quinta-feira, setembro 26, 2013

Duas dicas para escrever bons textos

A arte de escrever bons textos muitas vezes parece um mistério. É estranho: falamos e escrevemos em língua portuguesa desde que somos crianças e mesmo assim enfrentamos uma dificuldade monstruosa para produzir bons escritos. Já que meu sonho é ser um escritor (que escreve bem e portanto é publicado, lido e, de preferência, apreciado), aprender a escrever é essencial. Por isso tenho lido muitos livros sobre a arte da literatura e encontrei duas ótimas dicas no livro Palavra por Palavra, da Anne Lamott.


A primeira delas é escrever aos poucos, bem como o título do livro sugere. Como assim? Frequentemente queremos escrever já com uma ideia imensa de qual será o enredo do romance, suas reviravoltas e também como ele marcará a cultura mundial depois de lançado. Nossa! Tudo bem ter essas ideias já em mente, mas quando sentamos para trabalhar elas se transformam num peso e numa responsabilidade tão enorme que a gente paralisa. Anne dá como exemplo o escalar de uma geleira: para chegar ao topo, não basta querer e compreender o tamanho da montanha, precisamos pensar a cada momento onde vão nossas mãos e pés e como lidaremos com as dores e frios. Se escalarmos pensando só no final da jornada, é grande a chance de nos perdermos frente à imensidão da tarefa.

No original o livro chama-se Bird by Bird, ou pássaro por pássaro. Esse título vem de um outro exemplo que ela dá. Seu irmão tinha 10 anos e deixara para a última hora um trabalho de biologia sobre pássaros. Na noite anterior ao dia da entrega, portanto, estava sentado na mesa da cozinha chorando rodeado de papéis e livros sobre pássaros. Era muita coisa para fazer e ele sabia disso, então quedou-se acabrunhado diante da enormidade da tarefa. O pai dos dois, um escritor, foi ao filho e disse: "calma, filho, escreva sobre um pássaro de cada vez, pássaro por pássaro". A tarefa hercúlea foi quebrada em pedaços menores, pedaços trabalháveis, tornando o todo mais digerível. Quando vamos almoçar, comemos garfada por garfada, certo? Escrever é a mesma coisa. Podemos até tentar engolir tudo ao mesmo tempo, mas as chances de engasgarmos e terminarmos com uma refeição nada agradável são imensas.

Portanto, que tal sentarmos para escrever com projetos menores? Algo como "hoje descreverei o olhar daquela moça" ou "contarei um pouco da história da cidade". Um parágrafo, uma ação, uma descrição por vez. Conseguiu? Pensa em escrever mais uma. Não conseguiu? Tudo bem, vamos continuar nessa parte ou deixá-la reservada para depois.

"Não tenha medo da perfeição, você nunca irá atingi-la".

A segunda dica é: escreva primeiros esboços ruins. Essa é uma ideia valiosa que eu frequentemente ignoro aqui na Raposa, embora siga quando escrevo literatura. O peso da perfeição é grande demais para que sejamos capazes de numa sentada já produzir uma grande obra poética, profunda e original. Temos a impressão de que os grandes mestres da literatura eram capazes de, logo após estalarem os dedos, digitarem furiosamente em suas máquinas de escrever ou rabiscarem feito médicos os papéis já com ideias magníficas e frases prontas para entrar para a história. Não, não e não!

Escrever é um processo árduo: selecionar as palavras que comporão o texto e aquelas que ficarão de fora, tudo isso exige trabalho. O compromisso com uma primeira versão já consistente e perfeitinha só serve para atrapalhar nosso ofício. Escreva livremente, ninguém precisará ler essa primeira versão. Ela será o teu segredinho, a semente plantada na tela ou no computador. Escreva tudo, escreva tanto quanto for necessário para que as ideias fluam. Depois deixe descansar e releia em busca do que, nesse primeiro jorro de palavras, poderá ser utilizado numa segunda versão. Frequentemente será o caso de jogar quase tudo fora e ficar apenas com uma frase, mas talvez seja uma excelente frase. Para chegar até ela, porém, foi necessário escrever um monte de bobagens antes e isso não é ruim. É parte do processo.

O perfeccionismo só serve para nos atrapalhar. A gente perde tanto tempo preocupado em nossas letras saírem perfeitas no papel que acabamos trancando o fluxo criativo, o que a longo prazo mata mais ideias do que se simplesmente derramássemos nossos pensamentos e reflexões em estado bruto. A autora do livro sugere que a primeira escrita é do semeador: as palavras são simplesmente jogadas no papel. A segunda escrita é do mecânico, que vai consertando tudo o que encontra pela frente para que o todo funcione como um conjunto. A terceira é a do dentista, que vai verificar se cada dente está no lugar, se precisa de reparo etc. Cada nova versão tem o seu momento e o seu propósito, tentar fazer tudo junto é um convite à confusão e ao texto ruim.


Compartilho essas duas dicas na esperança de que escritores como eu possam sofrer menos com esse processo maluco e mágico de tornar ideias em textos. Aos poucos e em várias versões a gente chega lá!

Um comentário:

felipe moreira disse...

rapaz, eu posso estar sendo romântico demais, mas eu não confio muito nessa coisa da técnica para escrita. Eu tenho a impressão de quem um texto muito técnico corre o risco de seguir um roteiro de cine-pipoca de filme hollywoodiano. Eu sinto que escrever é algo menos racional e mais de expressão. Quanto mais expressivo mais forte, mais intenso.
a técnica é algo que se elabora consigo mesmo, a partir do autoconheicmento, de outras literaturas que voce se indentifica, de filmes, de historias que vc ouve por ai, enfim...
acabei de ler cartas a um jovem poeta e fiquei pensando nisso...da emoção se sobrepor à técnica.

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