domingo, janeiro 10, 2010

Conectando-se

Uou, acabei de olhar o primeiro capítulo da sexta temporada de House. Episódio duplo, uma hora e meia de duração. Simplesmente fantástico. Tudo acontece em torno da noção de se permitir aos demais, em abrir-se à confiança, em se permitir sofrer por ter sido feliz, antes.


Até antes de 2006 eu era completamente incapaz de me relacionar com seres humanos. Nas palavras de um familiar, "eu não tinha alma". Sem desejos, sem interesses, nada do gênero. Hoje em dia eu digo que simplesmente não existia, na época.

Lembro que, em 2001 ou 2002, eu estava certa vez sentado em uma escadaria que ficava meio escondida lá no colégio em que estudava. Ela cruzava uma espécie de bosque, cheio de árvores enormes. Muitas vezes eu ficava ali sozinho, deixando o tempo passar até que a próxima aula começasse. Minha existência era meramente burocrática. Nesse dia uma menina um ano mais nova que eu veio falar comigo, ela também estava sentada lá, isolada, sem ninguém para olhar por ela. Nós passamos algumas semanas nos encontrando durante os recreios, num arremedo de amizade que não se sustentou. Não consigo lembrar o motivo, mas acredito que tenha sido algo como medo do preconceito que as amigas dela tinham em relação a pensar nela ficando comigo. Eu era bem desajeitado, feio e encolhido, na época, e estudava num colégio particularmente cruel.

Também nessa época houve um acontecimento que me marcou. Apesar de ser absolutamente antissocial – eu sempre evitava contato com seres humanos, apesar de ser uma pessoa naturalmente carismática –, eu queria ser diferente. Certo dia, após o almoço, eu estava sentado sozinho por algum lugar do colégio, e vi dois colegas se aproximando. Eu admirava os dois, tanto pela inteligência de um deles quanto pela popularidade de ambos.
Eles vieram, perguntaram o que eu estava fazendo ali. Respondi qualquer coisa como "ah, só matando tempo" e, quando fui me preparar para levantar e acompanhá-los, eles disseram algo do tipo "nah, nem precisa, pode ficar aí". Não sei se havia alguma intenção de me afastar ou o que, e nem importa. A essência desse momento está no fato de eu ter ficado ali. Dentro de mim, porém, conseguia ouvir os gritos da raposa "não vão embora, me tirem daqui, fiquem perto de mim".

Foi nessa época que escrevi meu primeiro romance. Ele provavelmente nunca será publicado, é de um texto infantil, pobre. A história foi construída sobre a idéia de que cada pessoa teria pelo menos um "anjo" na sua vida, uma pessoa com o poder de ajudá-la. Chamei a história de Teoria dos Anjos. Ela tinha um final feliz.
Chega a ser engraçado comparar o ontem e o hoje. Lá eu acreditava que o caminho era triste, mas o fim poderia ser feliz. Hoje é justamente o contrário, não imagino uma possibilidade de um fim que seja contente, justamente por ser um fim. O caminho, contudo, não pode ser triste também, do contrário nada valerá a pena.

De 2006 a 2008 iniciei o processo e comecei a construir algumas pontes. Foi um período difícil, mas ao mesmo tempo incrivelmente feliz. Tive certeza – e como é bom ter certezas – de que era amado e que podia amar outras pessoas. Não existe modo de determinar o quanto algumas fizeram diferença no meu existir, nem tampouco o quanto eu mudei.
Eu ter namorado ao longo de dois anos e meio, bem como ter sentido as dores de uma separação ainda misturada com amor, foi o que mais me marcou, certamente. Haver começado o ano encontrando amigos, me abrindo pra eles e me mostrando frágil também tiveram um papel impossível de ser medido.

O fim de 2008 foi o fim de tudo. Iniciei 2009 jogado numa espécie de limbo caótico: sem certeza de trabalho, sem aulas para assistir, sem um par romântico definido. Tudo nesse ano que recém passou teve de ser feito do zero, ou de um ponto muito baixo. A diferença crucial esteve o tempo inteiro no fato de que eu sabia o que queria para mim. Eu queria ser a pessoa que viveu. O cara aquele que tem histórias para contar, ao invés de ser o que sorri e diz "puxa, que legal, queria ter feito algo parecido".
Demorei um bocado a entender que estar com 22 ou 23 anos não significa que a inexistência até os 19 me impede de mudar. Justamente pelo contrário, foi a ausência de histórias e de sentimentos que me movimentou. Eu era uma casca querendo ser preenchida. Uma criança com grandes olhos apontando para todos os lugares, ainda incapaz de esticar a mãozinha e pegar o que quer.

Começo 2010 com uma certeza, e as certezas continuam agradabilíssimas!
Estou vivo.
O mundo vai continuar mudando, pessoas boas irão embora, criaturas cretinas persistirão, a inteligência e a liberdade não serão a regra.

Talvez um ano atrás eu não estivesse pronto, ainda, para chorar a ausência de um amigo. Ou para confessar meu coração, ou ainda para aceitar que ele não pudesse ser recebido.

Estou vivo, e por trás da raposa existe um humano.

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