sexta-feira, maio 31, 2013

Compartilhe seus desafios

Nos últimos textos estivemos pensando sobre questões importantes para alcançarmos aquilo que queremos: como mudar nossos hábitos e como definir nossas prioridades.

Existe um provérbio (li que era africano) que diz o seguinte:
Se você quer ir rápido, vá sozinho. Se você quer ir longe, vá acompanhado.
Nós vivemos em uma sociedade ocidental capitalista malvada que insiste que necessitamos correr contra o relógio para fazer absolutamente tudo e alcançar um sucesso incontrolável por meio do dinheiro. O perigo dessa cantiga é que ela funciona para algumas pessoas, o que prende milhares (milhões!) de outras no sonho de ficar rico e gastar toneladas de dinheiros aleatoriamente para luxos vãos. No meio de tudo isso, somos bombardeados por infinitos estímulos e convites que tendem mais a nos desviar das coisas que queremos (acrescentando vários outros desejos) do que a nos levar para frente.


Ufa!
Como lidar com esse tanto de coisas sozinhos? Espere, por que sozinhos? Sei que vemos todos os dias pequenos sucessos individuais, sei que eles parecem glamorosos e fantásticos, mas pergunto: o que queremos para as nossas vidas é apenas para as nossas vidas, ou também para as de outras pessoas? Por que não dividir nossos sonhos e desafios com outras pessoas? Aos poucos, fazer com que nossos sonhos também sejam sonhos de outras pessoas, que nossos desafios contribuam para o crescimento alheio?

Há pelo menos três maneiras através das quais outras pessoas podem ser úteis em nossas vidas.

Amigos para pedir ajuda. Nós não podemos saber tudo, mas podemos conhecer pessoas que sabem aquelas coisas que não somos capazes de fazer, ou que são muito melhores que nós. Por que não dividir e compartilhar parcerias? Pedir ajuda pode ser trocar favores, pode ser pegar aulas, pode ser qualquer coisa que inclua o conhecimento de outra(s) pessoa(s) influenciando nosso caminho. Fazer tudo sozinho pode talvez até ter um sabor de conquista maior no fim do caminho, mas é bem mais chato e, óbvio, solitário.

Amigos para nos cobrar. Sabemos os sabores das distrações e os perigos de nos perdermos de nossos objetivos. Muitas vezes um mero bilhetinho na parede pode não ser o suficiente para nos manter no caminho. É nessa hora que entram amigos, psicólogos, chefes, coaches e o que mais estiver à disposição para nos auxiliar. Conte às pessoas o que você está fazendo: a pressão social de corresponder aos anseios dos outros provavelmente será de grande ajuda nas suas tarefas. Ninguém gosta de decepcionar os outros (se você gosta, provavelmente é algo que devemos conversar a respeito...).

Amigos para celebrar. Essa é uma parte que a gente de vez em quando esquece, ou deixa para comemorar apenas no final. Não! Divida suas alegrias de cada passo concluído com as pessoas próximas e queridas. Isso dá valor e faz valer cada vez mais passo após passo. A celebração fecha um ciclo e nos dá energia para seguirmos conquistando novos sucessos e, por tabela, novas celebrações. Com o tempo, nos acostumamos a aceitar a felicidade das pequenas conquistas, ao invés de desejá-la como um grande prêmio no final de um longo caminho.

quinta-feira, maio 30, 2013

Defina o que é prioridade na sua vida

Uma leitora me perguntou "o que a gente faz quando precisa fazer um milhão de coisas, mas não tem tempo para nada?". Acho essa pergunta muito pertinente, especialmente depois de haver escrito sobre nossos hábitos e a possibilidade de mudá-los. A minha resposta a ela é a seguinte: precisamos priorizar o que é importante para a nossa vida, já que não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. O problema é que todo mundo sabe disso, mas dificilmente conseguimos colocar em prática. Por quê?

Tudo ao mesmo tempo agora

Aprenda idiomas. Faça faculdade. Se possível, faça duas. Faça aquele curso. Veja os novos filmes em cartaz. Leia os clássicos. Esteja presente na vida dos seus amigos. Vá às reuniões de família. Seja voluntário. Ganhe dinheiro. Ganhe mais dinheiro. Ganhe mais dinheiro para comprar casa e carro. Faça exercícios. Viaje, conheça o mundo. Conheça a si mesmo. Compre o que está na moda. Vá ao teatro e aos festivais, seja culto. Namore. Tudo isso pra quando? Pra ontem.

Talvez com um pouco de exagero, essas são algumas das exigências que pautam a nossa vida cotidiana. É muita coisa para pouco tempo: de tudo isso, a única coisa que não muda jamais é o fato de termos as mesmas 24 horas para resolver o que quisermos. Não basta simplesmente resistirmos a tudo isso, não é tão fácil. Precisamos resistir também ao fato de que as outras pessoas estão todas fazendo coisas mais legais que nós. Estamos trabalhando? Puxa, a vizinha acabou de voltar da França. Estamos comendo miojo? Nossa, que legal, ontem aquele amigo cozinhou um salmão com bobó de camarão. Estamos andando de ônibus? É, pena que o carinha que passou por nós agora está num carrão (nota: este escritor desconhece o que seria um carro lindo e possante, então ficamos com "carrão" mesmo).

São duas as coisas que mais nos atrapalham na gerência do nosso tempo, então: o excesso de possibilidades e a inveja do que os outros estão fazendo. Ambas as coisas nascem de um pensamento que parece dirigir todas as nossas atitudes atualmente: a vida é curta, então aproveite-a ao máximo. O que ninguém para e nos diz é o que significa aproveitar a vida. (tampouco eu o direi agora, já que não é o objetivo desse texto, mas fica a promessa de uma escrita futura, embora a imagem já sugira o que direi)

"Arranje tempo para aproveitar as coisas simples da vida"


Como definir nossas prioridades?

Não existe regra para decidirmos o que é importante em nossa vida. Dependendo do que cada um de nós acredita ou está vivendo no momento, as prioridades podem variar. Contudo, podemos seguir um pequeno modelo para organizar a maneira como pensamos o nosso tempo e as nossas atividades. A disposição de realizar aquilo que queremos ao invés do que acabamos nos enrolando não tem a ver com essa organização, mas sim a criação de um hábito de agir. Vamos portanto dividir as tarefas que ocupam nosso tempo em três categorias:

Atividades importantes. Aqui entram aquelas que nós queremos fazer, que são importantes e dão sentido para a maneira como pensamos a nós mesmos. Vou me usar como exemplo: escrever, para mim, é uma atividade importante, é aquilo que eu gostaria de passar a maior parte do meu tempo fazendo. Curiosamente, eu não uso o meu tempo dessa forma e suspeito que muitos de nós (inclusive a leitora que iniciou esse texto) também não. Por que fazemos isso? As duas próximas categorias podem nos dar uma pista.

Atividades urgentes. De repente, lembramos daquele trabalho que precisamos entregar (ou corrigir) para amanhã. Ou para hoje de noite. Ou para daqui uma hora. Alarmes, alarmes, vamos correr para conseguir fazer isso a tempo. Todo o resto saia do caminho! É aí que mora o perigo, nessa realocação de prioridades entre o que consideramos importante e o que se torna urgente de ser realizado. Se, assim como eu, vocês se encontram com mais frequência batendo de frente com compromissos inadiáveis que tomam todo o seu tempo, é sinal de que as atividades importantes estão sendo negligenciadas e que o terceiro tipo de atividade está consumindo o tempo disponível.

Atividades circunstanciais. Opa, um programa legal na televisão. Ou um joguinho novo na internet. Ou aquelas três horas que passamos navegando no Facebook. Esses são exemplos de atividades circunstanciais, ou seja, aquelas que aparecem e devoram o nosso tempo, mas não são nem importantes (no sentido de que acrescentam algo aos nossos objetivos ou interesses para a vida) nem urgentes (não precisamos fazê-los nesse exato momento). Esse tipo de atividade costuma ser bastante prazerosa, o que nos faz não perceber (ou perceber e não resistir a) o fato de que o tempo está passando. Meu vício são jogos na internet. Começo com um, pensando "ah, eu trabalhei tanto, mereço um descanso antes de dormir". Faz sentido, não é? Devemos nos divertir, não é? É, o problema é que uma partida de 10 minutos se transforma em "só falta o último chefe, manhê" e ficamos horas fazendo algo que originalmente queríamos que ocupasse apenas uns minutinhos. Outro vício são seriados: assisto um capítulo, fico interessado no próximo e em seguida já estou assistindo uma temporada inteira madrugada adentro.

