domingo, julho 06, 2008

"Minha vida daria um romance"

Li hoje um texto que me tinha sido recomendado havia já algum tempo. Meses, talvez. Não foi por falta de consideração a demora, mas sim por um misto de compromissos e esquecimentos. O texto é um capítulo de um livro sem nome (tenho apenas o xerox do capítulo). A autora é Maria Rita Kehl. Sugiro a leitura.
Existem algumas passagens que eu gostaria de destacar, e cito-as abaixo. Um pequeno teaser.
A falência, ou no mínimo o esgarçamento do poder simbólico das religiões nas sociedades modernas, está diretamente relacionado, a meu ver, com a emergência da literatura como resposta "necessária" para a constituição dos sujeitos. Uma das respostas possíveis – certamente a mais poderosa – à nossa separação de estado (ideal) de natureza sempre foi a produção, pela cultura, de modos de "religação" entre o homem e o universo, entre os homens e o Pai perdido (Deus), entre os homens e sua comunidade terrena. As religiões e todas as outras formações simbólicas próprias das sociedades simbólicas (...) são atenuantes para o desamparo.
Não sei se é possível negar que a escrita, e em resumo toda forma de arte, não é "apenas" uma forma de alcançar um espírito superior. Eu acredito que o poder de criação artística tem algo de divino, algo muito além do poder simbólico-social.
Se o desamparo é parte da condição humana, as grandes formações da cultura funcionam para proporcionar, num mundo feito de linguagem, algumas estruturas razoavelmente sólidas de apoio para estes seres por definição desgarrados da ordem da natureza. A tradição, de certa forma, situa as pessoas na sociedade em que vivem, explicitando o que é esperado de cada um a partir do lugar que ocupam desde o nascimento. A religiao produz sentidos para a vida e a morte, e orienta as escolhas morais; os mitos explicam por que as coisas são como são, e fundamentam as interdições necessárias à manutenção do laço social.
O desamparo é uma questão interessante. Sexta-feira estava eu comentando com minhas colegas de trabalho uma constatação que me acompanha desde a infância: a felicidade é um bem disponível apenas àqueles que não possuem uma inteligênica muito apurada. O brilho da ingenuidade é uma manifestação do sensorial, ele é contrário ao uso da razão e, por consequência, ele é cego. A cegueira não o faz menos bonito ou poético, mesmo assim.
A vida não tem sentido em si, e os sentidos que temos são os que conseguimos criar. Triste que nossas explicações tenham a única função de se explicar, assim como tudo que fazemos só fazemos porque fazemos.
A passagem da transmissão oral à letra escrita corresponde, assim, à passagem de uma espiritualidade (ou seja, em termos ainda medievais, de uma subjetividade) totalmente sustentada sobre uma palavra de autoridade a uma subjetividade feita cargo do próprio indivíduo. A função nomeadora e estruturante do "pai" vai lentamente se desencarnando da figura dos representantes de Deus na terra, tornando-se mais abstrata, e seus desígnios mais passíveis de interpretações individuais, diferenciadas.
Sinceramente não sei explicar qual o gosto que tanto tenho pelo individual. Na realidade, muitas vezes eu apostei com o destino que prefereria tantas vezes mais ser não-inteligente e feliz do que conhecedor de verdades. Não tendo a barganha sido aceita, que viva este pequeno criador de histórias sua vida e que faça seu papel no mundo.
(disseram-me neste fim de semana que não sou especial... ah, se conhecessem meus mundos, certamente saberiam que engano cometeram)
Essa citação me clareou na mente as razões de eu amar tanto o objeto livro. Ele significa tudo para alguém que vê no mundo mais do que as demais pessoas. Ele me faz sorrir, chorar, sentir o que o mundo muitas vezes bloqueia. O mais feliz dos dias será aquele em que eu conhecer todas as palavras que um dia tiverem sido escritas, todas as línguas jamais faladas, todas as histórias que se há de conhecer. Talvez depois de virar um corvo eu me torne, como o primeiro, o guardião da biblioteca dos sonhos.


Eu tinha alguns outros pedaços separados, mas eles não fechariam com o que se construiu nesta escrita. Deixo por encerrada, então, minha incursão neste capítulo de livro, certo de que ele me abriu algumas páginas nas histórias do mundo.




2 comentários:

Anônimo disse...

Beleza saber que o texto te levou à reflexão e abriu "algumas páginas da história do mundo". De algum modo, sinto-me lisonjeada com isso. :-)
Para contribuir, lembrei-me agora de uma frase que está no programa de "Alegria", do Cirque du Soleil: "Se você não tem esperança, invente!"
Então, fabulemos, fabulemos, óh, guardião da biblioteca dos sonhos! :-) E se estamos desamparados, religuemo-nos à magia da criação artística como se religássemos a nós mesmos! E sejamos felizes! Amém! :-)

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog! Tá bonito pra caramba! E agora que já sei o caminho da roça, voltarei! :-)
(Tem um monte de coisa bacana pra ler, que tri!!!)

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