terça-feira, outubro 19, 2010

Pensando na minha casa

Estava agorinha arrumando a casa. Bateu uma sensação de algo estar errado, de alguma coisa necessitar conserto. Acho que era eu. Explico. Algum tempo atrás li, em algum lugar, que havia pessoas que poderiam descrever nossa personalidade a partir da forma como nosso quarto era organizado. Nunca achei que isso fizesse muito sentido na minha realidade portoalegrense, já que meu quarto não era arrumado por mim, portanto não refletiria minha personalidade plenamente.
[Engraçado, eu não havia me dado conta que ter interferência poderia, talvez, refletir uma certa dependência minha de um contato exterior. Alguém ali para me dar a mão, comprar minhas panelas, fazer a comida. Não seria justamente essa interferência que diria mais sobre mim?]

Hoje, olhando para minha casa desarrumada, com os móveis que eu escolhi (mesmo que não 100%) e arranjei e coloquei e pensei, senti dó de mim. Se minha casa reflete minha personalidade, então estou realmente revirado. Que pessoa que não tem disposição para arrumar a própria moradia terá energias para consertar alguma coisa na própria vida?

Por isso, arrumei.
Ou comecei, ao menos. Não é algo que se faça uma vez e pronto. É daquelas tarefas que a gente leva pra vida. Porque vida é isso, não é estável, é fluxo.

The heretic

Uma pequena homenagem ao passado, que retorna com tudo =)

terça-feira, outubro 12, 2010

Relacionamentos

Hoje foi ao bosque dos buritis pensar sobre a vida, depois de ter dormido das 9h às 17h. Estava meio descornado, meio solitário, essa sensação constante em uma pessoa que abandonou sua cidade natal para desbravar um lugar desconhecido. Certo, o discurso de "coitado, ele está sozinho" já está caducando, pois já são sete meses aqui. Azar, sou meio tartaruga pra construir relações.

Então estava lá eu observando o dia virar noite, o jato d'água cruzar o céu e as pessoas caminhando com seus cachorros, quando fui encontrado por um menino que me conhece. Ele estava acompanhado de duas meninas, e acabamos sentando na grama para conversar. Eu, muito quieto, muito ensimesmado, fiquei mais ouvindo. Depois de algum tempo, percebi que tinha ali três pessoas com questões de relacionamento muito curiosas. Uma das meninas, não entendi direito, havia traído e sido traída e queria a namorada de volta. A outra estava feliz e amando, mas sua respectiva mora longe, então elas não conseguem se ver direito. E o moço, que já me conhecia, traiu o namorado no dia anterior, "quando haviam brigado", mas diz que gosta dele e quer ele de volta e tal. Foi mais ou menos depois de ter entendido tudo isso que comecei a participar da conversa.

Em primeiro lugar, o menino não falou bem do namorado nenhuma vez. Não consigo imaginar alguém que se entregue a um relacionamento monogâmico e só tenha a falar mal de seu digníssimo. Onde fica a felicidade, o gostar, aquele sabor adocicado que caracteriza os romances? Sou dos que pensam que, se não há mais muito mais de bom, deve-se mesmo terminar. Caso ainda haja, a tendência é transparecer. Não?

Depois disso, tem a questão do relacionamento. Eu sou o último a defender namoros, relações um a um, fidelidade e tudo mais. Creio que sentimento não é algo que possa ser reduzido a duas pessoas e, pensando sempre para o futuro, acredito que a vontade de ficar com outras pessoas, de ter outras experiências, tende a aparecer. Não acredito que o quanto você se sacrifica por uma pessoa seja a medida do gostar. Decidi, já tem algum tempo, que só me relacionarei com exclusividade no dia em que olhar para a pessoa e acreditar que será pra sempre, que ela poderá me completar intensamente por um tempo além do que eu consiga conceber.