Trapaceando a nosso favor

Em um mundo ideal, devemos ter mais tempo para as atividades importantes, nos organizar para evitar as urgentes tanto quanto possível e reservar um espaço realmente circunstancial para as atividades circunstanciais. Só que não é simples, nós estamos acostumados, ou melhor, estamos habituados a trapacear contra nós mesmos. Porém, é aí mesmo que está a solução para nossos problemas enquanto não desenvolvemos uma consciência superior de como levar a vida: podemos trapacear também a nosso favor. Finalizarei esse texto com três trapaças rápidas que faço comigo mesmo, uma para cada tipo de atividade.

1. Trapaceando pelo que é importante. Meu objetivo de vida é escrever (e ser famoso e legal e lido e conversar sobre meus textos com todo mundo etc., mas para isso tudo preciso antes escrever). Eu gasto muito tempo no computador, que é ao mesmo tempo ferramenta de trabalho/escrita e de distração (jogos e seriados). Minha trapaça é muito simples: escrevi um bilhete colado na parede (post-its são maravilhosos para isso) dizendo para eu escrever. O modo de funcionamento é simples: volta e meia estou fazendo algo que não deveria, olho pra frente e lembro de cobrar a mim mesmo que poderia estar escrevendo. Então abro um editor de texto e escrevo.



2. Trapaceando para eliminar as urgências. Esse é um dos mais difíceis: para que as urgências desapareçam, nós podemos agendar momentos de trabalho espaçados, de modo que possamos ir realizando nossas atividades aos poucos. Tem um texto para ler para semana que vem? Coloque-o no seu tempo de "atividades que um dia serão urgentes". Uma ou duas horas por dia são suficientes para colocar tudo que terá um prazo, ou mais se for a sua atividade principal de trabalho (como freelancer, por exemplo). Para fazer isso, leia o texto anterior e crie o hábito. De início, talvez seja estressante eliminar as próximas urgências, mas aos poucos elas vão se tornando mais escassas e mais fáceis de lidar, pois teremos tempo disponível.

3. Trapaceando contra o que é circunstancial. Enquanto não aprendemos as técnicas de autocontrole, precisamos impor esse controle. Contra seriados, por exemplo, eu só baixo um número de capítulos suficiente para não me enlouquecer. Vou baixando a cada dois episódios, mais ou menos, de modo que posso assistir mais de um, mas não perco a vida assistindo a uma temporada inteira de uma vez só. Quando termino de assistir, espero alguns dias até fazer o download dos próximos capítulos. A ansiedade e o prazer na atividade circunstancial sobem e, não somente, diluo a quantidade de tempo dedicada a essa atividade. O mesmo pode ser feito com outros vícios: jogos online? Facebook? E-mails pipocando? Necessidade absurda de acompanhar o Twitter? Desligue a internet.

Aliás, eu poderia escrever um texto gigantesco sobre os benefícios de desligar a internet ou de só ligá-la durante uma tempo limitado por dia. Isso, claro, depende do que é prioridade na sua vida.

segunda-feira, maio 27, 2013

Como mudar nossos hábitos

A base do nosso comportamento é composta por hábitos: maneiras costumeiras que temos de sentir, agir e pensar sobre o que existe ao nosso redor. Isso não significa que nós estaremos magicamente contentes com os hábitos que nos formam, tampouco que podemos facilmente nos desvencilhar de hábitos considerados ruins ou nocivos. Muitas vezes encontramos dificuldade em deixarmos de ser quem éramos, mesmo que isso nos traga grande infelicidade.

Para entendermos como podemos mudar a maneira como nos habituamos a agir, primeiro é necessário compreendermos como nós construímos esses hábitos. Todo hábito nasce de uma ação isolada. Pode ser um bom dia direcionado ao motorista do ônibus ou um sorriso ao cruzar com uma pessoa desconhecida na rua, por exemplo. Esse acidente tem o potencial de se repetir e, se isso acontece, pode deixar de ser um acidente e aos poucos virar algo que será parte dos nossos costumes. Antes que percebamos, podemos ampliar isso a outras pessoas: dar bom dia a todas as pessoas que de alguma forma nos prestam serviço, sorrir amavelmente a pessoas que nos olham e pelas quais cruzamos nas ruas.

Nossos hábitos têm muito a dizer sobre como vemos e vivemos o mundo. Se nos habituamos a receber os acontecimentos de forma cínica e maldosa, ou se sempre buscamos os piores elementos de cada situação, isso se traduzirá nas memórias que faremos de cada experiência. É o caso daquela tia que todo mundo tem que, ao voltar de uma viagem de trinta dias, só fala daquele um dia que choveu demais. É também o caso daquele primo que, depois de anos sem ter notícias da gente, só fala de si. São hábitos de ver o lado ruim das coisas, são hábitos de viver o mundo centrado exclusivamente no eu.


Então como mudar esses hábitos?

Tanto criar quanto mudar um hábito começa da mesma maneira: com um acontecimento fora da rotina. O nosso trabalho é tornar isso parte da nossa vida, alocar tempo para essa coisa nova que queremos que fique sendo parte de nós. Quer fazer exercício? Comece. Quer aprender um novo idioma? Olhar as coisas de forma mais positiva? Parar de centrar apenas em si próprio? Aprender a cozinhar? Comece, comece, comece.

A vida está sempre em movimento e, portanto, só muda em movimento. O tempo não vai parar jamais para que possamos escolher o que mudar e então seguir o rumo pensando, agindo ou sentindo de forma diferente. O primeiro segredo para mudar nossos hábitos é simplesmente esse: abrir a oportunidade em nossas vidas para que o diferente aconteça.

O segundo segredo tem a ver com a dose de mudança. Estamos todos familiarizados com as noções de ação e reação, não é? Se quisermos mudar algo imenso, a tentação de manter esse mesmo algo no lugar será também imensa. É o que acontece quando de um dia para o outro começamos a frequentar a academia todos os dias por três horas cada. Na primeira oportunidade, faltaremos um dia, depois outro... O nosso compromisso não será com o exercício em si, mas com essa meta louca estabelecida. Aqui entra o terceiro segredo: como definimos a nossa meta modifica se a alcançaremos ou não. Todas as vezes em que tentei nadar, eu não tentei simplesmente nadar: eu tentei nadar de três a cinco vezes na semana. Assim, quando faltava uma ou duas vezes, já dava o objetivo por falho, sem perceber que eu poderia simplesmente nadar.


Cinco passos para a mudança

1. Decida aquilo que você quer mudar. Pode ser qualquer coisa, desde que dependa de você mesmo e não de outras pessoas. Você não pode mudar como os outros te tratam, mas pode mudar como se apresenta aos outros, o que pode levar à mudança desejada.

2. Aceite o processo de mudança. Nada vai acontecer se você não agir, nenhum aprendizado fará parte de sua vida se você não abraçá-lo. Se a mudança que procura não fizer sentido para você, então talvez seja melhor nem começar. Afinal de contas, estamos falando sobre a sua própria vida!

3. Vá devagar. Experimentar o novo é excitante, mas o foco está na experiência contínua e constante, não em um objetivo de ter tanta experiência quanto possível num tempo mínimo. É difícil mudar em grandes proporções, por isso vamos aos poucos. Tem vergonha de falar com estranhos? Comece ao lado de um amigo, de modo a se sentir confortável. Invente situações em que precise pedir informações, algo assim, pequeno, mas que envolva o objetivo que pretende alcançar.

