Certo dia, eu e minha amiga decidimos que teríamos dois filhos, um menino e uma menina. Isso já deve fazer um ano, acredito, e de lá pra cá pouco pensei na possibilidade de criaturinhas com minhas linhas de raposa vivendo por aí. Nosso impulso era o de confrontar as normas de gênero que aprisionam as pessoas e as escravizam nas caixinhas de "meninos não limpam a casa e pegam geral" e "meninas recatadas só brincam de casinha".
Volta e meia penso de novo sobre os dois pipocos que não nasceram e que, provavelmente, só terão aniversários ficcionais. Nessa semana me dei conta da maldade que seria querer dois filhos, um menino e uma menina, desejando escapar das convenções de gênero. Desejaríamos crianças livres, mas desde antes do seu nascimento já estávamos preconizando seus caminhos. Talvez um menino não muito masculino, ou uma menina que adore jogar futebol e falar de sexo. Seguindo essa linha de raciocínio, percebi o quanto parece inescapável essa matriz de gênero que nos acompanha, já que está amarrada inclusive nas palavras que podemos utilizar para nos referir às pessoas. Posso chamá-los de crianças e depois de jovens, mas eu conseguiria não revelar seu gênero e dar-lhes livre escolha para serem quem quisessem?
Sempre lembro do que li sobre um casal que decidiu não revelar ao mundo o sexo dos seus filhos e a repercussão que isso causou. Pensei que poderia ser uma solução, só eu e minha amiga criando os pimpolhos e deixando-os decidir. Entretanto, nada seria mais enganoso. Eles ainda teriam a mim como modelo (um não muito apurado, talvez) de masculinidade e minha amiga como exemplo de feminilidade (mais uma vez, um que está mais longe do ideal do que a média). Ah, então isso seria bom? Acho que sim, mas não seria uma criação livre das normas de gênero. Nós estaríamos apenas nos distanciando do que é considerado ideal e tentando informar nossos filhos sobre as armadilhas do viver em sociedade.
Isso tudo sem mencionar o contato com outras crianças e outros modelos de realidade, com as escolas, com os amigos da família, com outras pessoas. "Escapar" não é algo fácil, não sei nem se é possível. Ficaria a responsabilidade de acompanhar o crescimento dos pimpolhos e tentar sempre estar por perto para conversar, explicar, ajudar a ver o mundo de outras maneiras. O trabalho que hoje pertenceria, na minha opinião, aos professores.
Fico triste pelo Luan e pela Sara, que talvez não venham a existir. Bem, na realidade eles já existem e já movimentam minha imaginação, o que é ótimo. E já que estamos falando de narrativas fictícias, eles podem, sim, se ver livres das pressões de serem A ou B, e crescerem para o que quiserem, inclusive raposas.
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