Não me entendam mal, mas eu odeio sala de aula. Talvez seja feio um professor dizer isso, mas a verdade é que o espaço físico no qual acontecem as interações professores-estudantes é ridículo e antiquado. Que tal todos alunos um atrás (e ao lado) do outro, enxergando uma única coisa: o professor?
É muita pretensão! Além disso, a sala de aula é um espaço sem vida, igual para todo mundo. Qual é a sensação que se sente ao entrar em uma dessas? Alívio, felicidade, êxtase? Acho que não. Na realidade, tédio e cansaço imediato parecem respostas mais adequadas.
Estou tentando pensar esse espaço (a sala) e essa vivência (de aula) como um designer ou um publicitário faria. De preferência, como um publicitário designer faria. Não sou nenhum dos dois, eu sei, mas não custa tentar, certo?
Ontem consegui um feito incrível na aula: quase todos os estudantes sentaram-se próximos de mim, ao invés de no fundo da sala, como tipicamente o fazem. Como eram apenas oito em sala, isso foi mais fácil de realizar. A verdade é que salas lotadas são mais complicadas de gerenciar. A proposta que fizemos para aulas de debate não é nova, mas pode fazer uma diferença: sentaremos em círculos. Sexta-feira terei uma noção de como essa abordagem funcionou. Eu, como estudante, nunca gostei de círculos, mas estou curioso para saber se funcionará enquanto professor.
Além disso, preciso refletir sobre por que eu não gostava dos círculos... Talvez eu não quisesse participar. O que me leva à segunda parte dessa reflexão: o que é possível fazer para que a relação com o processo que ocorre na sala de aula se modifique? Quando entramos num espaço prontos para o tédio, aposto que nossas probabilidades de confirmarmos o tédio sejam muito maiores do que as de ficarmos felizes. Predisposição tem um poder incrível sobre nós. Para que uma aula seja bacana, primeiro preciso vencer o tédio pré-instalado, para só então chegar a algum estágio de felicidade. Isso é péssimo!
O que precisa ser feito é modificar a forma como os estudantes percebem a educação. Que expectativas e valores estão sendo colocadas sobre a sala de aula? É aqui, infelizmente, que ainda não tenho respostas, apenas mais perguntas...
quinta-feira, fevereiro 28, 2013
terça-feira, fevereiro 26, 2013
É mais cômodo ser quem eu já sou
Esse texto é melhor lido acompanhado da música a seguir.
Alguns acontecimentos separados me levaram à conclusão do título e ao desejo de não me conformar. O primeiro deles foi o exame de nível para o curso de francês no Centro de Línguas da UFG. Fui lá, me inscrevi para o nível dois e passei. Aliás, "passei", já que não fui exatamente bem na prova escrita e se minha avaliadora não fosse extremamente simpática e de bem com a vida, minha prova oral teria sido zerada. Enfim, passei e logo voltarei a estudar o francês.
"Não consigo te imaginar nessa situação", disse uma amiga. Faz sentido, eu quase nunca me permito viver momentos de risco. Se há possibilidade de falhar ou ir mal, eu não faço. De alguma forma, isso se amplia com relação a aprender coisas novas. "Não sou autodidata", eu digo, acho que mais pelo medo de não chegar ao nível de excelência que espero do que pela pressa de aprender rápido ou pelo esforço de me empenhar. Eu só fui fazer a prova de francês porque na minha memória as palavras e frases fluíam mais facilmente do que a realidade demonstrou.
Essa mesma amiga esteve por um tempo ensinando-me a cozinhar. Coisas simples, ação do fogo, água borbulhando, temperos se misturando. Coisas complexas, também. Para mim, o exercício de cozinhar está fundamentalmente conectado ao fazer compras, ter ingredientes e inventar combinações. Gosto de fazer as coisas ao contrário: primeiro compro algo, depois decido o que fazer com o que comprei. Isso dá origem às minhas "semanas da batata" ou ao "mês do pimentão" (ainda bem que existem pimentões de várias cores!). Como desculpa para não cozinhar, xingo a falta de qualidade do mercado mais próximo, acordo tarde demais para a feira no sábado e reclamo que os mercados decentes ficam longe demais. Tudo bobagens e desculpas tolas, já que a maior parte disso é mais do que trabalhável com um pouco menos de preguiça.
Para completar, namoro a possibilidade de aprender a desenhar há anos. Fiz uma especialização em Expressão Gráfica, oras! Um curso no qual resisti por um semestre inteiro a sequer tentar desenhar, sempre procurando formas de esquivar da prática com o lápis. Terminado o curso, percebo que meu traço evoluiu absurdamente. Isso faz três ou quatro anos e quase nunca pratiquei desde então.
Tudo isso me leva a refletir sobre quão mais fácil é existir do que viver, simplesmente estar ali e de vez em quando fazer o que se tem vontade, isso se não for muita canseira. Fico aqui esperando que outras pessoas entrem na minha vida e me coloquem em movimento, que me ensinem, que me proporcionem aprendizagens. O que eu quero para mim vai ficando em segundo plano. Terceiro. Quarto.
Por mais que me doa reafirmar, ainda estou longe de ser a pessoa que gostaria: alguém que vive. O pior de tudo é saber que essa mudança "tão simples" que almejo para mim não depende de mais ninguém. Eu devo me tornar a pessoa que imagino, viver a vida que desejo e parar de inventar desculpas pelo caminho.
Alguns acontecimentos separados me levaram à conclusão do título e ao desejo de não me conformar. O primeiro deles foi o exame de nível para o curso de francês no Centro de Línguas da UFG. Fui lá, me inscrevi para o nível dois e passei. Aliás, "passei", já que não fui exatamente bem na prova escrita e se minha avaliadora não fosse extremamente simpática e de bem com a vida, minha prova oral teria sido zerada. Enfim, passei e logo voltarei a estudar o francês.
"Não consigo te imaginar nessa situação", disse uma amiga. Faz sentido, eu quase nunca me permito viver momentos de risco. Se há possibilidade de falhar ou ir mal, eu não faço. De alguma forma, isso se amplia com relação a aprender coisas novas. "Não sou autodidata", eu digo, acho que mais pelo medo de não chegar ao nível de excelência que espero do que pela pressa de aprender rápido ou pelo esforço de me empenhar. Eu só fui fazer a prova de francês porque na minha memória as palavras e frases fluíam mais facilmente do que a realidade demonstrou.
Essa mesma amiga esteve por um tempo ensinando-me a cozinhar. Coisas simples, ação do fogo, água borbulhando, temperos se misturando. Coisas complexas, também. Para mim, o exercício de cozinhar está fundamentalmente conectado ao fazer compras, ter ingredientes e inventar combinações. Gosto de fazer as coisas ao contrário: primeiro compro algo, depois decido o que fazer com o que comprei. Isso dá origem às minhas "semanas da batata" ou ao "mês do pimentão" (ainda bem que existem pimentões de várias cores!). Como desculpa para não cozinhar, xingo a falta de qualidade do mercado mais próximo, acordo tarde demais para a feira no sábado e reclamo que os mercados decentes ficam longe demais. Tudo bobagens e desculpas tolas, já que a maior parte disso é mais do que trabalhável com um pouco menos de preguiça.
Para completar, namoro a possibilidade de aprender a desenhar há anos. Fiz uma especialização em Expressão Gráfica, oras! Um curso no qual resisti por um semestre inteiro a sequer tentar desenhar, sempre procurando formas de esquivar da prática com o lápis. Terminado o curso, percebo que meu traço evoluiu absurdamente. Isso faz três ou quatro anos e quase nunca pratiquei desde então.
"Não exista. Viva!" - http://www.flickr.com/photos/julyrainbow/7113473857/ |
Tudo isso me leva a refletir sobre quão mais fácil é existir do que viver, simplesmente estar ali e de vez em quando fazer o que se tem vontade, isso se não for muita canseira. Fico aqui esperando que outras pessoas entrem na minha vida e me coloquem em movimento, que me ensinem, que me proporcionem aprendizagens. O que eu quero para mim vai ficando em segundo plano. Terceiro. Quarto.
Por mais que me doa reafirmar, ainda estou longe de ser a pessoa que gostaria: alguém que vive. O pior de tudo é saber que essa mudança "tão simples" que almejo para mim não depende de mais ninguém. Eu devo me tornar a pessoa que imagino, viver a vida que desejo e parar de inventar desculpas pelo caminho.
segunda-feira, fevereiro 25, 2013
Experiências no Vapt Vupt
Fui ao Vapt Vupt (equivalente goiano do gaúcho Tudo Fácil) renovar minha carteira de motorista. Hoje foi minha quarta visita. Na primeira, descobri quais documentos eu precisava que fossem copiados. Na segunda, fui informado que a data do meu comprovante de endereço estava antiga demais (dica: nunca leve um comprovante de endereço cuja data esteja a mais de 90 dias de hoje). Na terceira, me avisaram que eu precisava dos documentos originais além dos copiados.
