sábado, março 10, 2012

Pornografia acadêmica

Meus interesses em sexualidade têm mudado de uma perspectiva teórica para um olhar e acompanhamento mais firmados nas experiências vividas. Seria, talvez, uma mudança da literatura para o jornalismo ou antropologia, em termos de narrativas. O resultado disso é que tenho pensado cada vez menos em desejos e cada vez mais em corpos e práticas. Com isso em mente, me deparei com o seguinte texto:
Ultimately this is why I've gotten involved in porn: to fuck with shame, to assert muself as a sexual being, to contest the idea that I have to be either gay or straight, to interrogate and experiment with the pornographic productions of youth and race, and to pedagogically link my sexuality with my activism and personal politics. Albeit, much of this is done in problematic and unresolved ways, it is only through this highly personal engagement with and questioning of pornography that sexualized images, fantasies, and stereotypes can be challenged and reinterpreted (Zeb Tortorici, Queering pornography, no livro Queer youth cultures, p. 213-214).
 O que Zeb traz na forma de um comentário sobre sua descoberta do mundo da pornografia e de sua vergonha em lidar com a mirada dos outros sobre as suas explorações do desejo de enxergar o corpo dos outros como objeto é algo que eu consigo conectar com minha própria experiência. Embora eu nunca tenha participado de qualquer ação especificamente pornográfica, houve um momento da vida em que encontrei-me inclinado a desafiar minhas próprias noções do que acreditava ser correto ou não em termos de experiência sexual. Muito de como me comporto, do que sinto e do que desejo reflete a forma como fui e sou socialmente talhado. Creio que ter consciência disso é o mínimo que posso fazer enquanto um pesquisador de sexualidades.

Por alguma razão, porém, a moral vigente é dúbia e conflitante. Por um lado, temos a sexualidade exacerbada da mídia e da facilidade de acesso que as tecnologias contemporâneas proporcionaram e a cada dia expandem. Por outro, temos o tabu que segue marcando os sujeitos e lhes impedindo uma exploração segura ou, quem sabe, sadia, de seus corpos e prazeres. Essas duas mentalidades e posturas coexistem: fingir que apenas uma opera em nossa sociedade é ingenuidade (por nossa sociedade, refiro-me aos lugares onde eu vivo, particularmente algumas cidades do Brasil cujos contextos são distintos entre si, mas as regras de comportamento afetivo-sexual não são completamente distintas).

Esse não é um tipo de conflito que eu considere positivo. Somos convidados a explorar os corpos exibidos midiaticamente, mas ao mesmo tempo somos recriminados por esses desejos. As regras funcionam de maneiras diferentes para sujeitos diferentes, talvez numa maldosa releitura dos "direitos iguais na medida de suas igualdades e desiguais nas desigualdades". As mulheres não podem ser sexuais. Os homens devem, mas somente se forem sexualmente ativos e provedores. A situação se complica quando envolvemos outras questões, como orientação sexual (a "cultura gay" é facilmente associável com libertinagem, o que não vem sem um estigma) ou corpos não normativos (meu exemplo típico é a obesidade, mas tenho certeza que cor de pele, altura, tamanho da genitália e tantos outros fatores têm papéis importantes nisso).

Fica, portanto, o questionamento: de que forma minhas explorações intelectuais interferem na minha vivência diária das sexualidades, das afetividades, das corporeidades? O contrário também é válido: como minhas experiências interferem, atravessam e informam as possibilidades de reflexão intelectual?

Priapus weighing his phallus, 1st century

Para finalizar esse pequeno texto, apenas uma consideração sobre uma imagem de Priapus, deus grego da fertilidade, onde podemos notar um pênis bastante grande sendo pesado em uma balança. Hoje essa imagem talvez cause espanto e seja, inclusive, fruto de debates acalorados sobre pudores e morais. Em outros tempos, talvez tenha sido apenas uma pintura a ser apreciada e até mesmo reverenciada. É sempre bom termos em mente que a maneira como pensamos sobre o mundo é cultural e, portanto, deve ser sempre questionada.

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