quinta-feira, agosto 15, 2013

Jornalismo e gênero, ou Questionando os MEUS preconceitos

Hoje vi uma notícia sobre uma moça que se veste e se porta "de modo masculino" e fiquei... pensativo.


Os critérios para ser notícia

Os jornais publicam notícias que, acreditam, alcançarão os interesses de sua audiência. Para isso, se apoiam no que os teóricos chamam de critérios de noticiabilidade. Não é uma coisa que os jornalistas, na hora de decidir o que é ou não uma boa notícia, pegam uma listinha e vão marcando os itens. Essa lista é internalizada, a gente aprende na faculdade através dos professores, da prática cotidiana e, como qualquer leitor ou vivente, do contato diário com a mídia.

Aqui vão alguns critérios que listei em minha monografia de graduação:
Tempo do acontecimento: o jornalismo é sempre atual, então a notícia deve ser fresquinha, deve ser algo que está acontecendo ou que aconteceu no máximo ontem. Em tempos de internet, suspeito que o ontem já está sendo tarde demais.
Amplitude e clareza: quanto mais, melhor, quanto mais acessível ao leitor médio, melhor. Ou seja, o texto jornalístico frequentemente ensina o leitor, funcionando como um professor. Acho mais do que importante mencionar que esse professor é legitimado e o leitor médio não sente que tem motivos para desconfiar dele. Se saiu no jornal, deve ser verdade.
Significância: a notícia deve ser de interesse para o seu público, ou seja, deve afetar a vida dele de alguma forma. Essa é uma tecla que vou bater muito: dependendo do tratamento feito, uma notícia pode ser extremamente eficaz em combater preconceitos. Infelizmente não costuma ser.
Consonância: a notícia deve estar de acordo com os consensos, com o status quo. Isso aliás é bastante importante e acontece também na publicidade: lugar de revolução é fora da mídia, ao menos da mídia tradicional. Graças aos deuses que os espaços de visibilidade social estão se ampliando (embora não sem correr riscos, vide casos de propostas legislativas de regulação da internet).
Imprevisibilidade: ah, a cereja da notícia que me atraiu. O jornalismo ganha pontos de "jornal bacana" se a notícia for surpreendente. O que é tipicamente surpreendente? Pisar nas minorias ou nos "estranhos". Como a menina que é um gato.
Personalização: esse não é bem um critério do fato em si, mas a maneira como a matéria é escrita, ou seja, a partir da perspectiva de uma pessoa específica com a qual o leitor médio possa se identificar.

Normalmente são apontados mais alguns critérios de noticiabilidade, como a negatividade e o olhar para as elites, mas preferi destacar apenas esses porque me ajudam a pensar sobre a "notícia" da moça.

Questionando (os meus) preconceitos

Eu estava pronto e armado para criticar a matéria do R7, que na minha cabeça estaria tripudiando sobre a garota que se veste "como homem" e toma hormônios para modificar o corpo. Quando escrevi "o que me incomoda nesta matéria" foi que me dei conta que eu não sabia o que me incomodava na matéria, então voltei a ela e reli completamente. Só uma coisa, a meu ver, é realmente digna de crítica: o fato da posição da matéria frente ao caso ser "imparcial", ou seja, fingir-se de objetiva ao invés de defender abertamente um ponto de vista.

Claro, o fato de o jornal não fazer essa defesa não me exime da reflexão sobre meu desleixo intelectual. Simplesmente estou acostumado a ver sujeitos que não se encaixam nos bloquinhos tradicionais do binarismo serem retratados preconceituosamente na mídia, portanto assumi automaticamente que o mesmo estaria acontecendo na matéria. Isso é muito feio, gente. Ainda ontem estava na aula de Teoria da Imagem dizendo para os meus adoráveis estudantes que precisamos olhar não apenas para as imagens, mas principalmente para o momento em que nós olhamos as imagens. É nesse momento que os nossos preconceitos se ativam.

Defendo que toda visibilidade não negativa (ou seja, sem fazer piada em cima, sem pisar, sem dizer que não é legal ou que não é humano etc.) é mais do que necessária. Muitas vezes o nosso preconceito é fruto de não sermos capazes de conceber, ou seja, de vislumbrar determinada possibilidade ou situação. Eu não consegui, por exemplo, imaginar o R7 fazendo uma boa notícia envolvendo questões de gênero. OK, não é boa, faltou avançar muito para ser realmente bacana, mas já é um baita começo colocar as declarações da moça, que por sinal são bem pertinentes.

Lição do dia para mim mesmo: antes de se armar para a batalha, leia direito e pense sobre o que está prestes a criticar. Há muito a se enfrentar no mundo, sem dúvida, mas de vez em quando temos algumas surpresas positivas.

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