Fui ao Vapt Vupt renovar minha carteira de motorista munido de cópias, originais e paciência. Lá chegando, fui atendido por uma moça que estava fazendo o procedimento pela primeira vez. Estranhamente, eu não fiquei amuado pela falta de eficiência no atendimento: ela estava fazendo tudo ao seu alcance para tornar o processo o melhor possível, mas simplesmente não sabia o que fazer. A situação foi resolvida com um pouco mais de demora do que eu gostaria, mas nada crítico. Então eu precisei tirar fotos e fazer um exame médico. A doutora ainda não havia chegado (era algo em torno de 13h40). Não sei qual é o horário de trabalho dela, então fui ser fotografado.
Quando adoutora (ando com preguiça de chamar de doutor quem não tem doutorado) médica chegou, me tratou bem, toda feliz e simpática. Por mais que todo o contexto *Vapt Vupt* tivesse me irritado algumas vezes desde o início do processo de renovação da minha carteira, bom humor e educação me desarmam sempre. Hoje tive os dois de monte.
Moral da história: dentro de dez dias úteis terei minha carteira de motorista renovada e poderei dar continuidade ao meu plano dedominar o mundo tirar carteira A. Ainda é só um plano e cada vez com menos probabilidade de se tornar real, já que tenho medinho de motos. Seria adorável se dirigir uma moto ficasse mais fácil com bom humor e educação... Provavelmente fica, mas duvido que eu encontre isso no trânsito do dia a dia.
Fui ao Vapt Vupt renovar minha carteira de motorista munido de cópias, originais e paciência. Lá chegando, fui atendido por uma moça que estava fazendo o procedimento pela primeira vez. Estranhamente, eu não fiquei amuado pela falta de eficiência no atendimento: ela estava fazendo tudo ao seu alcance para tornar o processo o melhor possível, mas simplesmente não sabia o que fazer. A situação foi resolvida com um pouco mais de demora do que eu gostaria, mas nada crítico. Então eu precisei tirar fotos e fazer um exame médico. A doutora ainda não havia chegado (era algo em torno de 13h40). Não sei qual é o horário de trabalho dela, então fui ser fotografado.
Quando a
Moral da história: dentro de dez dias úteis terei minha carteira de motorista renovada e poderei dar continuidade ao meu plano de
domingo, fevereiro 24, 2013
Um leve desânimo
Hoje é domingo e parece que vai chover. Lá fora está frio, aqui dentro está quente. Dias assim são estranhos. Quero sentir o geladinho, mas não quero sair de casa. Acho que colocarei uma cadeira na sacada.
Se ao menos eu tivesse uma cadeira.
Se ao menos eu tivesse uma cadeira.
sábado, fevereiro 23, 2013
Nudez em público
Hoje vi um vídeo (ou melhor, vi citarem um vídeo, não tive paciência de efetivamente ver o vídeo) sobre um casal transando no mar. Sabe aquela coisa de gravar os outros fazendo sexo, porque fazer sexo é sexy e chama a atenção? Isso me colocou pensando numa questão que sempre volta a aparecer: por que não podemos transar em público?
A coisa vai mais longe e levanta probleminhas anteriores: não podemos andar pelados na rua. Salvo engano, se eu sair caminhando com o pinto balançando a olhos nus, posso ser preso. Por quê? Já antevejo multidões se erguendo e gritando "porque é imoral!", mas essa é uma resposta fraca, pelo menos para quem está buscando motivações racionais (e laicas) para tal proibição.
O que há de tão perigoso em um corpo desnudo? É o tesão alheio que preocupa? Viver em sociedade significa abrir mão de uma série de liberdades, compreendo, mas por que a de tirar a roupa onde quiser é uma delas? Essas são questões que eu não sei ainda nem por onde começar a responder. Pensando rápido, posso pensar que é uma estratégia para conter os impulsos sexuais, talvez algo trazido pela moral cristã. Posso também estar sendo preconceituoso, já que sempre acho que toda repreensão moral vem da Bíblia.
Roupas fazem sentido num contexto gelado como a Europa. Nós fomos colonizados por europeus. Seres humanos atribuem valor simbólico às coisas que usam. Provavelmente a economia tem algo a dizer sobre isso, já que roupas mais caras e com tintas menos acessíveis provavelmente se tornaram representativas de maior riqueza e status social. A pergunta é: por que continuamos enxergando as roupas assim?
Ano passado eu já havia começado a pensar sobre isso, como meu post sobre Henry Scott Tuke revela e também meu artigo apresentado em um Congresso no Rio de Janeiro.
A coisa vai mais longe e levanta probleminhas anteriores: não podemos andar pelados na rua. Salvo engano, se eu sair caminhando com o pinto balançando a olhos nus, posso ser preso. Por quê? Já antevejo multidões se erguendo e gritando "porque é imoral!", mas essa é uma resposta fraca, pelo menos para quem está buscando motivações racionais (e laicas) para tal proibição.
Le Concert Champêtre – Giorgione |
O que há de tão perigoso em um corpo desnudo? É o tesão alheio que preocupa? Viver em sociedade significa abrir mão de uma série de liberdades, compreendo, mas por que a de tirar a roupa onde quiser é uma delas? Essas são questões que eu não sei ainda nem por onde começar a responder. Pensando rápido, posso pensar que é uma estratégia para conter os impulsos sexuais, talvez algo trazido pela moral cristã. Posso também estar sendo preconceituoso, já que sempre acho que toda repreensão moral vem da Bíblia.
Roupas fazem sentido num contexto gelado como a Europa. Nós fomos colonizados por europeus. Seres humanos atribuem valor simbólico às coisas que usam. Provavelmente a economia tem algo a dizer sobre isso, já que roupas mais caras e com tintas menos acessíveis provavelmente se tornaram representativas de maior riqueza e status social. A pergunta é: por que continuamos enxergando as roupas assim?
Ano passado eu já havia começado a pensar sobre isso, como meu post sobre Henry Scott Tuke revela e também meu artigo apresentado em um Congresso no Rio de Janeiro.
sexta-feira, fevereiro 22, 2013
Como saber se a aula foi boa?
Essa é uma perguntinha importante que sempre me faço quando saio da sala de aula com aquela sensação de dever cumprido. Penso que existe uma considerável diferença entre a perspectiva do professor e a dos alunos quanto ao que significa uma boa aula.
Talvez um critério bacana seja "o quão afetado eu fui por aquela experiência?". É algo que se descobre em dois momentos: na hora, quando a aula encerra, e também anos depois, quando olhamos para trás e percebemos que formamos experiências/saberes relativos àquela disciplina específica. Esse, aliás, é um exercício que quero fazer: ter em mãos meu histórico escolar da faculdade e procurar lembrar de tudo o que aprendi em cada disciplina, o que ficou de cada uma.
Trago como hipótese que esse exercício revelará uma triste realidade: nem todas as disciplinas serão marcantes para todas as pessoas. Algumas vezes será o caso dos professores não encaixarem com os estudantes. Em outros casos, talvez nós estudantes estivéssemos numa posição diferente naquele período e então algo que hoje nos agradaria, na época não fez sentido.
O que isso significa para alguém como eu, que acredita que o trabalho de professor inclui a tarefa de "mudar vidas"? No mínimo, talvez, que eu deva repensar meus objetivos ou a forma de atingi-los... Ontem estava refletindo justamente sobre isso. Creio que mudar vidas não é nem pode ser o objetivo último do meu trabalho, ele já tem especificações suficientes. A parte do mudar vidas é algo que acontece paralelamente, não pelo trabalho em si, mas pela convivência e pelo afeto.
É aquela velha história: não dá para salvar o mundo. Entretanto, é possível, sim, causar uma mudancinha aqui, outra ali. Eu só preciso parar com a ilusão de que isso atingirá a todas as pessoas e me focar naquelas que se permitem afetar.
Talvez um critério bacana seja "o quão afetado eu fui por aquela experiência?". É algo que se descobre em dois momentos: na hora, quando a aula encerra, e também anos depois, quando olhamos para trás e percebemos que formamos experiências/saberes relativos àquela disciplina específica. Esse, aliás, é um exercício que quero fazer: ter em mãos meu histórico escolar da faculdade e procurar lembrar de tudo o que aprendi em cada disciplina, o que ficou de cada uma.
Trago como hipótese que esse exercício revelará uma triste realidade: nem todas as disciplinas serão marcantes para todas as pessoas. Algumas vezes será o caso dos professores não encaixarem com os estudantes. Em outros casos, talvez nós estudantes estivéssemos numa posição diferente naquele período e então algo que hoje nos agradaria, na época não fez sentido.
O que isso significa para alguém como eu, que acredita que o trabalho de professor inclui a tarefa de "mudar vidas"? No mínimo, talvez, que eu deva repensar meus objetivos ou a forma de atingi-los... Ontem estava refletindo justamente sobre isso. Creio que mudar vidas não é nem pode ser o objetivo último do meu trabalho, ele já tem especificações suficientes. A parte do mudar vidas é algo que acontece paralelamente, não pelo trabalho em si, mas pela convivência e pelo afeto.
É aquela velha história: não dá para salvar o mundo. Entretanto, é possível, sim, causar uma mudancinha aqui, outra ali. Eu só preciso parar com a ilusão de que isso atingirá a todas as pessoas e me focar naquelas que se permitem afetar.
quarta-feira, fevereiro 20, 2013
Se aluno não quer, professor não salva
Ainda sou um professor novato, mas estou sempre analisando os "tipos de aluno" que pipocam nas aulas. Um deles é o aluno que acha que professor opera milagres. Sabe aquele sujeito de cara amarrada que não está interessado na matéria, reclama quando tem trabalho, resmunga se é chamado e fica o tempo inteiro bocejando? Aquele aluno que, no fim do semestre, culpa o professor porque reprovou, mesmo não tendo feito nenhum trabalho?