Aproveitando o gancho, outro tema que apareceu na conversa hoje foi o que seria gostar de alguém. Pra mim isso é bastante claro ou, no mínimo, perceptível. Quando estamos dispostos a dividir aquilo que temos de mais precioso e limitado, nosso tempo, é porque gostamos de alguém (ou somos bobos e não sabemos gerenciar a vida que temos). Não creio que haja qualquer coisa mais bonita do que querer compartilhar momentos, viver junto, oferecer um pedaço de sua vida para uma outra criatura.
A parte triste dessa coisa toda é que nem sempre as pessoas com as quais queremos dividir o nosso tempo querem nos oferecer o delas. Esse, aliás, deve ser o desencontro mais comum da humanidade.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Algumas mudanças

Talvez esteja sendo estranho aos meus leitores usuais verem uma mudança política nas minhas colocações aqui do blog. Pensei na possibilidade de montar um segundo espaço virtual específico para discutir as questões relacionadas à política de identidade (ou de dissolução de identidades), mas ao mesmo tempo me dei conta de que eu sou essa raposa antropomórfica. Dividir meus pensamentos para torná-los mais coerentes e melhor acessíveis seria uma estratégia contrária à minha própria crença. Eu sou isso que vocês estão vendo, e uso o Laerte pra me defender:


Eu sou, ao mesmo tempo, a pessoa que agora está agindo politicamente, que estuda sexualidade, que gosta de jogar RPG, que escreve histórias, que vive autistando pelas esquinas do mundo, que se apaixona, que fez jornalismo, que é loiro, que poderia ser outro, mas não é. Opa, poderia ser, mas está.
Essa é a raposa antropomórfica: lar de amores, tristezas, reclames e políticas. Iei =)

Permitindo intolerância, parte 1

Hoje vi uma matéria no Mix Brasil e me pus a pensar não só no que ela está dizendo, mas também no que está sendo deixado de lado. Gostaria de analisar ao mesmo tempo o outdoor que ela questiona, evidentemente um exemplo danoso de como uma instituição pode fomentar preconceitos (parte 1), e os argumentos em que o autor da matéria se baseia para julgá-la negativa (parte 2). Estou dividindo esta postagem em duas partes, por serem objetos de análise distintos, ainda que o tema seja semelhante.

"Em favor da família e preservação da espécie humana. Deus fez macho e fêmea." diz a frase ao lado de um padre sorridente e carismático. Convidativo, até. Eu consigo entender a preocupação do pastor Silas Malafaia com a ideia de família, certamente prejudicada pela constituição de casais homossexuais. Evidente, se uma família é igual a um homem, uma mulher, dois filhos e um cachorro (ainda que atualmente esteja muito na moda ter uma tartaruga), quando colocamos dois homens sob o mesmo teto, ou ainda duas mulheres, a estrutura está interrompida, jogada fora. Concordo, um casal lésbico rompe absolutamente com a sociedade heteronormativa que reforça a noção de que a mulher deve ser subserviente ao homem, este por certo o chefe de família. Imaginem dois homens dividindo um lar: qual deles ensinará a filha a lavar a louça e a passar as roupas do marido? Quem dará o exemplo correto do gênero que deve ser seguido pelo macho ou pela fêmea?
Pensemos, portanto, quem está excluído dessa estrutura econômica chamada família. Quem não está autorizado a compartilhar dessa forma de organização heterossexual? "Ah, mas os gays agora podem casar na Argentina e em diversos países no mundo". Verdade, muito lindo, mas é isso mesmo que se deseja? Um emparelhamento da identidade homossexual (seja lá o que isso congrega) à heterossexual, às estruturas já definidas como corretas em detrimento de práticas e experiências que não são socialmente, juridicamente, muitas vezes religiosamente, aceitas? Pensemos, por um instante, qual o perigo de um filho ser criado por três pais, dois pais e uma mãe, duas mães e um pai, três mães. Ou, ainda, por onze transgêneros. Não é minha intenção aprofundar a discussão sobre alternativas à ideia de família tradicional, ainda, mas não pude deixar de observar o que está marcado no discurso do pastor.

