Eu era um estudante relativamente bom no Ensino Fundamental. Em comparação com os demais, provavelmente o melhor da série. Pode parecer algo bobo, com certeza eu acho uma bobagem, hoje, mas para mim servia de estímulo para lidar com uma realidade que, de outra forma, não era particularmente amistosa.
Acordei hoje lembrando de uma aula, acho que da sexta ou sétima série, em que um colega estava me provocando, me chamando de mulherzinha e coisas do gênero. Aliás, literalmente de gênero: ser mulher é uma ofensa para um homem, pois acreditamos que ser homem é superior a ser mulher. Irritado com aquela provocação no meio da aula, perguntei m voz alta: "tu acha que é mais homem do que eu?" e toda a sala ovacionou minha reação. Até o meu bully me cumprimentou.
Avancemos uns anos na vida. O local agora é outro, no meu colégio do Ensino Médio. Primeiro dia de aula do segundo ano, entro atrasado na sala e um dos colegas fala suspirado: "gay". Eu não respondo, a professora não responde, alguns riem e a coisa fica por isso. No Ensino Médio eu não era mais o garoto inteligente, tampouco protegido por alguns colegas ou respeitado quando enfrentava alguma opressão. Aliás, eu não enfrentava mais nada.
Existem poucas coisas boas que eu considero que posso tirar do Ensino Médio. Tenho certeza que eu não estava socialmente maduro o suficiente para ser colocado naquele ambiente que eu mesmo escolhi, da mesma forma que só comecei a viver a faculdade de uma forma que considero apropriada já no terceiro ou quarto ano. Tenho medo de olhar alguma tabela que explique sobre espectros de autismo, pois acho que eu entraria facilmente nessa classificação em épocas anteriores da vida.
Aliás, talvez entre ainda hoje.
Heh... Fazia tempo que eu não sentia medo de descobrir algo sobre mim mesmo. "Descobrir". Eu havia terminado o post, mas voltei para acrescentar esse trecho: o nome que damos às coisas muitas vezes ganha tanto poder e é tão naturalizado que se considera que vem antes das próprias coisas que nomeiam. Isso é um engano: a palavra "autista" condensa uma série de características que são enquadradas nesse termo. Não é o contrário. Uma pessoa não é autista e por isso age de certas formas... ela age assim e assado e, por isso, passa a ser chamada de autista. Ou, pelo menos, é assim que deveria ser. Então quando a gente descobre algo sobre nós mesmos, alguma característica ou pertencimento, não estamos apontando algo que estava ali "na nossa natureza" desde sempre (como ser homossexual), mas sim uma etiqueta que nos ajuda a resumir e condensar uma série de características.
Agora, se essa é uma estratégia útil ou se ela só gera mais preconceito, é uma discussão para outro momento.
2 comentários:
um rótulo pode ajudar e atrapalhar muito. Dependendo do uso que se faz dele. Eu escrevia lá e tu aqui sobre preconceito: histórias cruzadas!
Histórias cruzadas, adorei! Para quem quiser ler o post-irmão: http://marialucialenz.blogspot.com/2012/02/help.html
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