Regrinha básica: professor não ensina. Nenhum professor pode magicamente entrar na cabeça dos seus alunos e mudar seus conceitos. O que rola é o professor propor situações de aprendizagem. Só que para isso tem que acontecer uma contrapartida: o estudante precisa ter interesse.Sem interesse, sem aprendizagem. Sem participação, sem aprendizagem.
Aí vem o fulaninho e acha que o trabalho é difícil demais e não faz. Eu, professor, não saio prejudicado com isso por nada no mundo. Um texto a menos para corrigir durante o fim de semana. O fulaninho, por outro lado, perde mais uma oportunidade de receber um retorno relativo ao quê ou como fez seu trabalho.
Para mim, ser professor é apontar caminhos. Só que para chegar até esses caminhos, o estudante precisa dar alguns passos por si só.
Regrinha básica: professor não ensina. Nenhum professor pode magicamente entrar na cabeça dos seus alunos e mudar seus conceitos. O que rola é o professor propor situações de aprendizagem. Só que para isso tem que acontecer uma contrapartida: o estudante precisa ter interesse.Sem interesse, sem aprendizagem. Sem participação, sem aprendizagem.
Aí vem o fulaninho e acha que o trabalho é difícil demais e não faz. Eu, professor, não saio prejudicado com isso por nada no mundo. Um texto a menos para corrigir durante o fim de semana. O fulaninho, por outro lado, perde mais uma oportunidade de receber um retorno relativo ao quê ou como fez seu trabalho.
Para mim, ser professor é apontar caminhos. Só que para chegar até esses caminhos, o estudante precisa dar alguns passos por si só.
terça-feira, fevereiro 19, 2013
Coerência é para os fracos... mesmo?
Um amigo falou, certa vez, que coerência é para os fracos. Um cara realmente autônomo não precisaria ser coerente, pois faria o que bem entendesse. Eu, ingênuo, concordei com ele. Como admirava esse amigo, as palavras dele sempre eram envolvidas com um ar de sabedoria. Levei só uns cinco ou seis anos para repensar essa frase.
Isso vem de uma época em que eu era passivo de tudo na vida. Ouvia e não filtrava, apenas seguia. Admirava. Olhava com olhos bem abertos. Ao primeiro sinal de problema, fugia. Não segurava uma posição própria, não ocupava um lugar que estivesse disposto a defender.
Hoje penso que coerência não é para os fracos por uma razão simples: no dia a dia, somos pais, filhos, irmãos, professores, namorados, amigos, inimigos, ativistas etc. Cada uma dessas posições traz questões, dúvidas e constrangimentos que, muitas vezes, se opõem. Ser coerente em meio a tudo isso significa tentar manter um centro, um eixo para nortear as escolhas e decisões em cada uma das múltiplas identidades que assumimos ao longo de nossas vidas. Ser coerente é fazer sentido dentro daquilo que acreditamos, não do que os outros esperam de nós. E isso não é para os fracos.
Isso vem de uma época em que eu era passivo de tudo na vida. Ouvia e não filtrava, apenas seguia. Admirava. Olhava com olhos bem abertos. Ao primeiro sinal de problema, fugia. Não segurava uma posição própria, não ocupava um lugar que estivesse disposto a defender.
Hoje penso que coerência não é para os fracos por uma razão simples: no dia a dia, somos pais, filhos, irmãos, professores, namorados, amigos, inimigos, ativistas etc. Cada uma dessas posições traz questões, dúvidas e constrangimentos que, muitas vezes, se opõem. Ser coerente em meio a tudo isso significa tentar manter um centro, um eixo para nortear as escolhas e decisões em cada uma das múltiplas identidades que assumimos ao longo de nossas vidas. Ser coerente é fazer sentido dentro daquilo que acreditamos, não do que os outros esperam de nós. E isso não é para os fracos.
As vantagens de ser invisível - ou de ter uma boa amiga
Acabei de assistir As Vantagens de Ser Invisível. Uma das coisas mais preciosas que ele me trouxe: "a gente aceita o amor que acredita que merece". Eu consegui me identificar demais com o guri, demais mesmo.
Aí terminei o filme e me peguei pensando... Como ela consegue? Acho que não teve nada até hoje que ela não tenha acertado comigo, desde a ideia louca de me apresentar o filho da amiga de infância até o simples fato de fazer um curso de especialização e casualmente compartilhar noites felizes comigo.
Sério, muitíssimo obrigado por existir.
domingo, fevereiro 17, 2013
Quando criança, eu queria ser um escritor famoso
Amanhã completa uma semana que eu criei a página do Facebook para a Raposa Antropomórfica. A existência dela é parte das minhas estratégias para alcançar mais leitores. Até o momento, 89 pessoas já curtiram a página e algumas inclusive comentam por lá. Não sei bem dizer o quanto ter uma página no Facebook ampliou ou não o alcance da Raposa. Além dela, comecei a tomar o hábito de comentar alguns blogs que sigo. Em uns, quando acho pertinente, coloco o link da Raposa. Em outros, simplesmente falo o que acho que precisa ser dito no momento e ainda não foi, ou deixo claro ao autor ou à autora de que maneira ler seu texto me afetou. Descobri que ter retorno dos leitores é importante (a Nádia-Letícia falou otimamente disso por aqui).
Estava aqui neste domingo de ventinho gelado pensando em como angariar mais leitores, quando me ocorreu que talvez eu estivesse fazendo isso pelo lado errado. Fui pesquisar na Raposa (minha terapia pública/particular) e descobri que já escrevi pelo menos duas vezes sobre isso, aqui e aqui. Aproveitei e revi algumas escritas antigas. Uau, como é possível que um estilo de escrever mude tanto ao longo dos anos? Terei eu sido vítima do meu próprio investimento no mestrado? Blérg.
Quando criança, eu queria ser um escritor famoso. Sempre teimava com o famoso, era o que eu buscava. Volta e meia eu me esqueço – e, como meus textos me mostram, eu também lembro – que para ser escritor famoso, antes de nada, eu tenho que ser escritor. A Raposa é parte disso, mas não pode ser o foco. Aí fica a pergunta: o que é necessário para isso que eu já percebi há pelo menos cinco anos (é, a Raposa não me deixa mentir) se torne parte do que eu acredito, do que eu sou, do que eu faço?
Estava aqui neste domingo de ventinho gelado pensando em como angariar mais leitores, quando me ocorreu que talvez eu estivesse fazendo isso pelo lado errado. Fui pesquisar na Raposa (minha terapia pública/particular) e descobri que já escrevi pelo menos duas vezes sobre isso, aqui e aqui. Aproveitei e revi algumas escritas antigas. Uau, como é possível que um estilo de escrever mude tanto ao longo dos anos? Terei eu sido vítima do meu próprio investimento no mestrado? Blérg.
Quando criança, eu queria ser um escritor famoso. Sempre teimava com o famoso, era o que eu buscava. Volta e meia eu me esqueço – e, como meus textos me mostram, eu também lembro – que para ser escritor famoso, antes de nada, eu tenho que ser escritor. A Raposa é parte disso, mas não pode ser o foco. Aí fica a pergunta: o que é necessário para isso que eu já percebi há pelo menos cinco anos (é, a Raposa não me deixa mentir) se torne parte do que eu acredito, do que eu sou, do que eu faço?
sexta-feira, fevereiro 15, 2013
De onde vem a violência
O que leva alguém a agir de forma violenta? Ontem, no ônibus, por exemplo, um moço apertou a campainha para descer e o motorista não abriu a porta. Não era exatamente culpa de ninguém, a campainha não estava funcionando. O que o moço fez? Bateu várias vezes na porta e gritou xingando o motorista.
Acho que duas coisas precisam ser percebidas sobre o que está envolvido em ser violento. A primeira delas é que a violência é um exercício direto de poder. Se tu tem força e bate em alguém, está demonstrando da forma mais clara possível que está numa posição superior a ela. Se apanha, é inferior. Simples assim. Idiota, também, mas não deixa de ser simples. Certo, então não tem nada de cultural nesse exercício de poder? Pelo contrário. Na nossa sociedade, tu te torna tanto mais poderoso quanto consegue exercer a força sobre outro sujeito e continuar sem que ninguém exerça força sobre ti.
Exemplo básico: se tu me bate e a polícia te prende, teu poder foi castrado. Se o marido bate na mulher e no dia seguinte bate de novo, porque ninguém faz nada, o cara é o poderoso impune (naquele contexto).
Claro, não é tão simples. Nunca é tão simples, principalmente porque aqui entra a segunda coisa relacionada à violência: ela é uma reação emocional a algo. Não tem nada de racional em ir lá e bater em alguém que xingou a tua mãe. Talvez haja algo de bem pensado em matar alguém, já que eliminará um potencial estorvo, mas não estou falando de homicídios aqui (embora a base me pareça a mesma, apenas ampliada um pouquinho – bem pouquinho, pois é só bater um tantinho mais para matar. Somos seres frágeis).