Preservação da espécie humana? Não tenho nada contra essa ideia, e talvez seja até mesmo possível concordar que quando misturamos um macho e uma fêmea, mexemos e gememos, temos um filho e, assim, a espécie se prolonga.
Agora vamos cogitar uma linha diferente de pensamento, por favor? Os seres humanos estão vivos pra quê? Qual nosso papel na existência? A que viemos, pra onde vamos? São perguntas que movimentam a filosofia dos homens há alguns anos, já. Alguns milhares. Então existem instituições que dão essas respostas? Vivemos para esperar o paraíso, vivemos para escapar do ciclo eterno do sofrimento e atingir a iluminação, vivemos para o prazer, vivemos, vivemos pra tantas coisas. Eu não tenho essa resposta, mas convivo com a pergunta a tempo suficiente para arriscar alguns princípios de crença. Para mim, não faz sentido estar vivo se não estivermos experimentando, experenciando, existindo. Não digo, com isso, que todos devam provar todas as frutas (sim, é um eufemismo para sexo). Digo, antes, que se deve estar pronto a saber que todas as frutas podem ser provadas.
[Evidente, existem limitações não muito claras para esse todas. É uma questão com a qual me pego constantemente: qual o limite do aceite à diversidade? Se aceitarmos tudo, por que não admitir também práticas culturais de tortura, pedofilia e assassinatos? O mais próximo de solução para esse problema, sempre relativizável, é que devemos estabelecer certos parâmetros de intenções e possibilidades. Ainda que de forma maleável e discutível, pensar no bem estar do outro e assumir que não estamos sozinhos, ou seja, sermos solidários, parece um bom ponto de partida. Eu tenho direcionado minha existência com essa preocupação: não fazer mal aos outros. Super discutível, eu mesmo ainda levantarei polêmica sobre isso, mas só quando isso não derrubar meu próprio argumento...].
Com essa volta toda, gostaria de dizer que não vejo sentido em preservarmos a vida humana se dela não fizermos nada. Jorge Drexler canta sobre "mil vidas mal gastadas por cada mandamento". Não quero mesmo bater de frente com qualquer crença religiosa estabelecida. Minha preocupação, aqui, é que as pessoas tenham direito de viver plenamente, sem bloqueios morais que não servem para ajudar ninguém ao longo de sua vida. O pós-vida, para mim, não é uma preocupação, pois não entra no meu pacote de crenças. Se entra na de outras pessoas, como a do pastor que deseja a preservação da existência humana, não seria interessante que isso não interferisse nas existências de gente como eu?
[Ainda hoje estive lendo um texto de Jen Bacon chamado Teaching queer theory at a normal school, no qual ela problematiza o quanto o discurso da diversidade e da livre expressão deve permitir discursos de ódio. Parece-me ser o caso aqui].

"Deus fez macho e fêmea". E hermafroditas, acrescente ali, por favor. E provavelmente alguma outra categoria de exceção que, exceção ou não, é categoria que rompe com esse código binário. É fácil perceber a razão pela qual gatos não se vestem de gatas; por que lindos passarinhos não pintam suas penas; por que crocodilos choram por matar sua presa (mas não de tristeza). O que não é fácil, por outro lado, é entender homens que se travestem, adolescentes de cabelo rosa e falsidades teatrais. Por quê? Pois o ser humano é uma criatura cultural, que atribui significados a suas práticas que vão além das práticas em si, que colaboram e elaboram socialmente sentidos para determinadas atitudes, que compartilham valores, epistemologias, crenças. Dinossauros não rezavam para estátuas, rezando por um milagre vindouro (talvez por isso tenham morrido, vai saber?). Da mesma forma, homens inventam explicações para como o mundo funciona (magia, religião, ciência), acreditam nelas e, a partir daí, se justificam como detentores da verdade que todos os outros precisam saber e concordar, ou senão morrer.
[Eis o momento advogado do diabo: a própria noção de crueldade é cultural, e portanto depende do ponto de vista do qual estamos falando. Esse é ao mesmo tempo o perigo da relativização plena e a base para assumirmos alguma base nesse revolto mar de possibilidades. Repito que a minha base é o bem estar humano e a proteção do direito de cada um experienciar sua vida sem danos aos outros].
Sendo cultural, a base biológica perde grande parte de sua importância, como podemos constatar pelas relações que acontecem depois da definição macho/fêmea. É o caso do que os médicos (ou psicólogos? Enfim, os arautos das grandes narrativas da modernidade) chamam de disforia de gênero, ou seja, quando um menino nasce num corpo de menina ou o contrário. Ou, para não apelarmos para algo medicalizado, que tal um macho que apresenta características de um gênero feminino, ou ainda não apresenta marcadores específicos de masculinidade? São tantas as brechas no sistema binário de constituição das identidades que, mais do que defender o que é certo em contraposição ao que é errado, o que é normal ou anormal, bonito ou feio, precisamos aprender a dissolver essas definições sempre que elas causarem mal a alguém.

