Com quem eu posso ser fielmente sincero?
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