Se algo nos incomoda, o que nós fazemos? Reagimos. Qual é a reação esperada de um ser humano adulto e racional? Conversa, diálogo. Invocar as autoridades (elas têm o poder, né?). Enfim, participar do jogo social. Se algo nos perturba profundamente, o que fazemos? Como reagimos? Gritamos, xingamos, esperneamos. Ligamos para os amigos ou reclamamos no Facebook. Se alguém vai lá e nos impede de exercer nosso poder, qualquer que ele seja, a gente reage. A gente se emociona. Dependendo de quão capacitados nós estamos para lidar com nossas emoções, a reação pode se tornar violenta.
Em resumo, a violência é uma reação de reafirmação de poder por parte de sujeitos emocionalmente instáveis e, por isso mesmo, perigosos.
Acho que duas coisas precisam ser percebidas sobre o que está envolvido em ser violento. A primeira delas é que a violência é um exercício direto de poder. Se tu tem força e bate em alguém, está demonstrando da forma mais clara possível que está numa posição superior a ela. Se apanha, é inferior. Simples assim. Idiota, também, mas não deixa de ser simples. Certo, então não tem nada de cultural nesse exercício de poder? Pelo contrário. Na nossa sociedade, tu te torna tanto mais poderoso quanto consegue exercer a força sobre outro sujeito e continuar sem que ninguém exerça força sobre ti.
Exemplo básico: se tu me bate e a polícia te prende, teu poder foi castrado. Se o marido bate na mulher e no dia seguinte bate de novo, porque ninguém faz nada, o cara é o poderoso impune (naquele contexto).
Claro, não é tão simples. Nunca é tão simples, principalmente porque aqui entra a segunda coisa relacionada à violência: ela é uma reação emocional a algo. Não tem nada de racional em ir lá e bater em alguém que xingou a tua mãe. Talvez haja algo de bem pensado em matar alguém, já que eliminará um potencial estorvo, mas não estou falando de homicídios aqui (embora a base me pareça a mesma, apenas ampliada um pouquinho – bem pouquinho, pois é só bater um tantinho mais para matar. Somos seres frágeis).
Fonte: http://uwb2ms.blogspot.com.br/2010/05/school-violence.html (em inglês) |
Se algo nos incomoda, o que nós fazemos? Reagimos. Qual é a reação esperada de um ser humano adulto e racional? Conversa, diálogo. Invocar as autoridades (elas têm o poder, né?). Enfim, participar do jogo social. Se algo nos perturba profundamente, o que fazemos? Como reagimos? Gritamos, xingamos, esperneamos. Ligamos para os amigos ou reclamamos no Facebook. Se alguém vai lá e nos impede de exercer nosso poder, qualquer que ele seja, a gente reage. A gente se emociona. Dependendo de quão capacitados nós estamos para lidar com nossas emoções, a reação pode se tornar violenta.
Em resumo, a violência é uma reação de reafirmação de poder por parte de sujeitos emocionalmente instáveis e, por isso mesmo, perigosos.
quinta-feira, fevereiro 14, 2013
Sobre o ataque homofóbico a um estudante da UFG
Não sei descrever exatamente a sensação que tive quando tomei notícia do ataque homofóbico realizado por estudantes portugueses a um brasileiro na Casa do Estudante da UFG (notícias aqui e aqui).
Vou começar pelo óbvio: violência não pode. Gay? Negro? Transexual? Mulher? Não interessa, violência não é caminho e ponto. Vamos parar com essa onda de "fulano não pode existir porque está errado". Não acho que seja muito relevante que os agressores sejam portugueses. Ou que estivessem bêbados. Eles agrediram covardemente – tem algum jeito de agredir que não o seja? – um cara dentro do banheiro. Em grupo.
Os agressores devem ser punidos. Do contrário, a mensagem que eles enviaram estará sendo defendida e institucionalizada dentro da UFG: "homossexuais não têm direito de existir". Por não considerarem um homossexual como humano, eles simplesmente exerceram sua força física (bruta) e o atacaram. Queriam "limpar" aquele banheiro de uma presença ameaçadora.
Aí eu pergunto: que ameaça é essa que a homossexualidade traz, que precisa fomentar uma reação violenta e explosiva como essa? Qual o poder dessa "subversão"? Do que eles têm medo?
Vou começar pelo óbvio: violência não pode. Gay? Negro? Transexual? Mulher? Não interessa, violência não é caminho e ponto. Vamos parar com essa onda de "fulano não pode existir porque está errado". Não acho que seja muito relevante que os agressores sejam portugueses. Ou que estivessem bêbados. Eles agrediram covardemente – tem algum jeito de agredir que não o seja? – um cara dentro do banheiro. Em grupo.
Os agressores devem ser punidos. Do contrário, a mensagem que eles enviaram estará sendo defendida e institucionalizada dentro da UFG: "homossexuais não têm direito de existir". Por não considerarem um homossexual como humano, eles simplesmente exerceram sua força física (bruta) e o atacaram. Queriam "limpar" aquele banheiro de uma presença ameaçadora.
Aí eu pergunto: que ameaça é essa que a homossexualidade traz, que precisa fomentar uma reação violenta e explosiva como essa? Qual o poder dessa "subversão"? Do que eles têm medo?
terça-feira, fevereiro 12, 2013
Eu não sou gay
Esses dias disse que eu era gay e um amigo já apontou o dedo "arrá, desistiu de te indefinir!". Não. Esses dias também falei, em outro espaço, que era bi. Debatendo com alunas, mencionei a possibilidade de, num contexto específico, haver sido heterossexual. Para todos, encerro com a mesma resposta: sou raposa.
Ser é sempre algo muito complicado. Não é tanto uma questão de não ter coragem de assumir, de não estar confortável com ser A ou B. O problema, aos meus olhos, é ser obrigado a conformar (ou mesmo lidar, já que não preciso levar em conta a opinião alheia na maior parte das questões da minha vida) com uma série de expectativas que já vêm prontas no kit "isso é ser gay", "isso é ser bi". Ontem ouvi alguém falar que ser gay tem algo a ver com ser afeminado (como se "ser feminino" ou "ser masculino" fossem definições muito claras...).
O que eu defendo é a possibilidade de sermos sem caixinhas, sem o imediato entendimento e julgamento daquilo que estamos vivendo. Eu repudio o famoso "nossa, tu é isso, então como tu não gosta de tal coisa"? Gostaria muito de não me importar com o olhar e o dedo alheios, mas isso infelizmente ainda não é uma realidade, tampouco acredito que virá a ser tão cedo para mim ou para o resto do mundo. O jeito, ainda me parece, é educar.
"Eu não sou gay, hetero, bi ou lésbica. Eu amo, simplesmente". |
Ser é sempre algo muito complicado. Não é tanto uma questão de não ter coragem de assumir, de não estar confortável com ser A ou B. O problema, aos meus olhos, é ser obrigado a conformar (ou mesmo lidar, já que não preciso levar em conta a opinião alheia na maior parte das questões da minha vida) com uma série de expectativas que já vêm prontas no kit "isso é ser gay", "isso é ser bi". Ontem ouvi alguém falar que ser gay tem algo a ver com ser afeminado (como se "ser feminino" ou "ser masculino" fossem definições muito claras...).
O que eu defendo é a possibilidade de sermos sem caixinhas, sem o imediato entendimento e julgamento daquilo que estamos vivendo. Eu repudio o famoso "nossa, tu é isso, então como tu não gosta de tal coisa"? Gostaria muito de não me importar com o olhar e o dedo alheios, mas isso infelizmente ainda não é uma realidade, tampouco acredito que virá a ser tão cedo para mim ou para o resto do mundo. O jeito, ainda me parece, é educar.
segunda-feira, fevereiro 11, 2013
O olhar heterossexual 2
Depois de ontem, fiquei pensando e lembrando da minha infância. Eu tinha um vizinho que era uns dois ou três anos mais velho que eu, no máximo. Toda vez que eu chegava ou saía de casa, ele gritava com aquela voz rouca: "ô putão", "viado", "bixa". Obviamente, eu odiava ele – o que, pelo jeito, era recíproco. Bastava ele me ver para começar a me xingar. Eu, como de costume, baixava a crista e seguia meu rumo, incomodado, mas não o suficiente para ter alguma reação mais explosiva ou violenta. Aliás, incomodado, mas com bom senso o bastante para preservar meus dentes.
Mais de uma vez eu cheguei à conclusão perfeita sobre como solucionar aquele problema. Bastava me oferecer para chupar o rapaz. Ele ficaria feliz, eu ficaria livre da coisa toda. Ao contrário do que os meus pensamentos da época podem sugerir, eu era uma criaturinha bastante ingênua. E virgem. Continuei sendo, aliás, por mais vários anos. Não que isso tenha alguma importância em si, mas é só para deixar claro que com 10, 12, 14 anos eu já sentia que sexo era algo tinha um baita poder.
Conto essa história porque ela tem uma série de coisas a revelar sobre como eu via o mundo quando criança. Antes de tudo, eu não compreendia que aqueles xingamentos tivessem algo a ver com eu gostar de meninos e não de meninas. Diga-se de passagem, naquela época isso ainda não estava muito claro para mim. OK, eu gostava de meninos, sentia atração e prestava mais atenção em homens do que mulheres nos poucos filmes e quadrinhos pornôs que eu tinha oportunidade de ver. Ainda assim, nada daquilo significava que eu fosse alguma coisa. Certamente não "putão, viado ou bixa".