domingo, outubro 10, 2010

Sobre suicídios

Ontem estive conversando com dois amigos e ficamos comparando nossas histórias de bullying no período do colégio. Em primeiro lugar, gostaria de comentar como é verdadeiro o apontamento de Rogério Diniz Junqueira, no artigo Homofobia: limites e possibilidades de um conceito em meio a disputas, no qual em certo ponto é defendida a ideia de que as reações homofóbicas ocorrem principalmente por uma questão de gênero, mais do que de orientação sexual. São as pessoas que desafiam as normas de masculinidade ou de feminilidade que são perseguidas e ofendidas, que passam por sofrimentos e ataques na escola. Quem não rompe a expectativa de que um homem seja másculo está, de certa forma, protegido. "Tudo bem ser gay, mas não precisa parecer uma mulher". Existe muito nessa discussão sobre o que significa ser uma mulher (as feministas e os teóricos queer que o digam) e, também, o que é ser gay, essa categoria construída socialmente que não só se diferencia da de homossexual, como também não implica somente em um homem direcionar sua afeição a outro homem. Aliás, como bem me elucidou Susanne Luhmann, no artigo Queering/querying pedagogy? Or, pedagogy is a pretty queer thing, o constructo hetero/homossexual só faz sentido se tivermos categorias estabelizadas do que significa ser um homem ou uma mulher. Nesse sentido, uma fluidez de gênero por certo eliminaria (ou confundiria seriamente) essas classificações.

Bem, depois dessa breve teorizada, gostaria de apresentar uma matéria que li há uns minutos e adicionar algumas reflexões.


Sim, é muito provável que o menino tenha sofrido abusos, ora físicos, ora psicológicos, e que isso tenha se somado ao debate acalorado e aparentemente intolerante do conselho da cidade. Sim, é muito difícil lidar com o confronto diário, na escola, com pessoas que são diferentes de você e acreditam radicalmente que você deveria ser igual a eles ou, pelo menos, diferente do que é.
[Aliás, pensemos com cuidado nesse é, já que não quero falar em identidades fixas, muito pelo contrário: somos uma coleção de fragmentos que interagem e se transformam constantemente, tanto por conta do nosso contato com o exterior quanto por nossas experiências passadas, percepções, crenças etc].

Eu tive que ouvir, muitas vezes, xingamentos. Era seguido e empurrado por alunos mais velhos no primeiro colégio em que estudei. Já entrei em sala de aula, no segundo colégio, e no primeiro dia tive que ouvir gritinhos de gay e viadinho de pessoas que mal tinham conversado comigo alguma vez na existência.
[Preciso comentar que nessa época eu ainda lutava comigo mesmo e com essa ideia de orientação sexual. Ainda me apaixonava por meninas, ainda que platonicamente, e inclusive tive a chance de abandonar o platonismo e de fato me envolver com elas. Somente depois do colégio, anos depois, que tive a chance de ser enquadrado em qualquer classificação de homossexual, se formos considerar a necessidade de uma prática para essa definição. Se eu pensava antes, se sentia atração, desejo? Sim. Se entendia, manifestava ou procurava? De forma alguma no colégio. O que meus amados colegas percebiam? Que eu não tinha um comportamento marcadamente masculino, não jogava futebol, era frágil, sentava em posições diferentes, era flexível, falava manso. Gênero. Ser gay não é uma escolha: é uma marcação identitária que define a pessoa, que congela sua existência associando-a a determinadas práticas, desejos ou corporalidades].

O menino [que falta de respeito, recomecemos o parágrafo!]
Zach Harrington cometeu suicídio, provavelmente por não suportar a oposição que teria que viver, talvez, durante toda sua vida, por conta de uma imposição de identidade. Eu não entendo o que pode ter se processado na cabeça dele, pois quando as ideias de abandonar a existência vinham me visitar, eu as repudiava baseado na fé de que não-viver, pra quem nasceu, não faz sentido. Essa mania humana de querer dominar tudo, inclusive a duração do tempo de uma vida é algo que me assombra. Jorge Drexler canta sobre a obsessão humana de querer perdurar, e Neil Gaiman, através de sua personagem Morte, já disse em um lindo diálogo entre ela e um bebê: ao ter sua alma capturada, o bebê pergunta à Morte "era isso tudo que eu tinha pra viver? Algumas horas?", ao que é respondido "sim, o tempo de uma vida".

Creio que eu precisaria de algumas páginas, ainda, para explicar as razões pelas quais considero o suicídio uma escolha ruim. Quando li a matéria, me pus a pensar que diferença ele conseguiu causar com sua morte. E, mais do que isso, quanto mais não poderia ter mudado se ele permanecesse vivo e fizesse de sua existência uma luta constante pelo que acreditasse ser o correto?

Talvez, acima de tudo, o tempo de uma vida dele fosse justamente esse, de dezenove anos: o tanto que ele suportou essa dor que é viver.
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