sexta-feira, maio 24, 2013

Ninguém precisa ouvir tudo o que a gente pensa

Um aluno veio a mim e explicou seu projeto de trabalho, que envolvia animais abandonados e uma campanha para que as pessoas prevenissem seu sofrimento através da castração. Eu respondi-lhe que era uma luta válida e interessante, mas que não me engajaria nela, pois não faz parte da minha agenda política. Gostaria de apontar duas coisas sobre esse incidente: como a linguagem pode nos enganar e como existem coisas que não precisamos dizer.

A linguagem é traiçoeira

Com frequência, o que dizemos com uma intenção é interpretado como se fosse fruto de outra intenção completamente diferente. Poucos minutos após haver conversado com o aluno, encontrei-o comentando com outros professores sobre como eu havia destruído suas ideias e como meu comentário era de que seu projeto não tinha valor e não deveria ser feito. Isso obviamente foi um equívoco interpretativo. Eu afirmar que não tenho interesse numa determinada ação de forma alguma significa que a ação é ruim. Seria o mesmo que dizer que tudo que me interessa é bom, interessante e produtivo, o que certamente não é verdade.

Esses enganos geralmente acontecem porque nós gostamos de reduzir as coisas. Ouvimos uma ideia e a quebramos em resumos. Esses resumos deixam de lado partes importantes para a interpretação correta daquilo que foi falado. Isso também acontece quando achamos que entendemos um texto lendo seu título ou apenas um parágrafo, como já escrevi antes.

Outra coisa que acontece é que pegamos nojo de algumas palavras. Se as ouvimos, imediatamente tudo que as circunda vira igualmente desprezível. Aconteceu na minha aula de filosofia: o aluno perguntou se crítica era algo bom e a professora imediatamente disse que não, pois crítica é sinal de medo e de ataque desnecessário às coisas que não conhecemos. Creio que ele se referia a pensamento crítico, reflexivo e analítico, mas que a professora compreendeu 'crítica' como um ataque, uma desqualificação.

A maior parte das pessoas não escuta com a intenção de entender, mas escutam com a intenção de responder.

Ninguém precisa ouvir tudo o que a gente pensa

Percebi enquanto escrevia esse texto que não havia necessidade alguma de dizer ao aluno que eu não me engajaria no tipo de luta que ele estava propondo. Que benefício isso trouxe à nossa conversa? Adicionou alguma coisa, além de impor uma característica negativa ao diálogo? Não. Simplesmente achei que meu ego precisava se manifestar e deixar ali a marca de sua magnânima importância. Afinal, ele saber se eu agiria ou não conforme a proposta dele mudaria completamente o rumo do mundo, não é mesmo?

Esse é um exercício realmente difícil: distinguir quais verdades são importantes de serem ditas e quais os outros não precisam ouvir. Isso não significa que eu não possa desgostar de algo ou que não possa escolher não tomar parte de algo. Pelo contrário, temos todo direito à opinião própria. O porém é que muitas vezes a nossa "opinião própria" não está sendo requisitada. Meu aluno não queria saber se eu estava interessado em castrar cachorrinhos, mas sim se aquele seria um trabalho bacana de desenvolver. Ao colocar a minha posição frente ao tema e não ao trabalho em si, facilitei que meu comentário fosse compreendido negativamente.

Devemos filtrar aquilo que falamos aos outros pelo bem do respeito e da convivência. Três filtros atribuídos a Sócrates parecem uma boa medida: falamos aquilo que é verdadeiro, bom e útil. Do contrário, podemos guardar para nós. O que eu falei a meu aluno era verdadeiro? Sim. Era bom? Creio que não, pois em certa maneira desqualificou sua posição. Se não for já suficiente entender que não era bom, posso ainda pensar se era útil e perceber que na verdade foi absolutamente inútil e contraproducente.


Esses momentos em que tudo o que temos para comentar é falso, ruim ou inútil podem ser lindos convites ao silêncio, a ouvir o que o outro tem a dizer sem o irritante e persistente ego se manifestando. Como eu disse, não é um exercício fácil. Ouvir os outros nunca é fácil, pois demanda calar primeiro.

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