O meu vizinho não me xingava por algo que eu era. Pelo contrário. Meu vizinho me xingava por algo que eu não era. Eu não agia todo machinho, não jogava futebol como todos da quadra, provavelmente era um guri delicadinho, loirinho e meiguinho. Qual o problema? Ora, todos sabem que os seres humanos que nascem com pênis devem ser grossos, fortes, brigões. Eu não era nada daquilo, portanto era parte do dever sagrado dele, como portador do olhar heterossexual, apontar para mim e garantir que o mundo soubesse disso. Eu era diferente. Eu não era normal.
Dali pra frente eu cresci e cruzei cada vez menos com esse vizinho. Chegou um tempo em que ele parou de me provocar, não sei bem o motivo. Aliás, não sei se alguma vez qualquer coisa que ele tenha feito em relação a mim foi com motivo (não, eu jamaaaais estaria duvidando da capacidade intelectual dele). É só que o poder da heterossexualidade/normalidade é tão comum e invisível que as coisas simplesmente são como são, as pessoas riem de quem passa, apontam o dedo e gritam. Eu, por fugir da norma, precisava imediatamente ser colocado de volta no meu lugar. No meu lugar correto, de machinho. A vida está cheia de exemplos piores de como isso é feito.
Esse texto é uma continuação do post anterior, O olhar heterossexual.
Mais de uma vez eu cheguei à conclusão perfeita sobre como solucionar aquele problema. Bastava me oferecer para chupar o rapaz. Ele ficaria feliz, eu ficaria livre da coisa toda. Ao contrário do que os meus pensamentos da época podem sugerir, eu era uma criaturinha bastante ingênua. E virgem. Continuei sendo, aliás, por mais vários anos. Não que isso tenha alguma importância em si, mas é só para deixar claro que com 10, 12, 14 anos eu já sentia que sexo era algo tinha um baita poder.
Conto essa história porque ela tem uma série de coisas a revelar sobre como eu via o mundo quando criança. Antes de tudo, eu não compreendia que aqueles xingamentos tivessem algo a ver com eu gostar de meninos e não de meninas. Diga-se de passagem, naquela época isso ainda não estava muito claro para mim. OK, eu gostava de meninos, sentia atração e prestava mais atenção em homens do que mulheres nos poucos filmes e quadrinhos pornôs que eu tinha oportunidade de ver. Ainda assim, nada daquilo significava que eu fosse alguma coisa. Certamente não "putão, viado ou bixa".
O meu vizinho não me xingava por algo que eu era. Pelo contrário. Meu vizinho me xingava por algo que eu não era. Eu não agia todo machinho, não jogava futebol como todos da quadra, provavelmente era um guri delicadinho, loirinho e meiguinho. Qual o problema? Ora, todos sabem que os seres humanos que nascem com pênis devem ser grossos, fortes, brigões. Eu não era nada daquilo, portanto era parte do dever sagrado dele, como portador do olhar heterossexual, apontar para mim e garantir que o mundo soubesse disso. Eu era diferente. Eu não era normal.
Fonte: http://www.citelighter.com/science/psychology/knowledgecards/homophobia |
Dali pra frente eu cresci e cruzei cada vez menos com esse vizinho. Chegou um tempo em que ele parou de me provocar, não sei bem o motivo. Aliás, não sei se alguma vez qualquer coisa que ele tenha feito em relação a mim foi com motivo (não, eu jamaaaais estaria duvidando da capacidade intelectual dele). É só que o poder da heterossexualidade/normalidade é tão comum e invisível que as coisas simplesmente são como são, as pessoas riem de quem passa, apontam o dedo e gritam. Eu, por fugir da norma, precisava imediatamente ser colocado de volta no meu lugar. No meu lugar correto, de machinho. A vida está cheia de exemplos piores de como isso é feito.
Esse texto é uma continuação do post anterior, O olhar heterossexual.
O olhar heterossexual
Perto da minha casa tem uma feira que acontece todos os domingos. Eu, fã de hábitos rotineiros, janto lá todo santo domingo. De preferência, como tapioca. Duas, uma de calabresa e uma de sabor variável, ora carne seca, ora pizza. Dessa vez, porém, fiz algo diferente: fui de mãos dadas com o meu namorado. Tudo foi mais ou menos semelhante ao que sempre é: fomos bem atendidos, pedimos, sentamos em uma mesa, aguardamos e comemos. Tanto na ida quanto na volta, porém, fomos olhados.
Medusa, por Caravaggio. |
Não foi qualquer olhar o que me chamou a atenção. Foi de um grupo de homens que, presumo, são heterossexuais. Também acho que são uns idiotas, mas escrever isso talvez diminua a minha reflexão. O incômodo não surgiu apenas por termos sido olhados, meu namorado e eu, mas pelas risadas e apontadas de cabeça que ocorreram como reação à nossa passagem. Para o trio de caras encorpados, nós éramos motivo de piada.
Qual a graça? Não sei, na verdade. Entendo aqui o riso como um exercício de poder. Ele riram porque podiam rir, da mesma forma que eu e meu namorado olhamos para o chão e apertamos o passo. Se eles decidissem, poderiam facilmente nos esmagar. Não, sério, eram grandes mesmo. De onde vem esse poder? Não é só da força física, mas também do poder cultural investido neles pela normalidade. Eles são normais, são heterossexuais em uma sociedade que reconhece viadinhos como algo à parte.
Quando eles riram, todos que viram isso entenderam do quê estavam rindo. Um casal de rapazes passando de mãos dadas é algo risível. Se eu risse deles, por outro lado, ninguém entenderia. Não é inteligível rir de um grupo de caras heterossexuais/machos comendo seu sanduíche, enquanto é perfeitamente aceitável rir do casalzinho gay que vem passando. Por quê, eu pergunto?
Esse texto possui uma continuação: O olhar heterossexual 2.
Esse texto possui uma continuação: O olhar heterossexual 2.
domingo, fevereiro 10, 2013
Um rumo para a Raposa
Para um blog decente, 153 acessos em um dia não é nada. Aliás, é péssimo. Para mim, que estou acostumado com um acesso diário de 2 a 7 pessoas, foi um tesão. Há cinco dias, alcancei o máximo de acessos em um dia que tive até então, na postagem sobre professor também namorar. Esse número é ínfimo.
Escrevo hoje para dizer algo que talvez não precisasse ser dito. Como parte dos objetivos para 2013, escrever é provavelmente o maior. Quero fazer isso através da Raposa Antropomórfica e, como resultado desejado, quero leitores. Mais leitores. Volta e meia recebo um comentário, o que me deixa absurdamente feliz.
Muita gente (mais do que qualificada pra isso) me disse que, se eu quero alcançar esse objetivo, preciso focar em um novo blog, um que não seja tão carregado e pessoal quanto a Raposa Antropomórfica. Escolher um tema, um objeto, um objetivo. Teimosamente, eu não quero. Eu já enxergo tudo isso aqui na Raposa: não são os assuntos sobre os quais eu falo, mas sim o ponto de vista. Como qualquer pessoa, eu sou tantas coisas ao mesmo tempo, sou gay, professor, loiro, amigo, namorado, aluno, pesquisador, escritor, jornalista, mestre. Aqui e ali, sou também uma raposa. Aliás, acho que mais que tudo, eu sou uma raposa e nada desse resto todo.
Ser é algo que não faz sentido na minha vida. Estudo e sigo a teoria queer da melhor forma que posso. Penso sobre sexualidade e educação, quase sempre juntas. Dou aulas e quero mudar vidas, essa é a parte mais difícil (e arrogante). Como vi um amigo dizer uma vez, quero comer o mundo de colher grande.
Em meio a tudo isso, continuarei escrevendo aqui na Raposa a partir desse ponto do qual eu falo: o de de alguém que acredita que pode ser feliz, que pode e quer ajudar pessoas a olharem melhor para seus próprios cursos de vida. Talvez até como um burguesinho que pode se dedicar a pensar essas coisas. No fim das contas, eu sou uma pessoa de sorte, se não por nada, por poder ser uma raposa.
Escrevo hoje para dizer algo que talvez não precisasse ser dito. Como parte dos objetivos para 2013, escrever é provavelmente o maior. Quero fazer isso através da Raposa Antropomórfica e, como resultado desejado, quero leitores. Mais leitores. Volta e meia recebo um comentário, o que me deixa absurdamente feliz.
Muita gente (mais do que qualificada pra isso) me disse que, se eu quero alcançar esse objetivo, preciso focar em um novo blog, um que não seja tão carregado e pessoal quanto a Raposa Antropomórfica. Escolher um tema, um objeto, um objetivo. Teimosamente, eu não quero. Eu já enxergo tudo isso aqui na Raposa: não são os assuntos sobre os quais eu falo, mas sim o ponto de vista. Como qualquer pessoa, eu sou tantas coisas ao mesmo tempo, sou gay, professor, loiro, amigo, namorado, aluno, pesquisador, escritor, jornalista, mestre. Aqui e ali, sou também uma raposa. Aliás, acho que mais que tudo, eu sou uma raposa e nada desse resto todo.
