segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Na vida real é diferente

Minha tia adora novelas. Creio que ela reluta em perder qualquer capítulo das três ou quatro novelas que passam diariamente. De vez em quando, desgosta de alguma e não se sente obrigada a assisti-la, mas acaba acompanhando mesmo assim.

Eu fui criado principalmente pela minha tia, já que minha mãe trabalhava o dia inteiro (e algumas noites) e meu pai já tinha outra casa. Quando eu era mais novo e alguma coisa "grande" acontecia nas novelas, ela prontamente me explicava que a morte do personagem não era de verdade. Bem, a do personagem era, mas aquilo era só fantasia e, portanto, o ator ainda estava vivo e bem.

Até cinco minutos atrás eu nunca havia parado para pensar no pequeno poder que isso concedia à minha tia. Ela tinha nas mãos o que a cada dia se tornava mais raro: a chance de me ensinar alguma coisa e de mostrar que, apesar de amar aquelas histórias, ela não era enganada por elas.

Em dezembro, minha mãe foi me visitar em Goiânia e trouxe-me, com ela, uma carta da minha tia. Quando soube que minha mãe iria ao meu encontro, ela correu para escrever, reescrever, rearranjar as palavras e letras e ideias e sentimentos. Pediu para minha mãe corrigir e queria que fosse uma carta perfeita, tentando refazê-la a todo instante.

Quando eu era mais novo, mas não novo o bastante para ainda precisar que me dissessem que apenas os personagens em histórias morriam e não os respectivos atores, minha tia se correspondia através de cartas com a sua tia (minha tia-avó). Ela escrevia e pedia para que eu revisasse a escrita, as vírgulas etc. Naquele ponto, eu já estava na quarta série e, portanto, ao final do ano teria experimentado toda a educação formal a qual minha tia teve acesso na vida.

Eu nunca tive o hábito de escrever cartas, mas entendo o investimento emocional que existe nesse hábito, nessa troca, nessa relação. O tempo alocado à escrita se soma à materialidade que falta a um e-mail. A instantaneidade de se saber lembrado naquele momento não substitui a comovente sensação de tocar um papel que foi tocado pela tinta de outra pessoa.

Agora vivo longe da minha família há dois anos. As oportunidades da minha tia me ensinar alguma coisa escassearam, mas ainda assim algo tão simples como uma cartinha escrita em um pequeno pedaço de papel consegue somar na minha vida. Ainda bem!

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