4. Observe a mudança acontecendo. Muitas vezes voltamos a um estado anterior por acharmos que nada estava mudando. Aconteceu comigo com a natação: meus quatro meses de treino constante não foram páreos para os vinte anos de sedentarismo. Achei que nas primeiras faltas eu já não estava mais cumprindo minha meta de exercitar. Meu objetivo não era o exercício, mas uma quantidade específica de exercício. Se eu tivesse pensado a proposta de outra maneira, talvez ainda estivesse nadando.

5. Tenha paciência. A mudança leva tempo para se instaurar. Começa fugidia, cheia de medo, mas aos poucos vai se acostumando com a nossa vida e passa a fazer parte dela. Um ou três meses parece tempo suficiente para cimentar o suficiente um hábito. Aos poucos, a própria vida vai criando condições para que nossos hábitos se mantenham: fazemos amizades na academia, prestamos atenção em livros e programas de televisão relacionados ao que estamos estudando e por aí em diante. A vida é um processo cujo final é indeterminado, mas a pressa de viver não torna as experiências mais significativas ou prazerosas, apenas mais rápidas.

Acostume-se com as mudanças, elas são inevitáveis

Nós somos aquilo que fazemos repetidamente, que nos acostumamos a fazer. Essas repetições e permanências ditam como nós mesmos e as outras pessoas nos enxergam. A pessoa que sempre fala em público é a extrovertida, a que se veste toda chique é a perua, a que reclama é a chata. Quase sempre essas leituras resumidas que fazemos são incompatíveis com o que as pessoas pensam de si, pois acreditam-se muito mais complexas do que estão sendo definidas. E é verdade, elas são, porém é mais fácil enxergar aquilo que se repete. Quando uma pessoa usualmente tímida reage expressivamente, nós vemos ali uma exceção, ao invés de compreender aquele movimento como parte da personalidade dela. Nós cristalizamos os movimentos para registrá-los mais rapidamente.

Acostumados que estamos com essas cristalizações, buscamos sempre as repetições. Elas dão sentido às nossas existências, sendo nada mais que hábitos de sentir, de agir e de pensar. Se queremos ser diferentes do que somos, necessitamos abandonar quem éramos. Contudo, esse não é um movimento fácil. Para muitas pessoas, parece absurdamente impossível, tão acostumadas que estão a se agarrarem a tudo que parece sólido em suas vidas.


Ocorre que as pessoas que resistem à mudança estão se agarrando a ilusões. Como a tradição budista nos conta, a mudança é a constante da vida: nada será o mesmo para sempre. Quem vive morre, quem sofre alegra, quem sorri um dia murcha. Quando nós entendemos a vida em blocos de pensamentos e comportamentos rígidos, esquecemos a fluidez de suas transformações e possibilidades. Estabelecemos nossas relações baseados em formas e contornos bastante duros, de modo que encaixes são dificultados.

Quando o sólido começa a ruir, levando consigo nossas certezas, nós abraçamos o desespero. O mundo parece perder o sentido porque todo o sentido que dávamos a ele era duro, fixo e único. Impermeável. Os exemplos são infinitos: o emprego dos sonhos que não realiza mais, o namorado que de repente parece tão diferente do que era, a jovem que abandona uma carreira aparentemente promissora e frustra a família. Somos tão fixados e sólidos que acreditamos até mesmo que o futuro deveria seguir as regras de nossos hábitos de solidificação. Como sabemos, o futuro tem a mania de ser molengo, esguio e intocável, características que não combinam nem encaixam com nossos pensamentos em bloco.

Entender a vida como movimento sempre em fluxo, portanto, é uma maneira de nos protegermos dessas decepções que nascem de nosso próprio desejo de que as coisas fossem diferentes. Quando entendemos e aceitamos que a vida é o que é e não o que queremos que ela seja, começamos a seguir seu ritmo ao invés de tentar represar suas potencialidades. Afinal de contas, mesmo a maior represa pode se romper ou transbordar. Não se trata, portanto, de entender por que mudar. A mudança ocorrerá de qualquer forma, a pergunta é: como lidamos com ela?


O que está em jogo é uma mudança de paradigma, de maneira de entender o mundo. O sólido do conhecimento ocidental clássico já não é suficiente para explicar o mundo. Há muito que escapa. Como alternativa, podemos entender a existência como fluxo, como movimento e interação constantes. Nossos hábitos de sentir, de agir e de pensar podem ser transformados conforme o ritmo das mudanças.

A exceção representada pelo grito do tímido é tão parte dele quanto as recorrências do silêncio. Jamais seremos capazes de verdadeiramente entendermos uns aos outros se não percebermos que tudo faz parte e se relaciona. Da mesma forma, não podemos definir o que significa ser humano baseados apenas naquilo que nos parece normal, constante, repetido ou costumeiro. A diferença também faz parte. Precisamos mudar nosso pensamento de uma matriz que entenda as coisas como uma ou outra para um olhar que nos facilite observar uma e outra em interação.

Para isso, infelizmente, não há fórmulas.

sexta-feira, maio 24, 2013

Ninguém precisa ouvir tudo o que a gente pensa

Um aluno veio a mim e explicou seu projeto de trabalho, que envolvia animais abandonados e uma campanha para que as pessoas prevenissem seu sofrimento através da castração. Eu respondi-lhe que era uma luta válida e interessante, mas que não me engajaria nela, pois não faz parte da minha agenda política. Gostaria de apontar duas coisas sobre esse incidente: como a linguagem pode nos enganar e como existem coisas que não precisamos dizer.

A linguagem é traiçoeira

Com frequência, o que dizemos com uma intenção é interpretado como se fosse fruto de outra intenção completamente diferente. Poucos minutos após haver conversado com o aluno, encontrei-o comentando com outros professores sobre como eu havia destruído suas ideias e como meu comentário era de que seu projeto não tinha valor e não deveria ser feito. Isso obviamente foi um equívoco interpretativo. Eu afirmar que não tenho interesse numa determinada ação de forma alguma significa que a ação é ruim. Seria o mesmo que dizer que tudo que me interessa é bom, interessante e produtivo, o que certamente não é verdade.

Esses enganos geralmente acontecem porque nós gostamos de reduzir as coisas. Ouvimos uma ideia e a quebramos em resumos. Esses resumos deixam de lado partes importantes para a interpretação correta daquilo que foi falado. Isso também acontece quando achamos que entendemos um texto lendo seu título ou apenas um parágrafo, como já escrevi antes.

Outra coisa que acontece é que pegamos nojo de algumas palavras. Se as ouvimos, imediatamente tudo que as circunda vira igualmente desprezível. Aconteceu na minha aula de filosofia: o aluno perguntou se crítica era algo bom e a professora imediatamente disse que não, pois crítica é sinal de medo e de ataque desnecessário às coisas que não conhecemos. Creio que ele se referia a pensamento crítico, reflexivo e analítico, mas que a professora compreendeu 'crítica' como um ataque, uma desqualificação.

A maior parte das pessoas não escuta com a intenção de entender, mas escutam com a intenção de responder.

Ninguém precisa ouvir tudo o que a gente pensa

Percebi enquanto escrevia esse texto que não havia necessidade alguma de dizer ao aluno que eu não me engajaria no tipo de luta que ele estava propondo. Que benefício isso trouxe à nossa conversa? Adicionou alguma coisa, além de impor uma característica negativa ao diálogo? Não. Simplesmente achei que meu ego precisava se manifestar e deixar ali a marca de sua magnânima importância. Afinal, ele saber se eu agiria ou não conforme a proposta dele mudaria completamente o rumo do mundo, não é mesmo?

Esse é um exercício realmente difícil: distinguir quais verdades são importantes de serem ditas e quais os outros não precisam ouvir. Isso não significa que eu não possa desgostar de algo ou que não possa escolher não tomar parte de algo. Pelo contrário, temos todo direito à opinião própria. O porém é que muitas vezes a nossa "opinião própria" não está sendo requisitada. Meu aluno não queria saber se eu estava interessado em castrar cachorrinhos, mas sim se aquele seria um trabalho bacana de desenvolver. Ao colocar a minha posição frente ao tema e não ao trabalho em si, facilitei que meu comentário fosse compreendido negativamente.