Ser é algo que não faz sentido na minha vida. Estudo e sigo a teoria queer da melhor forma que posso. Penso sobre sexualidade e educação, quase sempre juntas. Dou aulas e quero mudar vidas, essa é a parte mais difícil (e arrogante). Como vi um amigo dizer uma vez, quero comer o mundo de colher grande.
Em meio a tudo isso, continuarei escrevendo aqui na Raposa a partir desse ponto do qual eu falo: o de de alguém que acredita que pode ser feliz, que pode e quer ajudar pessoas a olharem melhor para seus próprios cursos de vida. Talvez até como um burguesinho que pode se dedicar a pensar essas coisas. No fim das contas, eu sou uma pessoa de sorte, se não por nada, por poder ser uma raposa.
sábado, fevereiro 09, 2013
O que eu queria ter aprendido na escola
Antes de entrar na faculdade e "virar adulto" (seja lá o que isso significa), eu passei onze anos na escola. Hoje as criaturas ficam doze. Treze, se contar pré-escola. Fiquei esse tempo inteiro estudando uma série de coisas, algumas das quais eu lembro, outras que eu sei, mas estão esquecidas, e mais algumas que eu provavelmente não conseguiria desencavar da memória nem que minha vida dependesse disso. Daí esses dias me peguei pensando que a escola não nos ensina a viver...
As regras pra brincar de sociedade são emuladas na escola, é verdade (uns são fortes e te batem, outros não são tanto e apanham ou convencem outros fortes a lhes protegerem e assim por diante). Ainda assim, Química, Física, Biologia, Matemática com equações de segundo grau, nada disso nos informa como sobreviver no mundinho que, me parece, é bem mais complexo do que é pintado no colégio. Por causa disso tudo, comecei a pensar nas coisas que eu gostaria de ter aprendido na escola e cheguei a algumas conclusões.
Direito
Só eu acho um absurdo que a gente não saiba nem o básico sobre os nossos direitos e deveres enquanto cidadãos? Que a gente precise de advogados para entender as coisas? Se a legislação é um negócio que regula a nossa existência basicamente o tempo todo, por que diabos a gente não aprende isso na escola bem detalhadinho? Código de defesa do consumidor, leis sobre a educação, a constituição, os termos básicos do Direito e seus significados...
Economia
Cartão de crédito tem juros. Bancos lucram com o dinheiro que eles guardam. Juros compostos (ah, aqui a Matemática seria bem útil). Financiamentos, investimentos, taxas, impostos. Imposto de renda! Empreendedorismo! Nós somos largados no mundo sem nenhuma noção de como o dinheiro funciona (e pode crescer ou diminuir num piscar de olhos), exceto aquela dada pela família.
Alfabetização midiática
Cinema, publicidade, literatura, museus, teatros, jornalismo... Tudo isso tem regras, ou teve um dia. Essas regras e linguagens nos ajudam a compreender e a analisar o papel de cada coisa em nossas vidas. Se eu sei como a publicidade funciona, talvez eu pare para pensar mais antes de agir, antes de comprar, antes de me explodir em dívidas.
Causas sociais (ou ética, ou alguma palavra pomposa tipo "Humanidade")
A gente vive num mundo coletivo. Compartilhado. A diferença e a diversidade são as bases dessa existência plural na qual estamos inseridos. Não custa nada ensinar a entender isso, a decifrar os comportamentos e os pensamentos que nos levam a preconceitos e a visões de mundo limitadas e cruéis.
Afetividade e sexualidade
Relacionamentos, amizades, desejos, pau duro, boceta molhada, camisinha, orgasmo, toque, estesia... São tantas as coisas que poderiam servir para melhorar a vida sexual e afetiva dos sujeitos.
Tudo isso, evidentemente, deveria ser pensado em conjunto, não apenas de forma isolada. Não consigo mais imaginar um currículo que faça sentido sendo trabalhado em caixinhas separadas e sem contato. Se tudo que a gente vive vem junto e ao mesmo tempo, por que não conseguimos pensar num modelo de educação que também seja assim?
As regras pra brincar de sociedade são emuladas na escola, é verdade (uns são fortes e te batem, outros não são tanto e apanham ou convencem outros fortes a lhes protegerem e assim por diante). Ainda assim, Química, Física, Biologia, Matemática com equações de segundo grau, nada disso nos informa como sobreviver no mundinho que, me parece, é bem mais complexo do que é pintado no colégio. Por causa disso tudo, comecei a pensar nas coisas que eu gostaria de ter aprendido na escola e cheguei a algumas conclusões.
Direito
Só eu acho um absurdo que a gente não saiba nem o básico sobre os nossos direitos e deveres enquanto cidadãos? Que a gente precise de advogados para entender as coisas? Se a legislação é um negócio que regula a nossa existência basicamente o tempo todo, por que diabos a gente não aprende isso na escola bem detalhadinho? Código de defesa do consumidor, leis sobre a educação, a constituição, os termos básicos do Direito e seus significados...
Economia
Cartão de crédito tem juros. Bancos lucram com o dinheiro que eles guardam. Juros compostos (ah, aqui a Matemática seria bem útil). Financiamentos, investimentos, taxas, impostos. Imposto de renda! Empreendedorismo! Nós somos largados no mundo sem nenhuma noção de como o dinheiro funciona (e pode crescer ou diminuir num piscar de olhos), exceto aquela dada pela família.
Alfabetização midiática
Cinema, publicidade, literatura, museus, teatros, jornalismo... Tudo isso tem regras, ou teve um dia. Essas regras e linguagens nos ajudam a compreender e a analisar o papel de cada coisa em nossas vidas. Se eu sei como a publicidade funciona, talvez eu pare para pensar mais antes de agir, antes de comprar, antes de me explodir em dívidas.
Causas sociais (ou ética, ou alguma palavra pomposa tipo "Humanidade")
A gente vive num mundo coletivo. Compartilhado. A diferença e a diversidade são as bases dessa existência plural na qual estamos inseridos. Não custa nada ensinar a entender isso, a decifrar os comportamentos e os pensamentos que nos levam a preconceitos e a visões de mundo limitadas e cruéis.
Afetividade e sexualidade
Relacionamentos, amizades, desejos, pau duro, boceta molhada, camisinha, orgasmo, toque, estesia... São tantas as coisas que poderiam servir para melhorar a vida sexual e afetiva dos sujeitos.
Tudo isso, evidentemente, deveria ser pensado em conjunto, não apenas de forma isolada. Não consigo mais imaginar um currículo que faça sentido sendo trabalhado em caixinhas separadas e sem contato. Se tudo que a gente vive vem junto e ao mesmo tempo, por que não conseguimos pensar num modelo de educação que também seja assim?
sexta-feira, fevereiro 08, 2013
Sobre discussões e cortesias
Nem sempre a gente age ou reage da forma que gostaria. Seja como professor, seja como guri chato que fica debatendo as coisas no Facebook, frequentemente me pego repensando sobre as coisas que escrevo e até mesmo querendo ir lá e mudar tudo pra parecer inteligente desde o início. Pena que o mundo não funciona assim, então o que fica são os aprendizados.
Ontem foi um dia particularmente interessante para pensar sobre isso e, também, sobre sexualidade e religião (a respeito desses temas, acho sempre justo recomendar Prayers for Bobby). Está rolando na internet desde domingo um grande debate sobre uma entrevista dada pelo pastor Silas Malafaia à Marília Gabriela, seguida de uma resposta de um doutorando geneticista. Rolou também um texto de uma pesquisadora de São Paulo e, agora entrando a minha participação, uma conversa que se seguiu a isso.
Pausa para o passado. Dia 13 de novembro de 2012, postei a seguinte imagem no Facebook (liberei o acesso a quem não é meu amigo, para facilitar):
Junto a ela, eu trazia as seguintes palavras: "Já ouço pelos cantos alguém comentar 'nossa, o Tales é contra Deus'. A isso, respondo o mesmo que venho dizendo há anos: um livro, qualquer que seja, é a cristalização de um momento. Se nós não pudermos escolher o que nos serve de cada leitura e atualizar nossos valores para que sejam mais humanos e menos divinos, continuaremos mais sofrendo e fazendo sofrer do que amando e permitindo amar."
Eu mantenho a minha posição sobre isso, mas nesse dia aprendi algo com uma amiga. Ela perguntou: "por que colocar essa figurinha, que combate um preconceito com outro?". Ela tem razão. Algumas vezes, por mais que eu defenda que a vida tem que ser diferente, é incrivelmente difícil ser cortês e aberto.
Fim da pausa para o passado, voltemos ao presente. Dois exemplos, para finalizar a escrita.
O primeiro rolou no grupo do Coletivo LGBT UFRGS, no Facebook, um espaço em que coisas interessantes são postadas e pensadas. Um moço questionou o texto da pesquisadora de São Paulo, dizendo que ele era mal escrito e teria sido feito só para aparecer. Eu acho que o rapaz estava equivocado. Durante a troca de mensagens, ficou clara pra mim uma postura deselegante e pouco aberta a argumentos. O que importava ali, pareceu, era repudiar um texto (mal interpretado) através de ataques para todos os lados: autora, suas (supostas) intenções e os comentadores envolvidos. Uma das coisas que tento sempre requisitar de meus alunos é que debatam com cortesia, com educação, com elegância. Ofender o coleguinha não é legal.
