Eu defendo a teoria de que o tempo que tu dedica para algo é um grande fator para determinar a importância desse algo. Se eu passo trinta horas por semana conversando com uma pessoa, ela obviamente tem um papel maior na minha existência do que alguém com quem eu converso apenas uma, não? Bem, não exatamente. Essa teoria pode funcionar na escola, em que a gente (classe média, desocupada, que não precisa trabalhar para ajudar em casa) efetivamente tem tempo pra ir e vir.
O que acontece quando nós começamos a trabalhar e temos bem pouco tempo nas mãos? Quando mudamos de cidade? De país? De projeto de existência? Li ontem no Bloco de notas e rabiscos uma passagem tratando mais ou menos da mesma coisa. Os amigos que fizemos quando podíamos transitar livremente continuam existindo, eles não desaparecem em uma fumaça nostálgica. O que fazemos para cultivá-los, qual é o adubo que mantém a equação dando um resultado satisfatório?
As escolhas que a gente faz na vida algumas vezes vão na direção oposta das feitas pelos nossos amigos. Nem precisa uma mudança radical, um dia a gente acorda querendo outra coisa. Ou vai acontecendo aos poucos e, percebendo ou não, não se tem muito o que fazer. Lembro que da sexta-série até a faculdade eu tinha um melhor amigo. Conversávamos sobre muitas coisas, inclusive nossas dúvidas com relação a como nos inserir em um mundo que parecia não ser para nós. Acabamos no mesmo curso de graduação, ele meu veterano, e nossos tempos ali já eram diferentes. Nossos objetivos e as amizades que fizemos foram com pessoas diferentes, algumas vezes radicalmente distintas entre si. Quem tem a melhor vida, quem fez as melhores escolhas? Não é essa a questão. O ponto é que hoje nós somos estranhos um para o outro. Creio que podemos sentar e conversar e querer saber a respeito do outro, acho que esse tipo de cumplicidade talvez não tenha desaparecido. Contudo, existe uma diferença forte entre querer saber do outro e ligar, ir atrás, mandar carta, sinal de fumaça, o que for necessário.
Aí tem aquela colega com a qual eu estudo e compartilho conversas esporádicas desde o início da faculdade. Ela é legal, espoleta, divertida, tem um namorado em outra cidade e está sempre envolvida com os livros. Meu tipo de pessoa. Um dia vamos numa festa e eu resolvo me abrir pra ela. Passamos a ser melhores amigos. Até hoje. Foi a soma de algumas decisões simples: chamar para uma festa, aceitar ir na tal festa, abrir o coração e ser recebido. Hoje conversamos sobre nossos amigos, sobre o universo, sobre amores. Moramos em cidades diferentes e continuamos compartilhando nossas vidas por e-mail. Algumas vezes demoramos semanas para responder um ao outro. Outras vezes ela briga comigo quando estou em Porto Alegre e tenho canseira de sair de casa. Nosso tempo é restrito, mas nós queremos um ao outro na vida, porque é importante pra gente. Também sabemos que se um dia mudarmos para lados diferentes, nossa relação se tornará memória. Que mudaremos é fato, nós pertencemos àquele tipo de pessoa que não aceita ser a mesma coisa por muito tempo. Ou, pelo menos, que não se quer acreditar a mesma pessoa.
Aí ouço falar em amor incondicional e eterno. Que amigos duram pra sempre, que mães não podem deixar de amar os seus filhos. Acho bobagem, existem casos e casos. Eu não quero deixar de amar quem eu amo hoje e é sempre uma droga perceber que isso está acontecendo. Dói saber que uma pessoa que tinha tudo a ver contigo hoje não tem mais e que aquele tesão de ter contato, de compartilhar histórias e de ajudar a andar se foi. Mas acontece: pessoas mudam e os caminhos se separam. Não é o fim do mundo: é o fim daquele mundo que estava ali daquele jeito.
Quando a gente menos espera, aparece outra pessoa para fazer parte da roda dos amigos. Dos amores. É uma questão de sorte, mas também de estar aberto. Não poucas vezes na vida eu agradeci aos instantes em que resolvi dizer sim no lugar de não. Estou nos Estados Unidos agora porque aceitei ir de penetra numa viagem para Brasília. Sou amigo de uma pessoa maravilhosa por haver dito sim para uma festa na qual eu normalmente não teria coragem de ir.
Eu já passei da fase do "sim para tudo" (realmente foi uma proposta de vida minha por alguns meses), mas não posso deixar de lado o maior aprendizado que tirei desse período: as chances da vida acontecer são maiores quando a gente permite. O caos algumas vezes bate na nossa porta, mas se a gente não abrir e ir lá fora ver quem é... a vida demora mais pra mudar. Algumas vezes, demora demais.
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