Devemos filtrar aquilo que falamos aos outros pelo bem do respeito e da convivência. Três filtros atribuídos a Sócrates parecem uma boa medida: falamos aquilo que é verdadeiro, bom e útil. Do contrário, podemos guardar para nós. O que eu falei a meu aluno era verdadeiro? Sim. Era bom? Creio que não, pois em certa maneira desqualificou sua posição. Se não for já suficiente entender que não era bom, posso ainda pensar se era útil e perceber que na verdade foi absolutamente inútil e contraproducente.


Esses momentos em que tudo o que temos para comentar é falso, ruim ou inútil podem ser lindos convites ao silêncio, a ouvir o que o outro tem a dizer sem o irritante e persistente ego se manifestando. Como eu disse, não é um exercício fácil. Ouvir os outros nunca é fácil, pois demanda calar primeiro.

sexta-feira, maio 17, 2013

Você sabe o que significa ser normal?

"Você não está sendo oprimido quando outro grupo conquista os direitos que você sempre teve". Essa é uma das frases que circulam na internet na tentativa de conscientizar as pessoas que absurdos como preconceito contra heterossexuais e marchas do orgulho branco são somente isso: absurdos. Afinal, como sabemos, o padrão da normalidade é criado em nossa sociedade por uma série de características arbitrárias: a cor da sua pele, a sua anatomia sexual, quanto dinheiro há em sua conta bancária, o tipo de relacionamentos estáveis mantidos, a sua crença monogâmica em alguma divindade, o seu acesso cultural a uma forma específica de arte e entretenimento etc.

curva normal
Encontrei aqui: http://www.anormais.com.br/

Estatisticamente, agrupamentos de pessoas têm a tendência de parecer como essa curva aí. A linha do meio é o ponto médio, com maior quantidade de pessoas. São as características medianas, típicas, mais prováveis de serem encontradas entre qualquer sujeito que puxemos do grande grupo. Quanto mais para esquerda no gráfico, menos temos daquela característica. Quanto mais para direita, mais temos. Para fins de ilustração, vamos pensar no quociente de inteligência: a grande maioria está ao redor do meio, que concentra 68,2% da população. É muita gente.

A área em azul escuro está a menos de um desvio padrão (σ) da média. Em uma distribuição normal, isto representa cerca de 68% do conjunto, enquanto dois desvios padrões desde a média (azul médio e escuro) representam cerca de 95%, e três desvios padrões (azul claro, médio e escuro) cobrem cerca de 99.7%. Este fato é conhecido como regra 68-95-99.7, ou a regra empírica, ou a regra dos 3-sigmas. (copiado diretamente da Wikipedia)

Em termos práticos, ser normal significa se encaixar nessa faixa azul mais escura. Quanto mais distantes dessa medida média, menos gente tendemos a encontrar, tanto para menos (esquerda) quanto para mais (direita).

Então é bom ser normal, certo?

Depende. Na verdade, não é nem bom nem ruim. É normal. Só isso. Contudo, acontece em nossa sociedade ocidental um tipo de pensamento binário que funciona assim: a gente é ou uma coisa, ou outra. É homem ou é mulher. É alto ou baixo. É rico ou pobre. É feliz ou triste. É hetero ou homossexual. É ativo ou passivo. É magro ou gordo. A essa altura, creio que já está bastante evidente essa polaridade, mas não podemos esquecer de mais uma: bom ou ruim. Todos os primeiros elementos destes binários são considerados positivos, enquanto seus opostos são considerados negativos. Por essa lógica, ser homem é melhor, em nossa sociedade, do que ser mulher. Todos nós sabemos o quanto isso é um absurdo, não? Bem, deveríamos saber.

Então, ainda que ser normal não seja em si nem bom nem ruim, nós o colocamos no binário normal x anormal. Obviamente, o 'anormal' está pareado com 'ruim', portanto fazemos cara feia e desgostamos.

E se o normal fosse ser o que é?

Nas aulas que leciono, meus alunos são proibidos de usarem as palavras 'normal' e 'normalidade', uma vez que entendemos que qualquer normalidade decorre de um ponto de vista específico (que por tabela está ignorando as experiências e vivências de todo um grupo de pessoas que não está enquadrado no 'normal'). Junto com isso, busco aprofundar com eles o entendimento de que os conceitos não são meramente opostos, eles são complementares, dependentes de uma posição determinada para serem compreendidos. Uma perspectiva.

Desafiar o paradigma binário da normalidade não é fácil. Na verdade, é até pouco inteligente, de um ponto de vista egoísta, caso nós desfrutemos dos privilégios de sermos normais. Como uma raposa que vez ou outra experimenta ser humano, porém, faço um convite: que tal tentarmos ser menos normais e mais humanos?

quarta-feira, maio 15, 2013

Tem horas que ser zen é muito difícil

Esses dias uma humana me disse que entendia a opressão de gênero sofrida pelas mulheres, que achava errado e tudo mais, mas que ensinaria o filho a ser machão, pegador e cafajeste, porque senão outras mulheres iriam fazer gato e sapato dele. Na hora, fiquei completamente sem resposta. Afinal de contas, eu consigo entender por que um filho é mais importante para a mãe do que a igualdade e a justiça social.

Só que eu não sossego. Posso não ter encontrado uma resposta na hora, mas a sementinha do incômodo ficou germinando em mim. Então ontem participei de uma discussão sobre homens que usam saia. De um lado, gente reclamando que acham isso intolerável, inaceitável, nada a ver com as normas do comportamento social masculino. De outro, humanos e raposa defendendo que roupas não deveriam ser base para discriminação. Em meio a essa discussão, um vivente comentou que não iria lutar por algo que ele não acreditasse. Ora, eu não tenho argumentos contra alguém que defende o direito de não lutar, ainda mais por algo que não acredita ser certo.

Hoje as coisas parecem mais claras: nós vivemos centrados nessa ficção de que temos 'eus' bem definidos e desconectados do mundo. Eu aqui, o resto do mundo fora de mim. No máximo uma interação aqui e outra ali, tipo respiração e calor e coisa e tal. Para o zen budismo, tradição filosófica oriental com a qual tenho flertado muito, nós somos parte integrante do mundo, mas nos apoiamos em algumas capacidades (como a memória) e, com isso, criamos uma ilusão de um 'eu' permanente, constante. Essa é uma constatação de mais de dois milênios que continua atual, sendo responsável por muitos dos nossos conflitos, uma vez que inventamos uma ilusão sobre quem somos (separados do mundo) e precisamos aguentar as consequências dessa separação enganosa. Da mesma forma, imaginamos posições e comportamentos ideais com os quais nos comparamos constantemente, produzindo frutos para a nossa insatisfação e infelicidade.

Os dois casos que citei são bastante diversos, mas nascem do mesmo lugar: da crença num 'eu' que deve se sobressair frente ao mundo, que deve se destacar desse mundo. No caso da mãe, a preocupação com o filho e a expectativa que ele tenha um determinado estilo de vida interfere nas suas ações e escolhas frente a esse sujeito. Ao invés de viver o mundo, ela deseja controlar o mundo, o que é em si um engano. Ela é parte do mundo e certamente tem efeito sobre ele, mas é ingenuidade acreditar que as chances de concretizar seu projeto sejam maiores do que as de se decepcionar com as expectativas criadas. A minha mãe, quando pela primeira vez soube que eu namorava um rapaz, disse-me que aquilo não era o que ela esperava ou havia imaginado para mim, mas que ela desejava minha felicidade acima de qualquer outra expectativa que houvesse criado a meu respeito. Sem dar esse nome para as coisas, minha mãe estava sendo zen. À sua própria maneira, ela entendeu que o mundo segue seu fluxo quer nós aprovemos ou não a maneira como as coisas se dão.

Quando um sujeito diz que não lutará por aquilo que não acredita, o que me incomoda não é ele não lutar, mas sim o que, especificamente, ele não acredita. Entendo que não há muito que eu possa fazer a esse respeito: o poder de mudar opiniões e crenças vem da experiência pessoal e de seus afetos. Ainda assim, eu gostaria que as pessoas pensassem diferente. Isso é uma armadilha: eu estou construindo uma expectativa de como gostaria que o mundo fosse. Pior ainda: é uma armadilha ególatra, pois estou querendo que o mundo seja como 'eu' quero.