O segundo exemplo coloca o furo mais embaixo. Eu estava na aula de Metodologia Científica, ontem, explicando justamente como devemos proceder quando dialogamos e discutimos posições. Aí perguntei quem na turma tinha visto a entrevista com o pastor e, depois, quem concordava com ele. Achei, sinceramente, que ninguém se manifestaria a favor dele. Contudo, algumas pessoas levantaram a mão. A minha reação, dali pra frente, não foi menos que desastrada. O que aconteceu? Eu fiquei desconcertado em estar dando aula para pessoas que concordam com um cara que defende que eu não deveria existir. Só que a minha reação foi absurda e muito mais emocional do que racional, além de cheia de preconceitos e presunções. Eu não deveria ter reagido assim, não fui atacado nem nada. Ali estava – e está, temos um semestre pela frente – uma oportunidade enorme de lidar com a diversidade de crenças e posições. Se eu peço cortesia, eu poderia muito bem ter sido o primeiro a oferecer isso.
Ontem foi um dia particularmente interessante para pensar sobre isso e, também, sobre sexualidade e religião (a respeito desses temas, acho sempre justo recomendar Prayers for Bobby). Está rolando na internet desde domingo um grande debate sobre uma entrevista dada pelo pastor Silas Malafaia à Marília Gabriela, seguida de uma resposta de um doutorando geneticista. Rolou também um texto de uma pesquisadora de São Paulo e, agora entrando a minha participação, uma conversa que se seguiu a isso.
Pausa para o passado. Dia 13 de novembro de 2012, postei a seguinte imagem no Facebook (liberei o acesso a quem não é meu amigo, para facilitar):
Junto a ela, eu trazia as seguintes palavras: "Já ouço pelos cantos alguém comentar 'nossa, o Tales é contra Deus'. A isso, respondo o mesmo que venho dizendo há anos: um livro, qualquer que seja, é a cristalização de um momento. Se nós não pudermos escolher o que nos serve de cada leitura e atualizar nossos valores para que sejam mais humanos e menos divinos, continuaremos mais sofrendo e fazendo sofrer do que amando e permitindo amar."
Eu mantenho a minha posição sobre isso, mas nesse dia aprendi algo com uma amiga. Ela perguntou: "por que colocar essa figurinha, que combate um preconceito com outro?". Ela tem razão. Algumas vezes, por mais que eu defenda que a vida tem que ser diferente, é incrivelmente difícil ser cortês e aberto.
Fim da pausa para o passado, voltemos ao presente. Dois exemplos, para finalizar a escrita.
O primeiro rolou no grupo do Coletivo LGBT UFRGS, no Facebook, um espaço em que coisas interessantes são postadas e pensadas. Um moço questionou o texto da pesquisadora de São Paulo, dizendo que ele era mal escrito e teria sido feito só para aparecer. Eu acho que o rapaz estava equivocado. Durante a troca de mensagens, ficou clara pra mim uma postura deselegante e pouco aberta a argumentos. O que importava ali, pareceu, era repudiar um texto (mal interpretado) através de ataques para todos os lados: autora, suas (supostas) intenções e os comentadores envolvidos. Uma das coisas que tento sempre requisitar de meus alunos é que debatam com cortesia, com educação, com elegância. Ofender o coleguinha não é legal.
O segundo exemplo coloca o furo mais embaixo. Eu estava na aula de Metodologia Científica, ontem, explicando justamente como devemos proceder quando dialogamos e discutimos posições. Aí perguntei quem na turma tinha visto a entrevista com o pastor e, depois, quem concordava com ele. Achei, sinceramente, que ninguém se manifestaria a favor dele. Contudo, algumas pessoas levantaram a mão. A minha reação, dali pra frente, não foi menos que desastrada. O que aconteceu? Eu fiquei desconcertado em estar dando aula para pessoas que concordam com um cara que defende que eu não deveria existir. Só que a minha reação foi absurda e muito mais emocional do que racional, além de cheia de preconceitos e presunções. Eu não deveria ter reagido assim, não fui atacado nem nada. Ali estava – e está, temos um semestre pela frente – uma oportunidade enorme de lidar com a diversidade de crenças e posições. Se eu peço cortesia, eu poderia muito bem ter sido o primeiro a oferecer isso.
quinta-feira, fevereiro 07, 2013
A primeira camisinha
Dizem que o primeiro sutiã a gente nunca esquece. Eu não sei, ainda não vesti o meu primeiro, mas tenho certeza que, na sociedade em que a gente vive, vesti-lo provavelmente seria uma situação marcante e inesquecível.
Enquanto eu lia o livro Cem homens em um ano, da Nádia Lapa (sobre o qual escreverei em algum momento futuro, espero que até o fim de semana), um dos relatos que ela faz me chamou a atenção justamente por tratar de um fulano que parava na farmácia para comprar camisinhas e, cheio de pudores, sempre comprava também sabonete líquido como "desculpa" para ter ido à farmácia. Como se transar fosse algo que precisasse de permissão ou, pior, de ser desculpado pela sociedade.
Eu escrevi essa semana sobre o fato de que professores também têm vida sexual. Fiz isso não para dizer "vejam, eu transo" ou "notem, mesmo sendo um professor homem, eu posso namorar outro cara". É muito mais do que isso. Eu escrevi para mostrar, para tornar visível algo que a gente normalmente esquece. Ontem meu coordenador me chamou de vulgar, em tom de brincadeira, por falar abertamente de sexo, pau, bunda e boceta na sala de aula. Mesmo brincando, porém, ser vulgar por falar de sexo demonstra o quanto nós precisamos deixar de nos esconder e de fingir que não transamos ou que não queremos transar.
Essa minha postura é muito diferente da que eu tinha há alguns anos. Lembro-me perfeitamente não do primeiro sutiã, mas da primeira camisinha que comprei. Eu teria um encontro naquela noite (com aquele que viria a ser o meu primeiro namorado, mas não sabíamos disso ainda) e entrei na farmácia meio confiante, meio amedrontado. Fui lá, todo pimpão, crente de que minha noite terminaria em sexo (não terminou). Olhei as embalagens de camisinha, tentando entender as diferenças de cores e nomes e marcas, até que senti o olhar de uma atendente e ouvi as piores palavras que poderiam aparecer naquele momento: "posso ajudar?". Resultado? Peguei o primeiro pacote que estava ao alcance das mãos (daquelas com bolinhas pra estimular o parceiro, sabe?), agradeci e fui imediatamente ao caixa. Não comprei nenhum sabonete liquido (ainda não sabia desses truques!), mas se tivesse algo à venda que reduzisse vermelhidão de vergonha, eu teria levado na hora.
Enquanto eu lia o livro Cem homens em um ano, da Nádia Lapa (sobre o qual escreverei em algum momento futuro, espero que até o fim de semana), um dos relatos que ela faz me chamou a atenção justamente por tratar de um fulano que parava na farmácia para comprar camisinhas e, cheio de pudores, sempre comprava também sabonete líquido como "desculpa" para ter ido à farmácia. Como se transar fosse algo que precisasse de permissão ou, pior, de ser desculpado pela sociedade.
Eu escrevi essa semana sobre o fato de que professores também têm vida sexual. Fiz isso não para dizer "vejam, eu transo" ou "notem, mesmo sendo um professor homem, eu posso namorar outro cara". É muito mais do que isso. Eu escrevi para mostrar, para tornar visível algo que a gente normalmente esquece. Ontem meu coordenador me chamou de vulgar, em tom de brincadeira, por falar abertamente de sexo, pau, bunda e boceta na sala de aula. Mesmo brincando, porém, ser vulgar por falar de sexo demonstra o quanto nós precisamos deixar de nos esconder e de fingir que não transamos ou que não queremos transar.
Essa minha postura é muito diferente da que eu tinha há alguns anos. Lembro-me perfeitamente não do primeiro sutiã, mas da primeira camisinha que comprei. Eu teria um encontro naquela noite (com aquele que viria a ser o meu primeiro namorado, mas não sabíamos disso ainda) e entrei na farmácia meio confiante, meio amedrontado. Fui lá, todo pimpão, crente de que minha noite terminaria em sexo (não terminou). Olhei as embalagens de camisinha, tentando entender as diferenças de cores e nomes e marcas, até que senti o olhar de uma atendente e ouvi as piores palavras que poderiam aparecer naquele momento: "posso ajudar?". Resultado? Peguei o primeiro pacote que estava ao alcance das mãos (daquelas com bolinhas pra estimular o parceiro, sabe?), agradeci e fui imediatamente ao caixa. Não comprei nenhum sabonete liquido (ainda não sabia desses truques!), mas se tivesse algo à venda que reduzisse vermelhidão de vergonha, eu teria levado na hora.
quarta-feira, fevereiro 06, 2013
Aluno é tudo igual?
Dizem que aluno é tudo igual. E professor, quando volta a ser aluno, age do jeitinho que detesta. É, aquela coisa de não se manifestar muito, de sentar no fundo e de fazer cara de sono. Ou de ficar no celular o tempo inteiro e nem olhar pra frente. Eu sei porque fiz tudo isso semana passada.
