quarta-feira, abril 10, 2013

O tempo do olhar

Um leitor vive mil vidas antes de morrer. O homem que não lê vive só uma.
Atrasado para a aula, o esperto aluno folheou Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e descobriu que o autor era fácil de ler e entender porque escrevia tudo em subtítulos. Ora, por que ler os capítulos se ele já resumia todo o seu argumento desta forma? Leu no ônibus, rabiscou algumas coisas com o lápis balançando e se encaminhou para a sala de aula a tempo de contribuir com uma ou outra colocação. Desde esse dia, o nome Paulo Freire lhe acendia no cérebro luzes de ingênuo, simplista e auto-ajuda para educadores. Afinal, que bom argumento poderia ter um autor que escreve por meio de subtítulos óbvios?

Por sugestão de amigos, uns dois anos depois, o então professor se pegou novamente lendo Paulo Freire, desta vez na companhia de um chá quentinho através da madrugada, não da pressa desenfreada de um ônibus sacolejante. Desta vez com algum tempo, dedicou-se a ler a introdução. As palavras todas pareceram diferentes. Teria o livro se transformado ao longo dos dias em que esteve guardado na estante, se reescrito e se tornado mais profundo, menos ingênuo, menos simplista?

No trânsito das identidades, o aluno que virara professor voltou a ser estudante e decidiu dar uma chance ao autor e também a si mesmo: a chance de um olhar humilde, de um olhar que só se permitiu ser humilde por haver compreendido que, não muito antes, se sentia no direito de julgar o mundo. Um olhar de criança com o dom de saber tudo tornado em um olhar de quem entende a mágica dos livros que se transformam na estante.

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