Parece-me que, em ambos casos, a única solução (aceitável para mim) é agir como julgo correto. Conversar, debater e, na medida do possível, procurar entender. Eles não são eu. Eu não sou eles. Se nada mais, eles são humanos e eu sou uma raposa. Eu posso esperar que também ajam como julgo correto, mas desesperar-me por isso não acontecer seria ingenuidade.

domingo, maio 12, 2013

Um guia para o contentamento

Este texto é uma tradução livre do original, que pode ser encontrado aqui: Zen Habits. Recomendo a leitura constante desse blog maravilhoso.

Muitas pessoas buscam maneiras de encontrar felicidade, mas descobri que contentamento é mais importante que felicidade. Por que contentamento e não felicidade? Algumas razões importantes:

1. Felicidade pode aumentar e diminuir a cada dia (ou momento), mas o contentamento é algo mais estável.
2. Nossa tendência é tentar aumentar a felicidade adicionando coisas (comida, excitação, um banho quente, tempo com um ente querido), mas contentamento é uma habilidade que te permite subtrair coisas e continuar contente.
3. Contentamento pode ser um bom lugar a partir do qual operar mudanças (mudanças e contentamento parecem paradoxais, mas continue lendo).

O que é contentamento? Para mim, diz respeito a estar feliz com quem você é. O que eu não fui por muitos anos e penso que a maioria das pessoas não são.

Na minha vida, aprendi a melhorar na habilidade do contentamento (não estou perfeito, mas já aprendi um pouco). Eu estou feliz com a minha vida. Eu estou feliz com onde estou profissionalmente e não procuro aumentar meu número de leitores, de acessos na página ou de renda. Estou feliz onde quer que esteja. Enquanto muitos podem dizer "claro, você pode dizer isso agora que alcançou um certo nível de sucesso", eu discordo. Muitas pessoas que alcançam sucesso não estão contentes e são sempre movidas a desejarem mais, ficando infelizes consigo mesmas. Muitas pessoas que são pobres e não têm uma "carreira de sucesso" também encontraram contentamento. Aliás, acho que haver encontrado contentamento me direcionou para qualquer sucesso que encontrei – ajudou-me a sair das dívidas, ajudou-me a mudar meus hábitos, tornou-me um marido melhor, pai, amigo, colaborador e até mesmo escritor.

O pior de tudo com essa atitude de "você pode estar contente porque você é bem-sucedido" é que essas pessoas estão deixando para depois o caminho do contentamento... quando é algo que pode ser feito agora mesmo. Não depois, quando você alcançar certos objetivos ou um certo nível de sucesso financeiro. Agora. Vamos olhar para o caminho do contentamento, como é um bom lugar para mudanças de hábitos e começar a percorrê-lo!

O caminho do contentamento

Nós começamos a vida acreditando que somos o máximo. Nós dançamos em público com cinco anos de idade e não nos preocupamos com o que os outros pensam de nós. Quando nos tornamos adultos, isso foi tirado de nós por colegas, pela família, pela mídia e por situações embaraçosas. Como adultos, nós temos dúvidas acerca de nós mesmos. Nós nos julgamos em excesso. Nós somos críticos acerca de nossos corpos, de nós enquanto pessoas, de nossa falta de disciplina, de nossas falhas. Nós não gostamos de quem nós somos.

Como resultado, nós tentamos melhorar esse eu cheio de falhas. Ou nós duvidamos da nossa habilidade de melhorar e somos infelizes. Ou sabotamos nossas tentativas de mudanças, pois não acreditamos realmente que possamos alcançá-la. Esse auto-desgosto resulta em relacionamentos piores, uma carreira estagnada, infelicidade com a vida, reclamações acerca de tudo e, muito frequentemente, hábitos não saudáveis como comer junk food, beber demais, não fazer exercícios, comprar em excesso e ser viciado em jogos ou na internet.

Então, qual é o caminho para estar contente consigo e com a sua vida? O primeiro problema é que você não acredita em si mesmo. Essa é uma área importante para se trabalhar. A sua relação consigo mesmo é como a sua relação com qualquer outra pessoa. Se você tem um amigo que constantemente está quebrando a sua palavra, não aparecendo quando diz que vai aparecer, eventualmente você vai parar de confiar nesse amigo. Acontece assim com você também. É difícil ser alguém em quem não se confia e é difícil de gostar de você se não se pode confiar em si próprio.

Então trabalhe essa confiança em você mesmo (alguns passos práticos para isso estão abaixo). Aumente-a lentamente e eventualmente você confiará em si mesmo para ser ótimo.

O segundo problema é que você se julga mal. Você se compara com uma imagem ideal em todas as áreas. Você quer um lindo corpo de modelo. Você quer alcançar certos objetivos, pessoal e profissionalmente. Você quer viajar pelo mundo e aprender músicas e aprender a tocar um instrumento musical e ser um cozinheiro ótimo e ainda ter uma vida social maravilhosa e encontrar um marido ou uma esposa perfeitos e ter filhos e conquistar coisas maravilhosas e ser a pessoa mais saudável do planeta. Claro, esses são ideais completamente realistas, não?

Quando nós temos esses ideais, nós nos comparamos com eles e sempre nos sentimos mal.

O caminho para o contentamento, então, é parar de se comparar com esses ideais. Pare de se julgar. Livre-se desses ideais. Gradualmente aprenda a confiar em você mesmo.

Mudando hábitos e contentamento

Antes de falarmos sobre os passos práticos, vamos falar sobre contentamento e mudança. Muitas pessoas pensam que se você está contente, simplesmente ficará deitado na praia fazendo absolutamente nada. Por que fazer algo se você está contente com o modo como as coisas estão?

Na verdade, o contentamento é um lugar melhor do que a infelicidade para começar a realizar mudanças acerca de quem nós somos. A maioria de nós é movido pela necessidade ou desejo de melhorar quem somos, de consertar certas coisas que não gostamos sobre nós. Enquanto isso certamente pode ser um lugar para direcionar mudanças, não é um bom lugar para começar com esse tipo de mudanças.

Se você sente que há algo errado com você e que precisa ser melhorado, você será impulsionado a melhorar, mas você pode ou não alcançar sucesso. Digamos que você falhe na sua mudança de hábito. Então você começa a se sentir pior e entra numa espiral em que a cada vez que tenta melhorar, você falha, se sente pior sobre si mesmo e continua descendo. Você começa a sabotar as suas próprias mudanças, pois você não acredita de verdade que pode fazê-las. Baseado em evidências anteriores, você não confia que é capaz de fazer isso, o que só o faz se sentir pior.

Isso se você falhar. Digamos que você obtenha sucesso e realmente se dê bem. Então você teve sucesso – quem sabe você perdeu peso e não se sente mais tão mal acerca de seu corpo. O que acontece é que se você começa nesse posicionamento de consertar a si mesmo, você continua procurando pelo que está errado com você, o que mais você precisa melhorar. Então talvez você sinta agora que não tem músculos o suficiente, ou suas entradas no cabelo não são bonitas, ou se não é a respeito de seu corpo, você encontrará outra coisa.

Esse é um ciclo que nunca acaba durante toda a sua vida. Você nunca alcança. Se você começa num posicionamento de melhorar a si mesmo e se sentindo preso, mesmo que você constantemente tenha sucesso e melhore, você sempre estará procurando a felicidade em fontes externas. Você não encontra a felicidade em si mesmo, então procura-a em outros lugares.

Se você estiver procurando a felicidade fora de si, é mais fácil encontrá-la na comida, nas compras, nas festas e no excesso de trabalho do que tentar ser feliz.

Se, ao contrário, você consegue encontrar contentamento dentro de si e não em fontes externas de felicidade, então você terá uma fonte confiável de felicidade. Penso que é um lugar muito melhor para estar do que confiar e necessitar de fontes externas de felicidade.