Daí estava eu chateado, ontem, com duas turmas na faculdade. Uma, a minha, porque de 20-30 alunos, só seis compareceram. Sete, mas uma ficou do lado de fora durante o tempo inteiro. Na outra turma, dos 10-15 que a compõem, só dois (e depois cinco) estavam na sala. Certo, eu sei que "é assim", pois é semana antes do carnaval, então ninguém vem, todo mundo está viajando etc. Tá, mas peraí... É assim? Como eu tento ensinar aos meus alunos de Metodologia Científica: não basta pensar "é isso", temos que refletir sobre "por que é isso". A gente acostuma a abraçar algumas ideias e a não questioná-las, a simplesmente seguir o fluxo. O grande problema disso, bem sabemos, é que nada muda.
Então me pego pensando: estou louco para fazer um teste de nivelamento para estudar Francês. Estou realmente empolgado, quero ir lá e ouvir de novo aquelas palavras em língua enrolada e sofrer para enrolar a língua junto. Qual a diferença? Acho que é o tesão. Eu realmente quero estudar, acho que um novo idioma será algo de valor na minha vida. (Mesmo assim, não sei se não serei um típico aluno quando as aulas começarem. Os próximos meses dirão.)
Pensando sobre meus tempos de estudante, especialmente os de graduação, lembro que muitas vezes eu não dava a mínima para o que era ensinado, mesmo em disciplinas que hoje se revelaram muito importantes (e faz o quê, quatro anos que eu saí da faculdade?). Isso me preocupa. Será que há algo que eu, professor, possa fazer para estimular o tesão nos alunos? Ou será que tudo que eu posso fazer é, semana após semana, me esforçar para de vez em quando ver um brilho de olho aqui, outro acolá, sem nunca realmente estabelecer uma troca no nível de excitação que eu imagino ser o mais produtivo?
Não sei. Eu quero engajar, não entreter. Como lidar?
Daí estava eu chateado, ontem, com duas turmas na faculdade. Uma, a minha, porque de 20-30 alunos, só seis compareceram. Sete, mas uma ficou do lado de fora durante o tempo inteiro. Na outra turma, dos 10-15 que a compõem, só dois (e depois cinco) estavam na sala. Certo, eu sei que "é assim", pois é semana antes do carnaval, então ninguém vem, todo mundo está viajando etc. Tá, mas peraí... É assim? Como eu tento ensinar aos meus alunos de Metodologia Científica: não basta pensar "é isso", temos que refletir sobre "por que é isso". A gente acostuma a abraçar algumas ideias e a não questioná-las, a simplesmente seguir o fluxo. O grande problema disso, bem sabemos, é que nada muda.
Então me pego pensando: estou louco para fazer um teste de nivelamento para estudar Francês. Estou realmente empolgado, quero ir lá e ouvir de novo aquelas palavras em língua enrolada e sofrer para enrolar a língua junto. Qual a diferença? Acho que é o tesão. Eu realmente quero estudar, acho que um novo idioma será algo de valor na minha vida. (Mesmo assim, não sei se não serei um típico aluno quando as aulas começarem. Os próximos meses dirão.)
Pensando sobre meus tempos de estudante, especialmente os de graduação, lembro que muitas vezes eu não dava a mínima para o que era ensinado, mesmo em disciplinas que hoje se revelaram muito importantes (e faz o quê, quatro anos que eu saí da faculdade?). Isso me preocupa. Será que há algo que eu, professor, possa fazer para estimular o tesão nos alunos? Ou será que tudo que eu posso fazer é, semana após semana, me esforçar para de vez em quando ver um brilho de olho aqui, outro acolá, sem nunca realmente estabelecer uma troca no nível de excitação que eu imagino ser o mais produtivo?
Não sei. Eu quero engajar, não entreter. Como lidar?
Objetivos são importantes
Por que você faz o que faz? Entre as coisas que eu faço está ser professor, e escolhi isso para mudar vidas. É, simples assim, mas também complexo que dói. Hoje de manhã, lendo o Cem Homens, fui lembrado do quanto é importante pensar sobre o que sentimos e vivemos. Reavaliar nossos objetivos, os caminhos que temos tomado para chegar até eles.
Até a formatura do mestrado, eu sempre tive objetivos mais ou menos claros. Em alguns momentos, turbulência. Depois da graduação? Desespero. Aos poucos tudo se ajeitava de novo e eu retomava o rumo. Depois do mestrado, porém, desisti dos meus planos acadêmicos imediatos e me lancei à aventura de dar aulas. O objetivo? Já disse, mudar vidas. Tá, mas mudar vidas... como? E ainda mais importante: a minha vida não precisa mais mudar?
Minha vida está ótima do jeito que está. Entretanto, eu sei que posso mais e quero mais. Hoje assisti à fala de um professor que tem uma longa carreira de vida profissional na área da comunicação. Eu fiquei inspirado. É isso que quero pra mim: eu quero inspirar. E eu quero fazer isso através das palavras: lecionando e, principalmente, escrevendo.
Objetivo para 2013: escrever mais, ler mais, afetar e ser afetado mais.
Até a formatura do mestrado, eu sempre tive objetivos mais ou menos claros. Em alguns momentos, turbulência. Depois da graduação? Desespero. Aos poucos tudo se ajeitava de novo e eu retomava o rumo. Depois do mestrado, porém, desisti dos meus planos acadêmicos imediatos e me lancei à aventura de dar aulas. O objetivo? Já disse, mudar vidas. Tá, mas mudar vidas... como? E ainda mais importante: a minha vida não precisa mais mudar?
Minha vida está ótima do jeito que está. Entretanto, eu sei que posso mais e quero mais. Hoje assisti à fala de um professor que tem uma longa carreira de vida profissional na área da comunicação. Eu fiquei inspirado. É isso que quero pra mim: eu quero inspirar. E eu quero fazer isso através das palavras: lecionando e, principalmente, escrevendo.
Objetivo para 2013: escrever mais, ler mais, afetar e ser afetado mais.
segunda-feira, fevereiro 04, 2013
Professor também namora
Quando numa autoestrada, se um veado enxerga uma luz forte vindo na sua direção, o que ele faz? Ele paralisa. Foi o que aconteceu comigo no sábado: fiquei completamente sem saber o que fazer quando duas partes até então completamente separadas da minha vida se misturaram.
Eu sou professor universitário em um curso de Publicidade e Propaganda. Por alguma obra (feliz) do acaso, eu tenho um namorado.Tipicamente, essas são duas parcelas da minha identidade mantidas em separado. Então alguém sabe me explicar por que eu fiquei feito um veado (sem piadinhas, OK?) na autoestrada quando estava com meu namorado e encontrei duas alunas num shopping?
Eu sei exatamente o que aconteceu, mas não gosto de admitir.
De algum lugar do meu passado, as instruções "professor não tem vida sexual" e "professor bom é professor hétero" vieram com força naquele momento. Que fique claro: eu defenderei até o fim dos tempos o direito de qualquer um ter a vida afetiva que lhe convier e estou muito longe de achar que professor é aquele sujeito que não tem vida própria. Acho que educação se faz entre pessoas e pessoas têm vida, pessoas fazem sexo, pessoas se sujam, pessoas se apaixonam.
Ainda assim, todo dia na escola eu ouvia alguém me xingar por eu não ser machinho.
Ainda assim, nenhum dia na escola ou na faculdade eu soube dos meus professores mais do que "eu sou casada".
Por mais que eu odeie isso, preciso diariamente lutar contra todos os preconceitos e estereótipos que me foram ensinados por anos e anos. Um deles, que me afeta profundamente, é que professor homem não transa com homens, professor não vai à boate, professor se dá ao respeito. Esse texto é um lembrete para mim mesmo: Tales, para de te agarrar ao que o resto do mundo tentou te ensinar até hoje e te volta para o que tu quer que o mundo aprenda.
Eu sou professor universitário em um curso de Publicidade e Propaganda. Por alguma obra (feliz) do acaso, eu tenho um namorado.Tipicamente, essas são duas parcelas da minha identidade mantidas em separado. Então alguém sabe me explicar por que eu fiquei feito um veado (sem piadinhas, OK?) na autoestrada quando estava com meu namorado e encontrei duas alunas num shopping?
Eu sei exatamente o que aconteceu, mas não gosto de admitir.
De algum lugar do meu passado, as instruções "professor não tem vida sexual" e "professor bom é professor hétero" vieram com força naquele momento. Que fique claro: eu defenderei até o fim dos tempos o direito de qualquer um ter a vida afetiva que lhe convier e estou muito longe de achar que professor é aquele sujeito que não tem vida própria. Acho que educação se faz entre pessoas e pessoas têm vida, pessoas fazem sexo, pessoas se sujam, pessoas se apaixonam.
Ainda assim, todo dia na escola eu ouvia alguém me xingar por eu não ser machinho.
Ainda assim, nenhum dia na escola ou na faculdade eu soube dos meus professores mais do que "eu sou casada".
Por mais que eu odeie isso, preciso diariamente lutar contra todos os preconceitos e estereótipos que me foram ensinados por anos e anos. Um deles, que me afeta profundamente, é que professor homem não transa com homens, professor não vai à boate, professor se dá ao respeito. Esse texto é um lembrete para mim mesmo: Tales, para de te agarrar ao que o resto do mundo tentou te ensinar até hoje e te volta para o que tu quer que o mundo aprenda.
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