quinta-feira, janeiro 28, 2010

Iterações infinitas

É inegável o fato de que um acontecimento pequeno – uma borboleta voando, digamos – tem o poder de gerar eventos altamente improváveis ou, no mínimo, imprevisíveis. Tenho batido nesta tecla com frequência, pois foi essa percepção que me permitiu, ao longo de 2009, explorar alguns caminhos da vida. É uma questão de escolha: permitir que o mundo desenvolva os acontecimentos ou fugir deles o máximo possível. De um lado, o caos e o medo do que pode acontecer; de outro, a segurança e certeza do que já aconteceu.


Eu sou frustrado com o meu passado, ou com minha ausência de história. Apesar de ter sido dotado com uma inteligência acima das dos meus pares, eu nunca a aproveitei como poderia por falta de experiências para movimentar os neurônios. Nada tira da minha cabeça que tudo que eu precisava, aos 12, 13 anos, era de um choque, um impacto para o qual eu não estivesse preparado para lidar.

No meio de um mundo heteronormativo, eu me agarrava a amores platônicos por garotas que nunca poderiam ser minhas. Nem eu saberia o que fazer com elas, caso um dia retribuíssem. Creio que, para o mundo feminino, estive desde cedo destinado a ser um companheiro fiel, um amigo impagável, no lugar de um amante.

Dentro de uma família disfuncional, em que toda atenção esteve sempre voltada para a ovelha negra, e depois para a matriarca do sangue, ou para a tia debilitada, ou para qualquer outra questão mais importante que o menino perdido, aprendi a me esconder e a mentir. Foi lá que a raposa nasceu, pronta para desafiar o mundo e proteger o enfraquecido canceriano. Existem muitos modos de se ter uma infância ruim; nem todos envolvem falta de amor. Desde cedo eu era o orgulho da família, a esperança do sangue. "Apesar de tudo, este vai dar certo". Pois é verdade, eu cheguei mais longe que qualquer um nessa família e com muito menos idade.

Talvez esse seja o meu grande rancor: eu nunca tive espaço para errar, para aprender com minhas próprias experiências. Enrolado em planejamentos e estratagemas, o sonhador foi se deixando levar pelas ondas criadas por outros barcos, sem muito empreender em seu próprio oceano. Dias inteiros perdidos em silêncios cinzentos. Como alguém que amadureceu tão rápido no quesito "cuidar dos outros" demorou tanto para deixar de ser uma criança sobre si mesmo?


Nesse tempo todo, tudo que eu precisava era de um primeiro acontecimento. Curioso que, mesmo sem ainda ter a noção consciente, eu ansiava por isso. Ensaiava alguns passos na direção do caos, porém passos controlados, medidos cientificamente para evitar danos. Ora, se o perigo é evitado não há verdadeiro caos. Onde existe controle não é possível expandir. Eu tinha medo do que poderia descobrir, a que conclusões poderia chegar.

Imaginando em retrocesso, não sei se conseguiria suportar alguma mudança drástica na minha vida com 14, 15 anos. Eu sempre soube o que queria, mas nunca conseguia encontrar os caminhos para chegar ao idealizado. Tão sagaz em relação às personalidades dos outros, sobre que caminhos deveriam seguir, e ainda assim cego sobre minha própria estrada. No fim das contas, a culpa foi minha também, por não ter crescido antes.


O ponto de ruptura foi numa noite de 2005. Não sei dizer exatamente qual noite, a data específica já se apagou da minha mente, e naquela época eu não escrevia ainda na Raposa Antropomórfica. Heh, sequer me construía nessa metáfora. Sei que foi no fim do ano, última semana, provavelmente.
Depois de anos de tentativa frustradas de fugir ao meu próprio controle, à minha falta de alma, eis que apareceu a chance. A gente só se joga no caos se acredita que ele pode nos fazer melhor, se achamos de verdade que o instável é melhor do que o conhecido. Eu não tinha nada sob controle, nem mesmo uma alma. Sentimentos? Emoções? Gente, está escrevendo aqui a pessoa que, ao receber a notícia de que havia passado no vestibular, ao invés de comemorar, sentou no sofá para continuar olhando novela. O que lembro daquela noite? A felicidade do meu padrasto e a cor acinzentada que a sala da praia começava a assumir, no fim da tarde.
Eu tive medo na noite em que tudo mudou. Muito medo mesmo. Medo de que alguma coisa acontecesse de ruim, medo de que eu pudesse estar fazendo algo terrivelmente errado. E foi tão bom, tão intenso, tão diferente. Ainda assim, fiquei imóvel. O mundo poderia, mais uma vez, ter entendido o recado como "não quero participar do caos" e me deixar lá, isolado em mais uma tristeza de algo que não vivi.

Eis a minha teoria: uma palavra, um gesto, as vezes um sorriso é suficiente para mudar a vida de uma pessoa para sempre. Para mim foram gestos, palavras, paciência para o pavor dissipar-se num moderado temor. Compreensão a respeito de um garoto de 19 anos que queria experimentar o mundo, mas não sabia que podia.


A minha vida teria sido diferente se alguém houvesse cruzado meu caminho antes.
Hoje me despedi de uma bolsista da Gráfica, que vai viajar durante fevereiro e quando voltar eu já terei partido para Goiânia. Ela me agradeceu por tudo que a ensinei, em o que, dois meses de chefia? Não sei ao certo o que foi esse tudo, mas espero que tenha sido não muito, mas sim essencial. Que um dia ela pense "puxa, que legal que tive o Tales como chefe". Não pelo orgulho de ter sido alguém legal, ou importante, mas sim pela noção de que fiz diferença na vida de alguém.

Eu quero fazer a diferença. Se possível, muitas diferenças.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi,
Gostei do seu texto...
(Como vc diz no seu perfil, sim, sempre existe um curioso =D)

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