Muitas pessoas imaginam: "se você encontra contentamento, você não ficará simplesmente jogado na praia, não melhorando o mundo, não fazendo nada?". Eu penso que essa é uma incompreensão do que contentamento é.

Você pode estar contente em simplesmente ficar dormindo o dia todo, mas também pode encontrar contentamento em ajudar os outros. Você pode estar contente e cheio de compaixão pelos outros e querer ajudá-los. Você pode ser feliz com quem você é e ao mesmo tempo ajudar as pessoas e diminuir seu sofrimento. Dessa forma, você pode oferecer a si mesmo para o mundo e fazer grandes obras para o mundo, mas não necessariamente precisa disso para ser feliz.

Mesmo que por alguma razão seu trabalho seja tirado de você, você ainda terá o contentamento interior.

Passos práticos para o contentamento

A questão é como chegar lá. Como deixar de estar infeliz consigo mesmo e tornar-se contente. O caminho envolve aprender algumas habilidades cruciais:

1. Construa sua autoconfiança. O único modo de consertar a sua falta de autoconfiança é através de pequenos passos. Se seu amigo com o qual você não pode contar deseja reconstruir sua confiança nele, o modo certo de fazê-lo não é dizendo "agora confie-me com a sua vida". Ao invés disso, é melhor começar essa reconstrução com pequenos passos. Faça pequenas coisas e perceba a confiança crescendo. Com o tempo, você estará aberto a confiar mais e mais.

No geral l que faço para construir confiança é começar com pequenas coisas que eu tenho certeza que posso fazer. Beber um copo de água por dia é um exemplo fácil. Se eu quero beber mais água, então eu organizo uma série de lembretes para beber um copo d'água quando quiser acordar. Se você conseguir manter isso por uma ou duas semanas, isso ajuda a confiar em si mesmo. Muitas pessoas tentam mudar coisas difíceis, falham e então a autoconfiança se perde. Comece com coisas pequenas.

2. Perceba os seus ideais. Outro problema em encontrar contentamento é que nós estamos constantemente nos sentindo mal acerca de nós mesmos porque a realidade não condiz com os ideais que mantemos. Esse ideal pode vir da mídia, de revistas ou de estrelas de cinema. Ou simplesmente de uma ideia de o quão perfeitos nós deveríamos ser a respeito de nossa produtividade ou aparência.

A verdade é que a realidade sobre nós mesmos não é ruim, é apenas ruim em relação com o ideal que você tem sobre si mesmo. Quando nos livramos desse ideal, somos deixados com a realidade, que então pode ser julgada como perfeitamente ótima. Na realidade, você é um ser humano único que é belo à sua própria maneira. Então pergunte-se se está se sentindo mal por quem você é ou por como você fez algo. Se sim, é por causa dos ideais. Reconhecê-los envolve percebê-los. Perceba os seus ideais.

3. Abandone seus ideais. Assim que você perceber seus ideias, você precisa parar de se comparar com eles. Livre-se deles. A única forma de abandonar um ideal é percebendo a dor que ele causa a você mesmo e então se livrando dele. Observe a dor. Tenha compaixão de si mesmo e pare de se machucar por meio desse processo de se comparar com ideais.

quinta-feira, maio 09, 2013

Cuidado com críticas sem contexto

Todo dia vemos atrocidades e lemos posições absurdas na internet. A vontade de criticá-las nos consome e, muitas vezes, corrói. A gente vai lá e destila toda nossa indignação a respeito daquela imagem, frase ou comentário alheio. Sentimos, no fim do processo, que fizemos a nossa parte.

- Você está vindo para a cama?
- Não posso, isso é importante.
- O quê?
- Alguém está errado na internet.

O que muitas vezes a gente esquece é de procurar o contexto em que tal imagem, frase ou comentário surgiu. Isso tem acontecido com a Raposa no Facebook: já foram dois casos expressivos em que alguém leu uma frase divulgada no Facebook e interpretou como se fosse uma máxima acerca da minha opinião sobre as coisas. Dois casos em que as minhas palavras foram distorcidas com base em uma frase ou um parágrafo soltos.

O poder das frases soltas

Os meios de comunicação conhecem esse poder há tempos: alguém diz algo, mas somente parte do que foi dito, de preferência algo que soe impactante, é citado. Ou ainda uma chamada publicitária nos leva a pensar ou sentir algo, mas na verdade é parte de um texto maior. Isso acontece porque uma frase condensa significados. Ela ganha impacto e velocidade na absorção das informações e geralmente abre espaço para uma pontinha de dúvida, ou seja, o gancho para atrair o leitor.

Como estratégia de comunicação, é extremamente eficiente. Sintético. Rápido. Atinge o leitor como um tapa do qual ele pode se esquivar ou com o qual pode se engajar.

O perigo das frases soltas

Não podia ser perfeito, não é mesmo? Quando lemos algo solto na internet e achamos grandioso ou odioso (ou irrelevante), geralmente nos apoiamos apenas no que vimos para comentar. O perigo disso está em conhecer as coisas pela metade, em não saber as razões ou motivações por trás das afirmações feitas. No jornalismo, isso tem nome: checar as fontes. Ou seja, ir atrás de quem falou o que para saber se de fato foi aquilo que foi dito e, principalmente, em que situação aquilo foi dito.

A mesma frase pode ter sentidos completamente diferentes em situações distintas ou faladas por pessoas diferentes. Sem isso em mente, estamos mais preocupados com a nossa visão de mundo do que com entender a visão de mundo daquele que falou ou escreveu.

O que fazer com frases soltas?

Recorro de novo ao jornalismo: podemos investigar. Viu uma frase indignante? Um comentário maldoso? Alguma coisa que te fez coçar de raiva? Vai atrás de saber de onde isso veio, o que mais está em volta, por que foi dito ou escrito como foi. Frequentemente a gente descobre, quando conhece o contexto, que nossa impressão inicial não estava correta. Outras tantas vezes a gente confirma que precisa mesmo distribuir uns tapas por aí. De um jeito ou de outro, é não apenas elegante, mas também inteligente e honesto conhecer o contexto das coisas antes de criticá-las.

O risco de não fazer isso é exemplificado todos os dias: críticas simplistas, vazias e que frequentemente dizem mais de quem está falando do que de quem está sendo criticado.

terça-feira, maio 07, 2013

Namorar não é para todo mundo

Tenho um amigo cujo namorado estará viajando na época da Parada Gay de São Paulo. Meu amigo quer ir à Parada, mas o seu namorado não pode nem imaginar isso. Até onde entendo, o meu amigo não está interessado em ir à Parada e pegar geral – ele respeita o contrato de namoro que firmou. Antes de mais nada, vamos definir uma coisa: o contrato de namoro é geralmente aquele em que duas pessoas concordam em se abster de relacionamentos afetivo-sexuais com outros viventes, priorizando, ou melhor, mantendo de forma exclusiva um relacionamento um com o outro. Existem variações, as quais muito me agradam e interessam, mas não são o caso neste momento (tanto por não ser o foco do texto quanto por eu estar, assim como meu amigo, vivendo um contrato de namoro).


Sobre o que eu quero discutir hoje, então? Sobre o fato do namorado do meu amigo sequer sonhar que seu amado deseja ir à Parada (sozinho, já que o digníssimo estará viajando no dia). Vejo pelo menos duas questões fundamentais de serem pensadas: a confiança e abertura para o diálogo.

Eu confio, mas não falo tudo...

Tem gente que acha que namorar é virar dono. Já falei antes e repito: ninguém é dono de ninguém. Se a pessoa te namora, ela entrou em acordo contigo por escolha própria (na maior parte dos casos, ao menos) e é isso que determina a parte de confiar na criatura. Se não confia, vai namorar por quê? "Ai, eu amo, mas não confio". Trouxa. Pode amar, mas se não confia, vai namorar pra quê? Namoro é um contrato que exige confiança basicamente porque nós não estamos 100% do tempo com a outra pessoa e nem temos como estar caso queiramos ter uma coisa chamada vida. Ama e não confia? Beleza, dá uns pegas de vez em quando. Desapega.

