Tem sido a questão orientadora do meu semestre: como fazer uma boa crítica cultural. Artes visuais, literatura, música, performances; todas as diferentes linguagens que se mesclam dentro de um mesmo conceito, o de arte, mas que não podem ser trabalhadas sem o preparo de uma vida de estudos. Será mesmo?
Antes de tentar sequer esboçar o que é uma boa crítica, que tal começar pelo papel do crítico e sua (ingrata? divertida?) tarefa?
Não é anormal se dizer que para desconstruir algo é necessário que antes saibamos como construir. Portanto, deveríamos nos limitar a falar sobre aquilo que conseguimos fazer, de preferência melhor. Essa visão tem um problema que salta aos olhos numa primeira avaliação: o que é ser melhor?
Não precisamos nem entrar nos méritos de (in)definição sobre o que é bom e o que é ruim nas manifestações culturais. Basta a dúvida que fica ao pensarmos quem elegerá os críticos. Eles serão os melhores, certo? Quem, então, os criticará? Serão eles uma cúpula dos poderosos inatacáveis e infalíveis? Existiria um papa da crítica?
Ainda com essa linha de raciocínio, é difícil acreditar, portanto, que um crítico seja capaz de apontar o que é bom e o que não é. Bom pra quem? Em que sentido? Pra quê? Parece-me muito mais confortável aceitar que o crítico, ser letrado que se supõe ser, deve mostrar ao leitor do seu trabalho o que ele está analisando e onde a obra se insere em termos de rede e background. Por rede entendemos a teia de conexões que relaciona os elementos do momento presente; e, por background, a história e as transformações passadas na rede. Quem é o autor? O que ele está oferecendo aos leitores? O que ele já fez antes, quem já fez o que ele está fazendo?
É absurdo esperar de um crítico a explicação de uma obra. Esta expectativa é tão ínscia quanto a tentativa de entender e recriar os pensamentos e intenções do autor da obra analisada. No caso específico da literatura, como saber o que passou realmente pela mente do escritor na hora de surgir o texto, quem vai conseguir traduzir os complicados caminhos que as letras fazem pelo cérebro e pelo coração? Talvez devamos voltar à idéia de infabilidade crítica...
O processo crítico é apenas uma leitura da realidade. Teoricamente reforçada de uma bagagem cultural superior à média, mas ainda assim uma leitura. Cabe ao crítico a humildade de aceitar que não possui o dom da Palavra Verdadeira. Quando se trata de arte e cultura, aliás, é perda de tempo a procura pela objetividade por trás do subjetivo. Neste ponto defendo que o crítico deve se desarmar da instituição que o suporta: ele não deve ser a voz de um jornal, a posição de uma entidade. Quando assume esse papel, assume também a perspectiva jornalística da infabilidade factual, passando a ser visto como correto. É o efeito "é assim porque eu li no jornal". Esse é um problema constante na crítica cultural e no jornalismo como um todo. A crença de que o jornalismo é um espelho objetivo e não-intencionado do que ocorre na realidade parece ingênua aos olhos treinados, mas esses olhos são tão poucos que até mesmo nos enganamos pensando que todos sabem o que esperar de uma publicação.
O crítico é, antes de qualquer coisa, um indivíduo com uma visão, justamente, particular. Não acredito numa análise sem juízo de valor, sem envolvimento pessoal. Pelo contrário, o crítico deve expor seu pensamento e justificá-lo em seus gostos, mas sem enganar o leitor. Interessa saber se um filme não agrada ao jornalista, bem como interessa acompanhar o conhecimento aprofundado na área analisada.
O achismo, porém, muitas vezes disfarçado de intuição, não é o melhor caminho para uma boa crítica. Embora o analista deva confiar nos seus instintos para construir sua reflexão, é necessária a existência de uma base que possa sustentar o que será dito.
Parece-me, enfim, que uma boa crítica é aquela que traz conteúdo para que o leitor possa situar a obra em seu mundo, mas que também permite o leitor conhecer o crítico. Ao mesmo tempo que aquele que analisa é legitimado por seu conhecimento, ele também deve ser reconhecido como alguém de quem se pode discordar.
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Muito se deve dizer ainda sobre crítica e eu certamente retornarei a esse assunto. Questões importantes como a escolha do que criticar e as formas de fazer esse trabalho foram deixadas de lado apenas para uma aproximação inicial.
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