domingo, abril 01, 2012

Democracia, o interesse da maioria

Eu recebo por e-mail atualizações do Google sobre algumas palavras-chave que entram em seus sistemas todas as semanas. Uma delas é sexualidade, o que me levou a uma notícia sobre um novo curso de extensão patrocinado pelo Ministério da Educação. Como eu mesmo ministro cursos de extensão sobre o tema, sempre leio a respeito de outras iniciativas para comparar ideias, métodos e possibilidades de aplicação. Ainda quero acreditar que a educação é um caminho de mudanças possíveis. Até que li os comentários. Vou escolher um ou outro e comentar algumas coisas por aqui, como um exercício de reflexão...
Não tem nada melhor pra fazer com o dinheiro público? Que tal mais estrutura nas escolas públicas? Ou que tal intruir os 'homos' a não provocarem a sociedade com atitudes desrespeitosas, além de não se comportarem como hetrofóbicos?
Tenho que concordar que, em uma sociedade ideal, as pessoas não precisariam de cursos de formação voltados ao respeito às diferenças. Nesta mesma sociedade, porém, jovens não cometeriam suicídio por terem suas compreensões de vida proibidas ou provocadas e condenadas como imorais e errôneas. Ainda nesse nosso mundo utópico, as escolas seriam espaços de reflexão e aprendizagem, ao invés de campos de transformação de crianças em adultos enlatados.

Além disso, o que, exatamente, significa "não provocar a sociedade"? Essa frase dá a entender que existe uma única sociedade, ou um tipo de conceito em particular que é o correto, talvez alguma virtude universal ou um modelo de civilização que responda às necessidades humanas mais elevadas. Bem, na última vez que fui procurar, de fato existia, mas quem corresponde a ela não somos nós, provincianos brasileiros, mas sim os brancos europeus de classe média heterossexuais monogâmicos cristãos. Desde que voltei dos Estados Unidos, passei a encarar minha própria arrogância com alguma desconfiança. Não, eu não acho eles melhores do que nós, tampouco me acho melhor do que algum outro país. A questão aqui é que no geral o Brasil não existe para os estadunidenses, e quando existe a noção é floresta e índio. Não preciso nem citar outros países que nós consideramos inferiores, né?
Só pra ilustrar, no domingo à noite pelas 20h vi duas meninas se agarrando e se beijando, sentadas EM FRENTE à uma igreja. Não sou religioso, mas pra quem é, isso só pode ser uma atitude provocativa. Isso não é respeito, o que eles tanto querem. Se quiserem ser respeitados, respeitem primeiro.
Aí um beijo vira desrespeito. "Isso não é respeito, o que eles tanto querem". Eles. Nós. Acho que já escrevi anteriormente sobre isso. Rá, escrevi mesmo: aqui sobre pensamento crítico e aqui sobre ignorância. Resumindo, quando separamos nós e eles, o nós vira o modelo de correção e o eles se torna o exemplo daquilo que está errado. Só para manter o exemplo anterior, há uns 500 anos atrás, nós éramos os eles da Europa. Para quem ainda não entendeu o recado, ainda somos.

E o tal do respeito, como fica? O que é respeitar uma igreja? Se fosse um casal heterossexual (sim, eu sei, é uma pergunta batida, mas ela precisa ser feita), seria um desrespeito ou uma demonstração de afeto e carinho frente à instituição da monogamia e do amor? Na relação entre público e privado, o que entendemos como normal é que tem direito de estar em público. Homem e mulher, dois filhos, um cachorro. O casal de lésbicas com uma gata em casa não pode. Aliás, pode, desde que "fiquem na delas" e respeitem quem não quer olhar.
Agora é moda ser colorido...por isso os ânimos exaltados de alguns quando falam qualquer coisa contra o movimento do arco-íris. É bom lembrar que é ano de eleição, e os coloridos tb votam...além de proporcionar uma excelente propaganda para políticos inescrupulosos e hipócritas demagogos.
Um dos discursos percebidos na minha dissertação de mestrado diz respeito ao paradoxo visibilidade x tabu que a sexualidade enfrenta. Atualmente, as informações circulam com facilidade e as pessoas conseguem se conectar em lugares e tempos distantes de maneiras que não poderiam há vinte anos atrás. A tecnologia nos permite localizar e alcançar sujeitos com os quais compartilhamos características de uma forma que nos seria muito mais difícil em outras épocas. Essa crescente visibilidade (que também não é recente, mas vem sempre com um gostinho de "ah, isso é novo") assusta e dá a entender que agora virou moda "ser colorido".
Antes de tudo, sou contra qualquer discriminação e a favor da diversidade, desde que seja construtiva. Mas a discussão nos comentários é injusta. Homossexuais não sofrem mais do que pobres, negros, índios e pessoas com necessidades especias. E mais, eles tem opções...os outros não. O que parece que existe atualmente é uma tendência de querer impor seu modo de vida sem se importar com o restante da população. Acho isso errado. 
Existe um tipo de discriminação que é tiro e queda: a invisível. A gente acredita tão firmemente que não tem preconceitos que, veja só, chegamos até a acreditar. Se não estivermos abertos a rever nossas próprias posições, a probabilidade é de estarmos ignorando e excluindo uma quantidade incrível de vivências e experiências que sequer consideramos. E, como acontece com tudo o que a gente não sabe, a gente não sente que não sabe, ou que sabe de outra forma.

"Homossexuais não sofrem mais do que pobres, negros, índios e pessoas com necessidades especiais". Essa é um pouco delicada de responder. Acho que um bom ponto para começar é: esses grupos são homogêneos? Dá pra dizer que todo pobre tem as mesmas experiências? Todo negro? Todo viado? Todo deficiente? Ou será que esse é um erro lógico?

"E mais, eles têm opções... os outros não". Não sei de que opções estamos falando. Quando um bando de machista me cerca e me espanca com uma lâmpada, ou interfere no meu relacionamento, ou me cerca e bate de novo, que opções eu tenho? Quando eu não posso falar sobre meu fim de semana com meu namorado na escola em que eu ensino, pois homossexualidade "é um tema particular", mas meus colegas heterossexuais falam do passeio com as esposas, que opções eu tenho frente a esse silenciamento? Eu não quero comparar as opressões sofridas por homossexuais e as enfrentadas por negros, pobres, deficientes etc., até porque não as considero necessariamente separadas.

Aí entra a minha parte favorita da resposta, motivo do título desse texto: "o que parece que existe atualmente é uma tendência de querer impor seu modo de vida sem se importar com o restante da população". Meu querido, tentarei ser o mais direto possível: isso não é atual, é algo que a gente chama de heterossexualidade compulsória, ou presunção de heterossexualidade, ou ainda heteronormatividade. É o que acontece quando a gente equivale a ideia de normalidade com a de ser atraído pelo outro sexo. É o que acontece quando tu pode casar, mas eu (o restante da população) não. É o que acontece quando a tua igreja considera desrespeito que eu beije meu namorado na frente dela, mas a minha não. É o que acontece quando eu não acho legal que tu venha me bater só porque, sei lá, tu está de saco cheio da vida e não tem nada melhor pra fazer com os teus dias. É o que acontece quando crianças são levadas para acampamentos para terem seus comportamentos adequados à "norma".

A maior sacanagem política que existe é dizer que democracia é o melhor jeito de tratar a vida social, quando na verdade ela responde à maioria e atropela as minorias.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...