Se a gente ama e confia, então a pessoa pode estar com o capeta rebolando na cara que vai continuar fiel. Essa é a base da confiança: acreditar que a pessoa vai honrar com aquilo que se comprometeu conosco. "Ai, mas não tenho certeza". Então não confia, volta e lê o parágrafo anterior. Não existe meia confiança. Ou a gente se entrega ou não se entrega. "Ah, eu confio, mas só um pouco". Eu já disse para voltar ao parágrafo anterior?

Tem gente que não consegue confiar. Tem ciúmes demais, insegurança demais, coisa ruim demais. Minha opinião é que essas pessoas não deveriam namorar. Devem se relacionar, sim, mas não namorar. Namoro é pesado, gente, namoro exige compromisso, exige confiança, exige a capacidade de tirar o próprio umbigo da reta e pensar que outra pessoa também pode tomar decisões e que em dado momento essa pessoa decidiu abrir mão da possibilidade de se relacionar com sete bilhões de pessoas para ficar com uma só. Não confia ou não acha que a pessoa é digna de confiança? Procura outra pessoa (ou seja outra pessoa, enfim).

"Eu sei que se disser/fizer isso, ele vai brigar comigo". Então tu tem interesse em falar ou fazer coisas, mas acha que não pode porque a pessoa com a qual tu namora vai brigar contigo? Sério? A autonomia ficou aonde? Tem gente que acha que namoro é subtração, que é aquele pedacinho em comum entre duas pessoas e o resto a gente abandona, esquece ou engole. Não é! Relacionamento é soma, é tu trazer a tua vida e colocar em contato com a vida do outro. "Ah, mas ele não entende tal coisa...". Que interessante, tu resolveu te relacionar com uma pessoa que não te quer por inteiro, que quer só uma parte de ti?

Nem toda relação precisa ser namoro

Dica para quem se sente preso: cria coragem e se liberta. Fulano não gosta de uma característica X e tu não está disposto a deixá-la desaparecer? Bem, em algum momento um dos dois terá que ceder. Se tu não acha que teu namorado vai fazer isso e tu não tem a menor vontade de fazê-lo, então por que cargas d'água está namorando essa criatura? "Ai, eu amo, mas ele não me entende...". Eu já falei alguma coisa sobre outros tipos de relacionamento? Namoro não é a única possibilidade da vida! É como se a gente pegasse todas os desejos e os condensasse dentro de uma única forma (bastante restrita) de ser e agir.

Se há uma parte de ti que está sendo negligenciada ou anulada, sinto muito, mas esse não é um relacionamento positivo, mas sim violento e opressor. Isso vale para a mulher que baixa a cabeça e lava os pratos, para o homem que não vai na Parada Gay e para qualquer pessoa que desiste de um pedaço de si em nome de outra pessoa. Quer insistir e fazer isso mesmo assim? Quer realmente namorar, não consegue nem cogitar outra possibilidade? Namora, mas aceita o preço.

Um último lembrete

Ah, e por fim não vamos esquecer uma coisinha... tudo o que vai, volta. Se tu tem coisas de si que não fala para o digníssimo porque sabe que ele não vai gostar, coisas que gostaria de fazer, pensar e sentir, parece-me minimamente óbvio que o digníssimo também terá essas reservas em relação a ti. Se um namoro é baseado em confiança, como podemos namorar com alguém que precisa esconder coisas de nós? Ou, invertendo a questão ética, como podemos namorar alguém sabendo que precisamos esconder partes significativas de nós?

Vale também lembrar, para realmente encerrar, que se não somos honestos com nós mesmos e nossos desejos, anseios etc., não deveríamos nos comprometer à honestidade para com outras pessoas. Namorar não é para tudo mundo.

segunda-feira, maio 06, 2013

Precisamos ter certeza de quem somos

Caro leitor, o título deste texto é uma mentira, mas também não é. Como ser é algo muito complicado, ter certeza é ainda mais difícil. Há quem possa entender que estou defendendo que tenhamos uma identidade fixa, sólida, bastante clara. Não é por aí.


Quem somos: em busca de uma identidade

O significado de identidade não é algo fácil de se definir. Na verdade, é até perigoso. A gente costuma definir identidade como a repetição ou permanência de algo que nos permite reconhecer esse algo. Digamos, eu bebo demais, eu sou um alcoólatra. Eu nasci no Brasil, sou brasileiro. Fiz um curso de jornalismo ao longo de quatro anos e seis meses, sou um jornalista. Escrevo textos, sou escritor. Tenho pênis, sou homem. Transo com homens, sou gay.

Com exagerada frequência, porém, nós atalhamos a compreensão das coisas através desses nomes ou conceitos. Eles resumem características nossas e nós acreditamos que podemos pensar as outras coisas da mesma forma. Assim, criamos um modelo padrão do que deve ser um homem (ou escritor, jornalista etc) e isso acaba nos cegando para percebermos variações possíveis. Ao mesmo tempo, quando aplicamos essas etiquetas de identidade ("sou jornalista", "sou escritor"...) a nós mesmos (ou aos outros), estabelecemos exigências de comportamento em torno destas etiquetas. Criamos expectativas.

Como somos: escapando das identidades

A noção de identidade não explica a maneira como nós somos e agimos. Na verdade, toda explicação acerca da realidade estará sempre um passo afastada da realidade e, portanto, jamais será capaz de explicá-la. Será, no máximo, um recorte de um determinado espaço e momento desta realidade. Quando eu digo que sou gay, isso automaticamente gera uma impressão de que essa etiqueta me define como sujeito através de toda minha vida: nasci ou me tornei gay, ajo de tal e tal jeito porque penso como um gay e assim por diante. A realidade não funciona dessa forma.

A realidade funciona como funciona, simples assim. Ela é. Ela está. Quando tentamos explicar, não podemos esquecer que aquilo que explicamos é somente isso, somente uma explicação, não um acesso direto à realidade. Se eu como uma maçã deliciosa e depois conto a alguém sobre o delicioso sabor da maçã que comi, esse outro alguém jamais saberá o que eu experimentei: ele não tem as minhas papilas gustativas, ele não estava no lugar em que eu estava quando mordi a maçã, ele não tem as minhas lembranças de maçãs anteriores etc. Tudo o que essa pessoa tem é o meu relato, palavras que ele pode associar com as próprias lembranças do que são maçãs. Ele pode até mesmo não gostar de maçãs. A minha experiência é inacessível para outras pessoas.
- Sempre me perguntei por que você decidiu ser um cachorro.
- Fui enganado pela descrição do emprego.

Então somos um apanhado de incertezas?

Bem, eu não seria tão dramático, mas essa é a verdade. Nós somos o que somos quando somos e ponto final. Através da linguagem construímos uma noção de continuidade para quem nós somos e isso é muito útil, do contrário estaríamos perdidos. Embora extremamente eficiente para muitas coisas, ela é bastante falha em reproduzir, explicar e, principalmente, condensar a realidade.

Justamente para não ficarmos perdidos é que precisamos ter certezas. Certezas de quem somos, do que queremos, do que fazemos. O risco não é acreditar em algo piamente, mas sim em acreditar nesse algo para sempre. Parece-me que um bom jeito de viver nossas vidas é ter algumas certezas e uma pilha de dúvidas. À medida em que nossas dúvidas vão se desfazendo (tornando-se respostas ou novas dúvidas), nós podemos trocar as nossas certezas por outras.

Para concluir, um exemplo: neste momento eu tenho certeza que desejo escrever e publicar. É a partir dessa noção que estou gerenciando a minha vida. Se eu tentasse abraçar tudo de importante na vida ao mesmo tempo, ficaria imensamente perdido, afogado entre sensações e demandas de lados diferentes. Família, amigos, outros amigos, ainda outros amigos, cursos, trabalhos, tudo parece importante, tudo requer a minha atenção o tempo inteiro. Eu sou apenas uma raposa, não consigo lidar com tudo junto ao mesmo tempo. É preciso definir prioridades, estabelecer quais desejos vêm primeiro, quem eu sou neste momento para enfrentar tais e tais questões. Amanhã eu posso ser outro, posso querer algo diferente, posso até mesmo desfazer aquilo que fiz anteriormente. Ser não significa ser para sempre.

sábado, maio 04, 2013

Apaixonar-se não é garantia de felicidade

Tenho um amigo que, em uma noite de outono, conheceu um rapaz numa boate e se apaixonou por ele. Era tudo que ele queria: um cara gentil, amável, bonito e com uma vida profissional promissora. Como o moço morava em outra cidade, combinaram se ver quando conseguiam e a vontade foi crescendo. Para resolver os problemas, meu amigo mudou-se para a cidade do moço que lhe roubara o coração e passou a morar com o dito rapaz.

