quarta-feira, outubro 02, 2013

Pequeno manual de sexo

Meu amigo se define como passivo, mas anda com vontade de ser ativo (pelo menos entre os gays, ativo é aquele que, na relação sexual, penetra, enquanto o passivo é penetrado... uma nomenclatura péssima, mas sobre a qual não vou discutir hoje). Disse a ele que é muito fácil, basta ter um pênis duro e colocá-lo no anus alheio. A lógica é infalível. Ele argumentou que queria que fosse bom, não doesse e proporcionasse prazer. É nesse ponto em que a coisa começa a complicar.

Primeira regrinha para esse texto: sexo não é apenas penetração.
Vivemos num mundo que prioriza o pênis como principal fonte de prazer, o que muitas vezes leva as pessoas a pensarem que lésbicas não têm prazer porque não têm pênis ou que "viraram lésbicas" porque nunca foram bem comidas. Gente, não! O pênis é uma parte do corpo humano como qualquer outra, a principal diferença é que depois de bem chacoalhado ele vomita uma coisinha branca que ajuda a fazer nenéns. O pênis não é o centro do mundo, tampouco a coisa mais gostosa. Tem gente que sente muito mais tesão com um dedo roçando a virilha do que com uma língua super habilidosa na glande.

Se o pênis não é a fonte de todos os prazeres, então a penetração (vaginal ou anal, tanto faz) também não é obrigatoriamente o ponto alto do sexo. Não precisa ser, ao menos. Li esses dias no Cem Homens que deveríamos esquecer a palavra "preliminares". Concordo demais. Falar em algo preliminar nos leva a supor que o momento mais importante da transa será quando o pênis entra em ação. Dentro dessa lógica, beijos, carícias, coçadinhas e roçadas ficam em segundo plano, quando deveriam ganhar muito mais atenção. É como se as pessoas tivessem pressa para gozar logo e terminar a transa (porque a maioria dos homens não consegue gozar duas ou três vezes seguidas sem um intervalo e muitos, para completar, ainda perdem o interesse em outros seres humanos durante esse tempo).



Não estou defendendo a prática sexual sem penetração (o nome disso é gouinage), mas também não haveria problema se estivesse. O que, aliás, nos leva à segunda regrinha de hoje: sexo deve ser feito como der prazer a todos os participantes. Se isso envolve mordidas, tapas, chicotes ou pessoas em roupas de lycra, beleza, contanto que seja consensual. Sexo bom é aquele em que todos os envolvidos terminam contentes, de preferência com algum tipo de prazer despertado. Daí vem aquele chato que acha que entende de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo, Masoquismo) e vai me dizer que tem gente que gosta de apanhar e sofrer e que não há nenhum prazer nisso. Desculpa, meu querido, mas estou compreendendo prazer de uma maneira mais ampla, ou seja, como algo que buscamos ou sentimos que nos faz relaxar e experimentar momentos de alívio e gozo.

Agora já sabemos que sexo não é apenas penetração, logo o pênis não é a parte mais importante da coisa toda, e que no sexo vale tudo que os envolvidos queiram fazer e deem consentimento. Já dá para perceber o tanto que a pressão sobre a pessoa responsável pelo pênis ereto foi diminuída? Toda essa pressão cultural de milênios sobre o pênis é magicamente retirada quando entendemos que o prazer vem do contato e da troca na cama (e no sofá, na mesa da cozinha, nas escadas...). O nosso principal órgão sexual é o cérebro, é a ele que objetivamos dar prazer.

De volta ao meu amigo passivo que quer ser ativo, penso que o conselho continua valendo: pau duro no ânus. É claro que tem muito mais do que isso e eu realmente espero que seja muito além do que somente isso. Se a penetração será uma parte do ato sexual, então o relaxamento é imprescindível. De ambas as partes, não só de quem será penetrado. Tentar comer alguém e ficar o tempo inteiro pensando se vai ser bom, se a pessoa vai gostar, se o pau é grande o suficiente etc. é um convite para brochar. O que, aliás, não deveria ser encarado como um grande problema, afinal de contas o pinto não é o ator principal do sexo (embora o mundo inteiro tente nos convencer disso). Brochou, segue o baile e daqui a pouco está duro de novo.

Além do relaxamento de ambas as partes (aqui estou falando em dois porque até hoje nunca vi alguém capaz de penetrar duas pessoas ao mesmo tempo com o mesmo pênis, mas estou aberto a ser surpreendido), uma boa lubrificada é essencial, óbvio. Saliva ou lubrificantes cumprem o propósito. Há algumas camisinhas que já vêm com uma lubrificação bem boa, mas eu geralmente gosto de complementar. Deslizar ao invés de rasgar nunca é demais (a não ser que a pessoa em questão goste de uma coisa mais bruta, mais seca, mais primeira vez de O Segredo de Brokeback Mountain, que doeu em mim só de olhar).

Depois que entrou, acho que a coisa é mais tranquila. A primeira vontade é de ligar a britadeira e ficar bombando até gozar, mas a gente ri de quem faz isso não porque é bom, mas sim porque cansa e não acrescenta muito. É claro que não pretendo generalizar, tem gente que curte uma coisa mais forte e toda trabalhada no vai e vem louco, mas no geral percebo mais reclamações do que elogios. Eu parto do princípio de que o pênis penetrado é uma massagem interna: como qualquer massagem, tem quem goste mais forte, mas no geral o que conta são os pontos em que estão sendo pressionados e a constância e/ou intensidade do massagear. Essa coisa de enfiar e ficar mexendo compulsivamente costuma ser bom só para quem está penetrando, mas daí é egoísmo, o que nos leva à terceira regrinha de hoje: sexo não é masturbação assistida

Salvo em casos muito raros, os outros não estão com você somente para dar prazer a você e ponto. Quando pequenos a gente chamava isso de troca-troca por uma razão, afinal de contas. Todos os envolvidos deveriam ter prazer com o sexo. Não é à toa que a maioria das mulheres reclamam dos homens, que foram ensinados desde pequenos a só se preocuparem com o próprio pau e, por isso, deixam as moças lá sem assistência alguma. Com gays acontece algo parecido: o sujeito ativo fica achando que o papel dele é só meter fundo e gozar litros. Não é. 

Por fim, chegamos à quarta regrinha do sexo da raposa: brincar é importante. Quem leva o sexo a sério demais com frequência perde a oportunidade de ser criativo e explorar possibilidades. Não há problema em desgostar de coisas que outras pessoas acham comuns ou necessárias. Da mesma forma, não deveria haver problema em experimentarmos uma coisa ou outra aqui e acolá. Meu irmão sempre declarou a plenos pulmões que não deixa rolar o fio terra, pois isso não é coisa de homem. Eu discordo basicamente porque sou homem e o resto vocês deduzem. A questão é que o ânus está cheio de terminações nervosas super excitáveis e associar heterossexualidade com a preservação do cu é uma noção boçal.

Está com outra(s) pessoa(s) brincando de sexo? Excelente, brinque! As nossas vidas sexuais seriam tão melhores se não nos agarrássemos a noções conservadoras sobre o que pode e o que não pode, quem faz o quê e por quanto tempo etc.  No meio de tudo isso, acho que vale apenas lembrar o mais importante: seja o que for, deve ser sempre consensual e, de preferência, bom para ambos.

Um comentário:

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