Parece filme na sessão da tarde: carinha conhece alguém, apaixona-se, sofre, conquista e vive feliz pra sempre. Essa fórmula, repetida à exaustão, pode ter nos levado a acreditar que ela funcionará assim na vida real. Desculpem-me quebrar essa expectativa, mas isso não é verdade. A gente cresce acreditando no amor romântico e em suas promessas reforçadas pelos filmes de amor docinho, mas a realidade tem a mania de nos passar a perna.

Um dia, meu amigo acordou e tinha ao seu lado alguém diferente daquela pessoa pela qual se apaixonara. Na verdade, era a mesma pessoa, mas não era a mesma pessoa. Algo ali havia mudado. Meu amigo foi rápido em detectar o problema: seu namorado não o procurava mais para o sexo, andava cansado, reclamava disso e daquilo etc. O problema obviamente é o tal namorado que mudou, não é mesmo? Não, não é.

Paixão animais

O que significa apaixonar-se?

Quando nos apaixonamos por alguém ou alguma coisa, é como se todo o resto perdesse a importância. A mera presença do alvo de nossa paixão já nos completa. Apaixonar-se é encantar-se, é estar sob efeito de um feitiço que nos faz querer estar perto, conviver e compartilhar. Estar apaixonado não é amar, querer bem, ter vontade de cuidar. Estar apaixonado é um sentimento egoísta de querer para si, de ser atraído independentemente do bom senso.

A paixão é viciante: quanto mais do que nos enfeitiça nós ganhamos, mais nós queremos. Se não recebemos, corremos atrás. Por outro lado, quanto mais temos, mais precisamos, ao ponto que um dia o efeito perde-se de nós. Um dia acordamos para descobrir que aquela mágica que nos prendia a outra pessoa deixou de estar ali.

O que acontece quando a paixão acaba?

A resposta a essa pergunta depende do que foi construído enquanto ela existia. Isso varia de pessoa para pessoa, relação para relação. Alguns se jogam no encanto e largam suas vidas para se alimentar ao máximo e exclusivamente da paixão. Outros são cautelosos, até mesmo resistentes. Há um jeito certo de lidar com essa magia de apaixonar-se? Não. Algumas vezes descobrimos, depois que o feitiço passou, que realmente gostamos daquela pessoa. Algumas vezes nós a amamos. Outras vezes, porém, descobrimos que sem o efeito mágico aquela pessoa não se encaixa em nossas vidas.

A paixão é, como todas as coisas, passageira. O que fica após o seu término é mais ou menos a mesma coisa que havia antes dela surgir, somada e subtraída pelas mudanças vividas no processo. Nenhum relacionamento, seja ele com uma pessoa ou uma ideia, passa por nós sem deixar marcas, sem alterar o nosso caminho mesmo na mais ínfima proporção. Em meio a esse turbilhão confuso que envolve ser alguém e viver, cabe a nós conhecermos quem somos e o que queremos para as nossas vidas.

A felicidade depende do quê, então?

De nós mesmos, única e exclusivamente. Sei que é difícil acreditar, afinal, foi outra pessoa que lançou um feitiço sobre nós! Contudo, a verdade é que nossos amores começam e terminam dentro daquilo que nós somos. O contato com o outro pode aumentar, diminuir ou modificar o que sentimos, mas apenas em função de nossa percepção sobre este contato. O que sentimos e desejamos conversa com o mundo, não depende dele.

O budismo apresenta quatro nobre verdades: (1) o sofrimento é parte da vida, da doença e da velhice; (2) a origem do sofrimento é o nosso desejo e anseio pelas coisas; (3) para livrarmos do sofrimento, devemos nos desapegar destes desejos e anseios; (4) o caminho para esse desapego passa por comportamentos 'corretos', ou seja, justos, cheios de compaixão etc. Meu interesse está na segunda e terceira verdades: o nosso apego ao desejo de que as coisas sejam diferentes do que são. No caso do fim da paixão, desejamos que as coisas continuem do jeito que eram antes, que nossos sentimentos voltem a ser o que eram. Com muita frequência, nós culpamos a outra pessoa pelo esvaziamento das nossas sensações.

De quem é a culpa, afinal? 

Penso que encontrar culpados não seja a resposta. O que precisamos entender é que apaixonar-se não é garantia de felicidade, mas também não é algo a ser evitado. A paixão é como uma chama atraindo a nossa atenção: sua luz nos mostrará coisas que não veríamos sem ela. Cabe-nos continuar nossas vidas sem nos jogarmos ao fogo, aproveitando a sua luz e o seu calor. Se o fogo se apagar, talvez seja o momento de acender outras chamas ou de procurar outras luzes para nos atrair. Ou, quem sabe ainda, o verdadeiro trabalho envolva não deixar o fogo se extinguir.

A paixão – e o fogo – não são garantias de nada. Eles são parte da vida, meramente. O que faremos com eles depende do que queremos fazer com as nossas vidas. Para alguns, a resposta é alimentar o fogo e a paixão com tudo o que estiver ao alcance, inclusive com o próprio corpo e a própria vida. Para outros, um fogo, uma luz e um calor não são suficientes. Para outros ainda, o fogo é algo cujo calor deve-se aproveitar enquanto queima, não mais, não menos.

Para a vida – e para as paixões – não há respostas. Elas dependem de quem nós somos naquele preciso instante em que os eventos da vida acontecem. Só há uma constante para a vida: a mudança é a regra. Se não aceitarmos isso, estaremos condenados a viver de passados e chamas apagadas, o que é garantia de infelicidade.

sexta-feira, maio 03, 2013

As imagens querem nos beijar

Algumas imagens são perigosas. Elas nos chamam, tentam, seduzem. Basta uma olhada, nada mais. Elas são intensas, mas não gritam: sussurram. Falam conosco somente se temos algo para lhes dar em troca. Elas querem nos beijar, mas só nos beijam se queremos, se bem dentro de nós queremos e aceitamos esses beijos.

Meu projeto de doutorado inclui esse tipo de imagens. Elas tentam com frequência me aliciar, me acarinhar, e sei que pouco posso fazer para resistir a elas. Eu não quero resistir a elas. Na verdade, tenho vontade de perguntar-lhes quais são suas histórias, suas verdades – mesmo sabendo que toda verdade é uma ficção. Para minha tristeza, são imagens que não cabem aos olhos da Raposa, não enquanto a Raposa morar aqui no Blogger.

É um pedaço de mim – e dos meus desejos e beijos – que a Raposa ainda não pode transparecer. Intimidade.

quinta-feira, maio 02, 2013

Buscas opostas

Eu ando aprendendo e me envolvendo com a filosofia do zen budismo.
Eu ando aprendendo e me envolvendo com os processos de coaching.

Alerta, sirenes, barulho! Alguém levanta a mão e avisa: "raposa, são caminhos diferentes!". Sim, caminhos diferentes, mas para chegar ao mesmo lugar. De um lado, temos a busca por aproveitar a vida pelo que ela é, extrair completude e contentamento daquilo que temos. De outro, temos uma busca baseada em metas e técnicas de conquista. O resultado é o mesmo para ambas: melhorar a vida. É possível trabalhar com esses lados opostos e ainda assim apreender algum sentido disso tudo?

"Vá e pegue aquilo que te serve" até agora foi o melhor conselho que recebi a esse respeito. É engraçado isso: quando meu barquinho encontra seu rumo, algo novo e cheio de ondas aparece. Tem sabor de estar vivo, um sabor misterioso, mas sempre preferível à falta de paladar.
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